Tiago tinha acabado de deixar Aisling no dormitório, e estava caminhando até o dormitório masculino, onde ainda tinha que terminar de arrumar as suas coisas. Enquanto passava várias meninas piscavam, e o olhavam com luxúria, ele as ignorou, estava pensando em Aisling, a garota não saia de sua cabeça.

            -Irmão! – gritou Miguel vindo até Tiago e o puxando até uma roda de garotas – Este aqui, meninas, é o Tiago o meu irmão e eu tenho certeza que vocês vão gostar dele, apesar de que eu sou o melhor – falou Miguel de uma maneira maliciosa, e as meninas deram piscadelas para Tiago, que forçou não revirar os olhos. Por algum motivo, aquelas meninas pareciam ser tão devassas, e aos seus olhos, o que seu irmão diria ser sensual, não passava de pura vulgaridade.

            Uma delas tinha o cabelo loiro, mas era pintando, não tinha brilho, e nunca chegaria aos pés dos de Aisling, seu cabelo estava alisado, e a maquiagem perfeitamente feita. Os olhos eram azuis, mas não tão vibrantes quanto os de Aisling. Vestia um top azul marinho, que realçava o grande busto da garota, ela também estava com um shorts de ginástica, um par de tênis de corrida de marca, e parecia, que tinha acabado de sair de um treino de corrida.

            A outra era morena, tinha uma pele branca, e cabelos negros, alisados artificialmente, usava uma camiseta justa, e decotada, e um short mais curto que o da outra, ela estava de salto alto, e parecia ver defeito em todas as outras que passavam. Miguel ainda falava algumas bobagens, enquanto Tiago, tentava sair dali. O clima de vulgaridade e de sem vergonhice, estava lhe deixando sufocado.

            Finalmente, ele conseguiu sair dali, mas foi bem na hora que a diretora começou a chamar os alunos, para que fossem aos dormitórios colocar os uniformes, que logo seria dado o início das aulas. Tiago, e Miguel se depediram das garotas, com beijos no rosto,e  finalmente depois de uma longa caminhada até o dormitório, Tiago se livrou de Miguel.

            Ele ainda estava pensando em Aisling tocando violão, quando começou a colocar o uniforme. Uma calça social preta, com camiseta branca, uma gravata azul escura e um casaco para colocar por cima quando fosse frio. Ele colocou tudo menos o casaco, e invés do sapato social que era sugerido, e não era obrigatório, colocou um all star preto. Terminou de vestir o uniforme e saiu do dormitório.

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            Aisling, já estava com o uniforme, que era uma saia preta de pregas, com a camiseta social branca, e a gravata feminina azul escura. Vestia a meia calça preta, e um sapato de salto alto, que a partir daquele ano fazia parte do uniforme, deixou o cabelo solto, e passou uma maquiagem básica.

            Quando já estava fora do dormitório, se dirigindo ao pátio, ela ouviu as risadas que faziam com que ela tremesse só de ouvi-las. “Tomara que não me vejam, tomara que não me vejam”, Aisling pedia mentalmente enquanto continuava a andar silenciosamente e com a cabeça baixa.

            -Olha quem temos aqui – ela ouviu a voz de Miguel chamar a atenção do grupo dele para ela, que sentiu um calafrio, e seu coração bater forte de pavor. Ela trincou os dentes, e conteve suas lágrimas, que logo, logo, viriam à tona. Ela sabia o que iria vir em seguida – É a inútil da Walker, que tem um nome tão estranho... Seus pais deveriam estar drogados quando te fizeram né? Pena que o aborto de sua mãe não foi bem sucedido – o que Miguel falara parecia ser idiotice, mas a verdade é que Aisling havia sido uma filha não planejada pelos pais, e a mãe quase a abortou, mas foi naturalmente. Os pais de Aisling amavam a filha, só andavam distraídos, achando que ela ainda era uma criança, ou feliz, e cheia de amigos, eles não viam a verdade.

            -Olhe só, a loirinha idiota vai chorar – provocou uma garota que estava abraçada a Miguel – Será que é porque ninguém a quer aqui? – a garota foi até Aisling, que não era muito alta, e viu que a garota segurava o choro. Ela sabia que Aisling era linda, e odiava o fato de que se Aisling quisesse tudo para a ela seria fácil, já para ela não – Vamos garota, chore, falha de aborto – a garota gritou com um sorriso no rosto, e deu um tapa forte do rosto de Aisling. Que sentiu o tapa arder em sua face, ela deu uma risada, fazendo com que o resto deles risse dela também.

            -Por que vocês fazem isso? – Aisling perguntou trêmula, mas contendo as lágrimas, e olhou cada um ali nos olhos, todos riram ainda mais e as garotas se aproximaram de Aisling.

            -Porque é engraçado, e  você não  merece estar aqui – falou uma das garotas, indo até Aisling, e passando o salto, na meia calça preta dela, fazendo um pequeno rasgo na meia calça da garota.

            -É, você não merece – disse outra, lhe empurrando, e fazendo com que ela caísse, quebrando o salto de um dos sapatos de Aisling, e fazendo com que ela virasse o pé.

            -Nós fazemos isso Aisling, porque a culpa de muitas coisas que acontecem aqui são suas – falou outra cuspindo na cara de Aisling, que mordeu o lábio inferior com força.

            -Você não é nada, tente parar de parecer que é – falou a que dera um tapa nela, dando-lhe, um chute nas costelas, rasgando a camiseta de Aisling, com o salto. Todos ali, riam, e zombavam, falando palavras que entravam no coração de Aisling como espadas perfurando seu peito. Ela estava com medo, de tentar fugir e lhe machucarem mais, e com medo de tudo. Ela levantou seu olhar, e viu seus irmãos, a olhando com nojo, e desprezo, gritando coisas que a magoavam. E então ela chorou.

            Todos riram, e então, depois de vários xingamentos, e mais alguns rasgos em suas roupas, eles se foram. Aisling levantou com lágrimas nos olhos, e saiu correndo dali. Sem perceber, quase bateu em Tiago, que olhou o estado da garota, e os olhos cheios de lágrimas de Aisling, e saiu correndo atrás dela.

            Aisling parou se escorando em um muro do colégio, era atrás de um dos prédios, ninguém ia até ali, era um dos lugares de paz dela, onde um pequeno canivete estava escondido. Ela pegou o canivete, e abriu, ela iria cortar um pouco do braço, a dor, era a única amiga que ela poderia ter, era a única que lhe acalmava.

-Nem pense nisso – ela ouviu a voz de Tiago, e se virou com lágrimas nos olhos, e uma expressão de dor para ele, que segurou o pulso dela, e jogou o canivete longe – O que aconteceu? – ele perguntou, segurando os pulsos de Aisling, com gentileza, e a olhando preocupado. A garota estava tremendo, e em um estado deplorável.

            -Seu irmão, e o grupo deles – ela murmurou trêmula – Você vai sofrer também... Se afaste de mim Tiago, é o melhor para você! Você é um garoto que se daria bem aqui, mas não como meu amigo – ela falou isso sentindo, mais dor em seu peito. Ela queria Tiago ali, mas não podia fazer com que ele se metesse naquilo por ela. Aisling achava que merecia tudo o que estava acontecendo com ela. Talvez em algum momento da vida, tivesse feito algo, e tivesse que pagar por isso.

            -Eu não ligo para eles – ele falou olhando a garota – Você é incrível Aisling – Tiago a olhou, era como se uma parte dele, estivesse chorando com ela. O que estava acontecendo com ele? – Eles são uns idiotas fique calma, eu vou cuidar de você – ele deu um sorriso, que fez a garota sorrir no meio de tanta confusão. Tiago a ergueu no colo, e ela deu uma risada, e o olhou irritada – Vou te levar até o seu dormitório. Você vai se arrumar, e nós vamos ir juntos até o anúncio da diretora, ela ainda não chamou para irmos até lá, e temos tempo, uns quinze minutos eu acho – ele disse, e Aisling o olhou com lágrimas nos olhos, mas um sorriso no rosto.

            -Porque você se preocupa comigo? Porque você está me ajudando? – ela perguntou, ainda sorrindo, com um pouco de medo que ele fosse parar para pensar e passar a ser outro que lhe maltratasse.

            -Você é diferente, e também é especial. Além do mais Aisling, o meu coração está me mandando fazer isso, e eu vou ouvir ele – ela sorriu, e baixou o olhar. Tiago notou que ela não estava mais chorando. Ele a carregou até o quarto dela, onde ele ficou esperando do lado de fora, enquanto ela se arrumava.

Aisling, colocou outro uniforme, com outra meia calça, fez novamente a maquiagem, escondendo com pó a face machucada. Colocou o salto, arrumou o cabelo, e colocou um sorriso no rosto. Ninguém saberia que ela estivera chorando há alguns minutos. Ela saiu, e Tiago, se desencostou da parede, dando um sorriso toro para a garota, a descendo até o pátio abraçado a ela.

            -Acho que você não quer ser visto ao meu lado, então, obrigada... – ela começou a falar isso quando começaram a se aproximar de onde os alunos esperavam a diretora chegar. Tiago suspirou e olhou para os olhos azuis de Aisling, tentando transmitir segurança.

            -Eu não me importo com o que vão pensar, você é minha amiga, e você vai ficar do meu lado ali – ele falou a puxando para si, fazendo com que Aisling sorrisse, e desse uma risadinha melodiosa.

            -Obrigada – ela sussurrou para ele – Não sei como você vai me tratar amanhã, mas espero que saiba que hoje está sendo bom.

            -Bom? Aisling, você foi agredida por aquelas pessoas – Tiago falou apontando para o irmão ao longe, eles tinham parado, ela deu um sorrisinho, e o olhou nos olhos.

            -Mas antes, eu estava sozinha, e agora você está aqui me ajudando. Há dois anos que eu não consigo sorrir sem sentir medo, ou ainda ter um resquício de dor! Você não tem ideia de tudo o que eu passei – ela disse com um brilho nos olhos – Eu tenho medo Tiago, eu não sou fraca, mas eu não consigo combate-los – ela suspirou e deu ombros – Daqui há três anos tudo acaba, e aí eu vou fugir, ir embora, ninguém mais vai me ver – Tiago a olhou, e deu um sorriso – Desculpa, acho que temos que ir né?

            -Eu sou um bom ouvinte, eu sei de tudo o que o babaca do meu irmão fez contigo, não precisa ter medo de mim. Eu não vou ignorar você, ok? – ele a abraçou e ela assentiu sorrindo. Uma confiança que ela não tinha há dois anos voltou, ela seguiu sorrindo em direção a todos que sempre a ignoraram.

            Miguel foi o primeiro a ver, seu irmão abraçado com Aisling, ele olhou a cena incrédulo, e depois bufou. Aquela garota, era mesmo uma cretina, além de existir, ainda queria se tornar popular, tentando conquistar o seu irmão? Bem, ela seria humilhada, e dessa vez na frente da escola, se isso acontecesse. Seu irmão era idiota para perceber a víbora que tinha atrás da garota. Acontece que não existia víbora alguma.

            -Bem, vejo que seu irmão arrumou uma amiga – falou maliciosamente a garota morena que se chamava Melaine, aquela que Miguel apresentou a Tiago. E sua amiga loira Stacey estava do lado dela. As duas odiavam Aisling, e fariam de tudo para tirar aquela garota daquele colégio.

            -Não por muito tempo gata, eu vou acabar com aquela garota, mas eu preciso de ajuda para isso – falou Miguel olhando para ela, e para Stacey, que piscaram, e deram risadas vulgares.

            Aisling ouviu as risadas, mas abraçada a Tiago, ela não tinha medo, ela estava confiante. Os dois ficaram mais afastados, enquanto todos comentavam coisas falsas, sobre os dois.

            -Então sua vadiazinha, já deu pro meu irmão né? – falou Miguel indo até os dois, e olhando para Aisling com nojo, que abaixou o olhar, e mordeu os lábios.

            -Ela é minha amiga Miguel, e nem comece a tentar fazer com que ela chore, você não sabe quem ela é, ou o que ela passa, então cala a sua maldita boca – falou calma, e ao mesmo tempo, friamente Tiago. Fazendo Miguel engolir em seco e pensar em uma resposta, mas antes que qualquer um falasse algo, a diretora subiu no palco. Ela era alta, ruiva, magra, e tinha olhos castanhos. Era uma boa mulher, e uma diretora incrível. Ela percebia a tristeza de Aisling, não sabia o que ela tinha, mas conhecia a madrinha dela, e sabia que ela precisava de ajuda, só não sabia como dar a ela.

             -Sejam bem vindos alunos – começou a diretora, que tinha acabado de subir no palco, olhando para Aisling e sorrindo, vendo a garota sempre triste, sorrir – Esse ano, é um novo ano aqui! Lembrem-se das três principais regras. Sejam gentis, estudem, e cumpram as regras! Tenham um bom ano... – ela continuou falando por um tempo, e depois liberou os alunos para o almoço, que foram que nem loucos para o restaurante da escola.

            Aisling e Tiago, resolveram esperar, a pedido de Aisling, que não queria ficar no meio dos alunos, ela ainda não estava pronta para enfrentar a todos. Os dois sentaram em uma sombra de árvore, e ficaram por muito tempo, conversando, rindo, e se divertindo. Eles pareciam que se conheciam há muito tempo.

            Depois do almoço, que na verdade foi mais um lanche, já que comeram na cozinha do colégio, os dois passaram o dia juntos, conversando. Aisling sabia que aquele ano seria diferente, ela teria um amigo. E em dois anos, foi a primeira vez que ela sorriu sem sentir dor naquele colégio.