Saga Sillentya: Reuniões da Meia-noite escrita por Sunshine girl


Capítulo 4
IV - O Jogo Tem Seu Início


Notas iniciais do capítulo

E depois de uma eternidade, eu volto a postar aqui...

Queria dizer que estou muito magoada mesmo. Mas, vou terminar a Saga nem que seja para as moscas!

Boa leitura!



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Capítulo IV – O Jogo Tem Seu Início

É assim que você se lembra de mim?

Do que eu realmente sou?

Não é do seu feitio se desculpar

Eu estava esperando uma história diferente

Dessa vez estou errado

Por lhe entregar um coração digno de se partir

E estive errado, estive deprimido

Tentei afogar as mágoas no álcool

Estas cinco palavras gritam na minha cabeça:

"Nós ainda estamos nos divertindo?”

(Nickelback – How You Remind Me)

- Apenas confie em mim, Aidan! – pediu-me ele mais uma vez, os olhos suplicantes, quase desesperados, os braços abertos, as mãos espalmadas.

Ainda não conseguia entender o motivo de Christian ter me arrastado até os subúrbios de Roma, até aquele galpão empoeirado e escuro.

Estranhamente, meus sentidos me alertavam de que havia algo lá, algo ocultado nas sombras. Mas... não era uma presença hostil, muito pelo contrário, parecia-me até... amedrontada.

Christian passou por minha figura carrancuda, passou uma corrente grossa na tranca da porta decadente de madeira velha daquele galpão, finalizando com um grande cadeado.

Em seguida, estacou a minha frente novamente, respirando fundo. Estreitei meus olhos, imaginando o que ele poderia estar escondendo de mim.

E finalmente, tombando seu semblante pálido para a escuridão, ele chamou alguém, assentiu para que viesse ao nosso encontro.

Aos poucos, uma silhueta esguia e bonita revelava-se.

Era uma garota, uma menina, não devia ter mais que vinte anos. Escancarei meus lábios pelo choque enquanto Christian enlaçava-a pela cintura e a apertava em seus braços de forma protetora e terna.

Tinha cabelos castanho-arruivados, ondulados, batendo na altura dos ombros. A pele era tão pálida quanto giz, como porcelana chinesa, os lábios eram cheios e rosados e os olhos, incrivelmente negros e brilhantes, como uma noite estrelada.

- Aidan... – Christian começou, fitando-me cautelosamente, ciente de minha expressão confusa – Essa é Caroline Monroe.

As peças finalmente começavam a se encaixar...

O galpão, as roupas escuras como o casaco que a menina usava, o fato de Christian ter retornando diferente de Chicago, ter me arrastado com ele até aquele galpão assim que a noite caiu... Tudo fazia sentido para mim agora.

- Você... – sussurrei, mas tive dificuldades para absorver todas aquelas informações – Você... Não cumpriu com sua missão... Você mentiu para Ducian, disse que não havia encontrado a garota, mas mentiu...

Ele arregalou os olhos quando se deu conta de que eu havia entendido perfeitamente tudo, depois cerrou os olhos com força, baixando o semblante e sacudindo a cabeça.

- Eu não posso, Aidan, estou apaixonado por ela! Olhe, sei o que você pensa a respeito dos Elementais, mas te garanto que Ducian não nos contou nem mesmo metade da história verdadeira que há por trás dessa guerra! Então, você não entende...

- O que eu não entendo, Christian? – bradei, irritado e incrédulo, cerrando os punhos até o ponto de meus ossos reclamarem – Que você se aliou ao inimigo? Que está protegendo um deles? Que traiu Lorde Ducian para se envolver com um deles?

Christian notou meu estado de espírito, a hostilidade que emanava de meus olhos, de meu corpo, e colocou a menina atrás de si, tentando protegê-la de minha reação a qualquer custo.

- Você precisa me ouvir, Aidan, escute-me, por favor, meu irmão! Eu amo Caroline, seria capaz de arriscar tudo para ficar com ela! Até mesmo minha vida.

Um som de esgar escapou de meus lábios e eu bufei. Não existia amor para mim, nunca existiu, apenas uma mera satisfação momentânea. Nunca pensaria em uma mulher de uma maneira mais profunda. Até porque, nenhuma delas era capaz de prender meu coração.

- Você cometeu um grande erro, Christian. – murmurei, relaxando meus músculos rijos.

Ele meneou a cabeça lentamente, tornando a abraçar a menina de forma terna, segurando em seu rosto de forma suave e delicada, fitando-a com tamanha devoção, tamanho carinho, que eu nem mesmo suportei olhá-los mais.

- É aí que você se engana, Aidan, essa foi a única decisão certa que já tomei em minha vida.

Revirei os olhos e tratei de ir direto ao assunto:

- Se me trouxe até aqui é porque pressuponho que queira minha ajuda.

Ele tornou a me fitar, cauteloso novamente, cuidadoso na forma como estreitava seus grandes olhos azuis e franzia os lábios.

- Preciso que me ajude a fugir com ela. É tudo o que lhe peço, irmão. Nada mais.

Respirei fundo e concordei, mesmo que no fundo fosse corroído pela inveja, ao ver a forma como eles se tocavam, como se olhavam. A forma como Christian sorria e a abraçava deu-me uma certeza desoladora: eu jamais seria feliz como ele naquele momento. Jamais conheceria o amor. Jamais um sentimento tão bonito e puro floresceria no terreno pedregoso e desértico que era o meu coração.

...

Horas depois, eu tornava a Sillentya, ainda perturbado demais. Não hesitei em me isolar em qualquer um daqueles cômodos, entrando pela primeira porta que vi.

Desabei em um pequeno divã, apoiando os cotovelos nos joelhos e passando a mão nos cabelos, tentando afastar tais pensamentos de mim.

Por quê? Por que ele podia encontrar a felicidade e eu não?

Como eu pude concordar com aquela sandice?

Prometi a ambos que os ajudaria a deixar o país, embarcar para a Índia ou África talvez. O que fosse melhor para que ambos se escondessem. Estava responsabilizado de providenciar as passagens de navio na manhã seguinte. Mas...

Meu corpo enrijeceu ao sentir o dela. Sua energia vibrante e sedutora envolveu-me no mesmo instante como uma manta de veludo, seus braços envolveram meu pescoço e seus lábios roçaram meu pescoço.

Crystal descobrira que eu estava aqui e agora viera torrar a minha paciência.

Bufei e me afastei dela, levantando-me enquanto dava alguns passos na direção da lareira. Ela não desistiu, seguiu-me e passou seus braços magros ao redor de meu corpo, puxando-me para perto de si.

Seu perfume sedutor era uma excelente isca para mim, mas ultimamente, não consigo mais aturá-la, mal suporto sua presença. Deveria ter cogitado a possibilidade de passar a noite na rua.

- O que há com você? Está carrancudo... e distante. – ela sussurrou em minha orelha, mordiscando-a logo em seguida.

Sempre soube que meu relacionamento com Crystal era um erro. Afinal, não a amava. Podia me deslumbrar com sua beleza, com sua força e ousadia, podia desejá-la como uma mulher atraente e sensual que era, mas nada mais do que isso.

Nunca passaria disso.

Mesmo assim, quem me garantiria que essa mulher que procuro está em algum lugar desse mundo? Quem me garante que essa mulher não é Crystal? Não saberei se não tentar.

Talvez por isso tenha tido tantos relacionamentos, todos tentativas fracassadas de encontrar um pouco de felicidade. De encontrar o amor, assim como meu irmão encontrou.

Deixei que ela me envolvesse em sua armadilha, olhando dentro daqueles olhos castanhos e profundos, mas... Não eram os olhos que eu queria ver, os olhos que eu precisava ver. Eram apenas olhos vazios e frívolos.

Envolvi sua cintura fina com meus braços, apertando-a contra meu corpo, sentindo seus batimentos acelerarem por minha reação inesperada. Não fui gentil, muito menos amável, apenas colei de forma rude os meus lábios nos dela.

Eram vermelhos e macios como um fruto proibido.

Entrelacei meus dedos na raiz de seus cabelos castanhos, mordiscando seu lábio inferior com uma rudeza desnecessária.

Ela gemeu em meus lábios, afundando suas unhas em meus braços e não sendo capaz de conter a respiração entrecortada quando avancei para seu pescoço.

Ainda me sentia vazio e inútil, podia ter a mulher mais cobiçada e linda em meus braços, ainda assim, estaria só e incompleto.

Apertei sua cintura com força, empurrando-a até a parede mais próxima, prensando-a contra meu corpo, me permitindo inebriar com seu perfume sensual.

Afundei meus dentes em seu pescoço, tentando preencher aquele buraco de qualquer forma, de qualquer maneira. Não havia apenas um animal dentro de mim, havia um homem que sofria desesperadamente. Que procurava por algo que não sabia o que era, mas que tinha certeza de que esse algo era crucial em sua vida, em sua existência.

Apalpei seu corpo, delineando com minhas mãos cada curva esculpida de seu corpo, mas não voltei a procurar por seus lábios.

Crystal ainda tentava conter os gemidos quando enlaçou uma de suas pernas na minha, aproximando seus lábios de minha orelha e sussurrando de forma desconexa e ofegante:

- Eu te amo, Aidan...

O choque foi tão grande que eu me detive nas carícias, afastei-me dela, deixando-a completamente confusa. Trinquei os dentes, furioso e irritado.

Porque ela havia confessado seus sentimentos... Ela me amava. Mas eu não a correspondia. Eu não sentia absolutamente nada, não importa qual mulher tenho em meus braços, não importa que todas elas digam que me amam, porque eu jamais serei capaz de corresponder.

Eu sou oco, sou vazio, sou um assassino.

Encarando-me assustada e magoada, Crystal tocou meu ombro, tentou entender o que se passava em minha cabeça, o que me perturbava e corroia.

Afastei-me dela novamente, repudiando seus toques, queria ficar só, queria entender melhor o que estava havendo comigo. Precisava me isolar e não hesitei em mandá-la embora dali, da forma mais fria e cruel que encontrei, dispensando-a de minha vida, para sempre...

Sozinho mais uma vez, levei as mãos à cabeça, tentando pensar com clareza, raciocinar. Mas estava revoltado demais, furioso demais.

Mas que droga! O que estava havendo comigo? Por que eu me sinto tão... desnecessário?

Por que eu sinto essa necessidade desesperadora de preencher essa lacuna que há em mim?

O misto de fúria, ressentimento e inveja envenenava meus pensamentos, corroia meu coração negro.

Eu queria... Eu precisava descontar o misto desses sentimentos em alguém. Precisava saber que eu não era o único a sofrer com a solidão, que alguém me entendia, compreendia meus anseios e minhas dúvidas.

Nem mesmo percebi quando meus pés me levaram até o escritório de meu mentor.

Se eu não pudesse ser feliz, então ninguém mais seria.

Ducian recebeu-me com um sorriso caloroso e terno:

- Aidan, meu filho, seja bem-vindo, entre, entre!

Como se meu coração pesasse toneladas, desabei na cadeira e não hesitei em cometer o pior erro de minha vida, tomar a decisão mais egoísta, e sacrificar a felicidade de meu irmão em troca da minha:

- Pai, preciso lhe contar algo... É sobre Christian.

Concentre-se...

Concentre-se...

Concentre todas as energias que tenha, eu repetia para mim mesmo, incessantemente.

Precisaria delas mais tarde, precisava canalizar minhas forças em meus dons regenerativos, concluir a cicatrização de meus ferimentos e finalmente, escapar desse buraco.

Meus dedos abriam e fechavam, aos poucos eu esticava ao máximo a corrente que me acorrentavam à parede.

De olhos cerrados, eu esperava pelo momento certo, pela oportunidade perfeita. Sabia que não seria fácil. Minha luta de dias atrás, quando tentei desesperadamente tirar Agatha daqui não rendeu frutos, apenas me deixou ferido e debilitado.

Estava apostando tudo nessa tentativa de fuga. Se não conseguisse, era provável que Ducian não me poupasse mais, ele descarregaria toda a sua fúria sobre mim.

Era por esse exato motivo que meu plano não poderia ter falhas, teria de ser perfeito.

Enquanto canalizava minhas energias, concentrando-as dentro de mim, de meu corpo para a batalha que teria de enfrentar, senti que a alma de Agatha tentava me contatar, estabelecer contato comigo.

Claro que ela sabia o que eu estava planejando. Ela sente tudo o que eu sinto, se eu sofro, ela sofre junto, esse é o preço que uma alma paga quando escolhe ficar para trás e se ligar a uma pessoa que lhe foi muito querida enquanto viva.

Por esse exato motivo, venho tentando reprimir meus próprios sentimentos, minha própria dor por tê-la perdido, não quero que ela tenha de sofrer mais. Quero apenas que ela encontre um pouco de paz.

Talvez, vê-la fosse o que eu precisava antes de arriscar tudo em um golpe só.

Relaxei meus músculos e suavizei minha respiração e batimentos cardíacos. Não demorou muito para que minha mente fosse transportada e conduzida até ela.

A mesma praia de antes, só que dessa vez, a noite havia caído, um manto cintilante de estrelas recobria-o de ponta a ponta. As ondas ainda quebravam suaves na praia de areia branca, uma brisa um tanto fria nos envolvia, agitando os coqueiros altos e recurvados atrás de nós.

Segurei-a em meus braços pelo tempo que me fosse permitido, inspirando o cheiro de sua pele, de seus cabelos, do cetim moldando seu busto delicado.

Seu rosto estava pressionado contra meu peito, como uma criança aninhada nos braços de seu pai.

Meus lábios encontraram o alto de sua cabeça, inspirando seu perfume maravilhoso.

Ela soltou um longo suspiro e sua mão delicada tocou meu peito, no local exato onde meu coração batia forte por ela, apenas por ela. Ela afastou seu rosto a fim de me fitar nos olhos, parecia inquieta e até mesmo preocupada.

- Cuidado... – ela sussurrou, a voz suave como o sopro da brisa e eu tratei de aquietá-la, acalmá-la. Se no fim morresse, se não desse certo, realizaria meu maior desejo, de qualquer forma, e viria ao encontro dela, para que nada mais fosse capaz de tirá-la de mim.

- Não se preocupe comigo. – murmurei, envolvendo seu rosto com minhas mãos e tornando a puxá-la para o cerco de meus braços, onde ela voltou a se aninhar.

- Eles estão vindo ajudar você... – sussurrou ela, sorridente e contente.

Apertei os olhos, ciente de suas palavras, mas incapaz de decifrar os seus reais significados. Senti o sonho esvaecer lentamente, e me puxar de volta para a realidade, no exato momento em que um Mediador destrancava minha cela e adentrava, pronto para iniciar mais uma sessão de tortura.

Era agora.

Cerrei os punhos, mesmo que meus sentidos ainda estivessem inebriados pelo sonho, preparei-me para a batalha. Meu destino seria resolvido naquele momento; morte ou vida.

Talvez no fundo eu desejasse a morte.

Estiquei ao máximo a corrente e franzi meu cenho para o sujeito que sorria cruelmente para mim:

- Pronto para aceitar a proposta de Lorde Ducian, traidor?

Soltei um som de esgar, ludibriando-o, fazendo-o cair em minha armadilha. Ouvindo o som de meu deboche, o sujeito de cabelos dourados e olhos verdes aproximou-se de minha figura subjugada, desferindo um golpe covarde em meu rosto.

Senti o gosto do sangue em minha língua e não hesitei em cuspi-lo no chão da masmorra.

- Você aprenderá da pior forma que não deve dar às costas a Lorde Ducian! – bradou ele, batendo os punhos um no outro e preparando-se para me socar novamente.

Era agora ou nunca.

Trinquei os dentes, e usei de toda a força que vinha canalizando, forcei meus músculos, retesando meus braços para partir a corrente, ouvi o som da primeira se rompendo, seu ruído enchia meus ouvidos como música.

Logo em seguida, rompi a segunda e não hesitei um segundo sequer.

Movi-me feito uma sombra maligna, postando-me atrás do sujeito que ousara me afrontar. Como ainda restavam os grilhões e alguns pedaços da corrente que me prendiam em meus pulsos, usei-os para envolver seu pescoço com elas, asfixiando-o lentamente.

Apertei o máximo que pude, sentindo-o engasgar e tossir, desesperado por ar. Sorri por finalmente sentir o prazer da vingança inundando minhas veias, a adrenalina pulsava dentro de mim, retumbando a todo vapor.

Soltei-o apenas quando tive certeza de que havia perdido a consciência. Ele tombou no chão, imóvel – vivo, mas inconsciente por um bom tempo.

Girei o tronco para a saída, minha saída daquele inferno. Meus pés descalços roçaram o piso gelado de pedra do longo corredor escuro da masmorra e eu não hesitei em subir as escadas em caracol, arrebentando a porta de aço com minha força bruta.

Tratei de imobilizar o primeiro imbecil que ousou se meter no meu caminho, prendendo seus braços atrás de suas costas e chutando-o com força logo em seguida, arremessando-o no chão.

Podia sentir a movimentação no prédio todo, a balbúrdia que minha fuga havia causado. Em um instante, eu encontrava-me sozinho no corredor com inúmeras portas, no outro, eu estava cercado por um esquadrão inteiro de lutadores.

Agachei-me na posição de predador, há tempos que queria colocar minhas mãos em cada um deles, minha vingança não pouparia ninguém.

Porém, nem ao menos tive chance de lutar contra todos aqueles adversários experientes.

Uma grande explosão atraiu nossas atenções; viera do final do corredor. Uma nuvem de poeira nos envolvia no instante seguinte.

Permiti me deslumbrar com a cena que via logo em seguida: uma figura rápida e letal, envolta em manto cinza-escuro e encapuzada cruzou o corredor, surgindo em meio à nuvem de poeira.

Movimentava-se com graça e ferocidade, e assim que encontrou seu primeiro oponente, não hesitou. Envolveu seu pescoço com os braços magros, girando-o com eficácia, derrubando-o no chão, imóvel.

E estacou diante de mim, sem mover um músculo. Com a face pendida, grande parte do rosto ocultada pelo capuz de seu manto, reconheci uma pele morena e sedosa. O contorno do queixo era delicado e eu podia obter um breve vislumbra dos lábios cheios.

Uma segunda sombra se moveu em meio à nuvem espessa de poeira, um pouco maior e mais forte. Estendendo os braços, ele derrubou mais dois, atirando um deles contra a parede, abrindo uma fenda nesta.

E logo parou atrás de minha figura desconfiada.

Fitei ambos, o homem também possuía traços morenos, eles haviam me encurralado, completamente. Mas... quem eram? O que queriam de mim?

Foi o homem quem respondeu essas perguntas:

- Aidan Satoya, se deseja escapar com vida, venha conosco!

Não me deixei intimidar pela voz grave do sujeito, soando firme e decidida. Cerrei os punhos e estreitei meus olhos, alternando meu olhar de um para outro:

- Quem são vocês? O que querem comigo?

O homem bufou, impaciente, eu sabia que não tínhamos tempo para apresentações. Outros caçadores deveriam estar tomando consciência de minha fuga e da invasão desses dois estranhos – e não demorariam a chegar.

- Não temos tempo, apenas confie em nós! Venha conosco se quiser a sua tão almejada liberdade!

Eu por acaso tinha outra opção?

Rapidamente segui as duas sombras através do corredor, dirigindo-me até um dos vários cômodos que havia lá. Passei pelas portas destroçadas pela explosão de energia e surpreendi-me ao ver a imensa fenda aberta no concreto, revelando um imenso e escuro túnel. Comecei a me questionar se devia confiar naqueles estranhos. O que sabia sobre eles?

Concentrando-me em suas intensas e sincronizadas, tentei ler e entender quais eram as suas verdadeiras intenções. O que eles ganhavam salvando-me daquela prisão? O que de fato queriam de mim?

Eu podia sentir o esquadrão de caçadores em nosso encalço, e não tive escolha, meti-me na fenda escavada na rocha, seguindo os dois estranhos pelos intermináveis e estreitos túneis.

Eu não tinha energia suficiente para enfrentar uma batalha como aquela.

O túnel era gigantesco, guiava-nos por boa parte das ruas de Roma, então deduzi que aqueles estranhos estiveram planejando a minha fuga há muito tempo.

Quando um dos caçadores conseguiu nos alcançar, ele saltou sobre os meus ombros, passando seus braços ao redor de meu pescoço e me arrastando de volta. Relutei, mesmo que estivesse exausto, agarrei seus pulsos e o puxei com força de cima de mim, arremessando-o na rocha com força, deixando-o desacordado por um bom tempo.

Esforcei-me para alcançar os dois sujeitos novamente e quando enfim o túnel terminou, revelando uma velha e empoeirada escada, não hesitei; subi-a aos pulos, puxando o alçapão e fechando aquele compartimento.

Olhei em derredor, parecia uma espécie de adega no subsolo. Havia várias garrafas de vinho e tonéis. Parado próximo a única porta do cômodo apertado e sufocante, a figura esguia me chamava.

Corri até ela, deixando que ela me guiasse até um beco escuro e mal cheiroso de um pequeno estabelecimento. Havia um Ford Sedan preto estacionado no meio fio, os vidros fumês impediam-me de ver quem se encontrava ao volante, mas lendo sua energia pulsante, reconheci o homem que me salvara há pouco.

A mulher – ainda com o rosto coberto pelo capuz – tocou meu ombro calmamente e me instigou a seguir até o automóvel.

- Não tema, Aidan, viemos ajudá-lo. Confie em nós.

Ela estava sendo sincera, isso estava claro.

Então me deixei guiar, e tão logo entrei no carro, o homem girou a chave na ignição e deu a partida. Os pneus cantaram no asfalto, produzindo uma grande quantidade de fumaça e um ruído ensurdecedor, seguindo a toda velocidade pelas ruas movimentadas de Roma.

- Abaixe-se, Aidan. – pediu a mulher, tocando em meus ombros desnudos novamente.

Desconfiado daqueles bons samaritanos e tão nobre gesto, relutei no inicio, mas logo cedi. Que escolha tinha?

Pelo trajeto que percorríamos, sabia que estávamos deixando Roma para trás, comecei a perceber isso quando o centro iluminado e caótico cedeu espaço para as rodovias solitárias e silenciosas.

- Para onde estão me levando? – perguntei, sem disfarçar toda a minha insatisfação e irritação com toda aquela situação.

A mulher tombou seu semblante moreno para mim, eles ainda nem haviam se revelado. O que diabos estava havendo aqui?

- Acalme-se, Aidan, estamos lhe levando para um lugar seguro.

- E onde exatamente fica esse “lugar seguro”? – teimei em descobrir para onde raios estavam me levando.

O homem ao volante soltou um longo suspiro e respondeu-me com sua voz grave:

- Florença. Estamos indo à Florença.

- Por quê?

- É mais seguro, pelo menos por enquanto. Não se preocupe, Aidan, logo nos uniremos aos demais em Nápoles.

Depois disso, nossa conversa encerrou-se definitivamente. Enquanto seguíamos pela rodovia, vi o céu começar a clarear, vagarosamente no inicio, e depois com mais velocidade. Tons de laranja, âmbar e violeta rapidamente avançavam sobre o céu antes negro e profundo.

Gostava da noite, lembrava-me dos olhos e dos cabelos de Agatha. Tão negros como a própria noite.

Era isso!

O sonho que tive com ela antes de tentar fugir, ela havia me alertado de que viriam em meu socorro. Ela estava se referindo então...

Fitei as duas figuras silenciosas – uma ao volante, concentrada na estrada, a outra sentada ao meu lado, mas com os pensamentos distantes.

Quem diabos eram eles?

Franzi o cenho e decidi aguardar por respostas. Quando chegasse a Florença, exigiria saber o que estava havendo.

E assim foi durante as longas e tediosas que se seguiram dentro daquele carro. Pelo menos, até que com o sol a pino, brilhando intenso e caloroso do lado de fora, nós finalmente alcançávamos a cidade de Florença.

Claro que já estive em Florença antes. Lembranças de um passado negro e amargo logo povoaram meus pensamentos. Foi ali que sentenciei um dos Elementais, a raça oprimida pela tirania de Ducian.

Mais uma pobre alma inocente que ajudei a condenar.

Através do vidro fumê tive o primeiro vislumbre dela em décadas. Ao menos precisava admitir, era uma bela cidade.

O sol a pino refletia nas águas azuladas do rio Arno, conferindo uma nova tonalidade a toda cidade. A Ponte Vecchio cortava ambas as margens do rio largo e cheio. As catedrais históricas, os palácios, as ruas estreitas, as construções amontoadas umas sobre as outras, tudo estava exatamente igual como da última vez que estive aqui.

Agatha com certeza iria adorar estar aqui.

Recostei minha cabeça ao banco do carro, cerrando os olhos, completamente exausto e drenado. Mas não quis dormir, não ainda.

Porém, foi impossível que mais uma vez, minha mente não fosse tomada por lembranças sombrias, lembranças que não pertencem mais a mim, ao que eu sou hoje, mas sim ao que fui um dia. O monstro sem alma e coração...

- Como pôde? – ele indagou, os olhos azuis desesperados e incrédulos, os lábios trêmulos e o queixo endurecido – Por quê, Aidan? Por que fez isso?

No fundo, eu sabia que o havia prejudicado. Que havia lhe tirado algo muitíssimo valioso e insubstituível.

Mas o monstro que habitava as profundezas de meu coração não se permitiu abalar.

Christian estava cansado, exausto, ferido, abatido. Ele não estava em condições de lutar comigo. Nunca poderia me derrotar, mesmo que estivesse em sua melhor forma. Eu era o seu irmão mais velho, mas naquele momento, fazia questão de esquecer esse detalhe.

Aproximei-me dele, passo por passo. Sua figura abatida mal conseguia permanecer desperta. Talvez a dor fosse demais para ele, talvez agora ele fosse capaz de compreender como me sinto desde o dia em que nossa família perdeu tudo.

Christian jamais poderia me entender se não perdesse o que mais lhe era valioso, assim como eu presenciei a nossa fazenda sendo queimada, papai se despedindo de mim com um último abraço e um pedido: “Cuide de sua mãe e de seu irmão”.

Jamais cumpri essa promessa. Antes abandonei minha mãe, renegando o fato de que um dia fui humano e aceitando o destino que meu pai me impôs. Jamais cuidei de Christian, jamais agi como um irmão.

Era tarde demais para reparar esses erros.

Estendi meus braços, agarrando-o pelo colarinho e elevando-o do chão. Sua expressão cansada denunciava que suas forças já haviam sido todas esgotadas.

- Vamos, acabe logo com isso... – murmurou ele, tossindo um pouco, os olhos azuis acusatórios, magoados, feridos em seu âmago, raivosos.

Meus dedos aumentaram a pressão ao redor de seu pescoço, eu hesitava e não entendia por que.

Nunca havíamos tido o que se pode chamar de relação de irmãos. Sempre estivemos distantes um do outro. Eu nunca me importei verdadeiramente com Christian. Era apenas eu o tempo todo. E o meu desejo egoísta de prejudicar todos aqueles que podiam encontrar a felicidade.

Trinquei os dentes, inconformado com meu destino solitário.

Droga! Eu não conseguia... Não podia fazê-lo!

Não podia tirar a vida de meu irmão.

- Acabe comigo, Aidan! – ele bradou, tão irritado quanto eu por minha hesitação – Maldito, se você não acabar comigo, eu acabo com você! Escolha!

Cerrei os olhos com força, um estranho sentimento de culpa apoderava-se de mim. Por que eu nunca agi como um irmão? Por que permiti que as trevas dominassem meu coração? Por que não podia ser como Christian?

E finalmente, tomei minha última decisão...

Com força, atirei Christian contra a parede. Seu corpo exausto chocou-se contra ela e desabou no chão frio daquele galpão.

Endureci minhas feições e aproximei-me dele novamente.

- Nunca mais apareça na minha frente, Christian. Se fizer isso, eu não hesitarei novamente. Eu te matarei. – o adverti, vendo sua expressão de dor logo ser substituída por uma expressão debochada. Christian gargalhou baixo enquanto tentava se levantar do chão.

- Me matar? Não, Aidan. Na próxima vez que nos encontrarmos, eu matarei você. Eu juro. Tornarei a sua vida um inferno, farei com que você sinta a mesma dor que eu estou sentindo agora. Eu arrancarei de você o que tiver de mais precioso, assim como você arrancou Caroline de mim. Isso é uma promessa.

Ele limpou o filete de sangue que escorria pelo canto dos lábios e sorriu de forma sinistra, enquanto eu lhe dava as costas, desaparecendo em meio à escuridão, deixando-o para trás...

Nunca levei sua ameaça a sério. Pelo menos, até o dia em que reencontrei Agatha e ele naquela mansão.

Logo, juntei as peças e compreendi.

Christian havia mantido sua palavra. Ele tentou arrancar Agatha de mim, tentou tirar o que eu tinha de mais precioso. Agora, vejo o meu erro. Eu deveria ter permitido que ele a fizesse feliz. Ele jamais a teria magoado como eu magoei. Ele jamais a teria enganado como eu enganei.

Ambos possuíam um bom coração. Eram inocentes. Mas os meus atos inescrupulosos prejudicaram-nos. Eu causei a ruína dos dois; a de meu irmão, e a da mulher que amo.

Quando voltei a mim mesmo, a noite já havia caído novamente. Estávamos em um ponto mais afastado do centro de Florença, em uma modesta, mas aconchegante casa de tijolos.

O homem estacionou o veículo no meio-fio, desligou os faróis, enquanto a mulher abria a porta do carro, e logo me arrastaram com eles para dentro da modesta habitação com portões baixos de grade, um jardim muito bem cuidado e uma pequena fonte de onde jorrava um filete de águas cristalinas.

Adentramos pela estreita porta, e assim que passei, a misteriosa dama trancou-a. Detive-me apenas no homem que já retirava o seu manto negro e o capuz, revelando o seu rosto de expressão serena.

Sua pele era morena e a cabeça raspada. Possuía olhos verdes e uma presença e porte marcantes. Sorri de canto, reconhecendo-o imediatamente. Como não suspeite antes?

A mulher retirou seu capuz também, revelando os grossos e indomáveis fios de seu cabelo encaracolado. Os olhos eram castanhos e os lábios muito bem desenhados.

Ela estacou ao lado de seu parceiro, uma mulher muito bela, devo admitir.

Tornei os meus olhos para o homem moreno que me fitava de volta com as mesmas indagações que eu.

- Ora, ora, quem diria? - Eu usei de meu sarcasmo para introduzir as devidas apresentações – O grande Solomon O’Grady, bem diante de mim.

Ele sorriu um pouco e estreitou seus olhos verdes.

- Seja bem-vindo de volta, Aidan Satoya.

Agora só bastava entender o porquê de terem se dado ao trabalho de me resgatar e me trazer até Florença. Se Lucius estava por trás disso, então por que não estava aqui?

- Talvez agora possam me contar o motivo de terem me resgatado. Foi Lucius quem arquitetou esse plano?

Solomon não me respondeu, e sua parceira baixou a fronte. Ele tocou o ombro dela ternamente, parecendo tentar confortá-la:

- Piper, acalme-se, querida.

Pela primeira vez, notei que havia uma atmosfera mais densa e sombria ao nosso redor. Uni as sobrancelhas e decidi exigir por respostas e descobrir o que raios estava havendo de uma vez por todas.

- O que houve? Onde está Lucius Wolfgang?

Solomom soltou um longo e demorado suspiro e finalmente respondeu minha pergunta:

- O fato, Aidan, é que Ephemera precisa de você, das suas habilidades. Assim que terminarmos o que temos a fazer aqui, iremos nos reunir com Christian e os demais em Nápoles.

- E quanto a Lucius? – tornei a exigir saber o que de fato havia acontecido com o líder de Ephemera.

Ele balançou sua cabeça morena calmamente, segurando na mão de sua parceira, e acalentando-a, de alguma forma.

- É simples, Aidan: Lucius foi capturado por seu mentor e precisamos que nos ajude a resgatá-lo.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo, Aidan receberá uma oferta tentadora de Solomon e decidirá se irá se unir a Ephemera ou se concluirá seu plano de vingança completamente sozinho.

Aqueles que ainda lêem, não custa deixar uma review! E não adianta falar que "vai deixar", que "vai fazer recomendação", porque eu fico esperando à toa e não deixam e fazem nada, tem que deixar na hora mesmo. Eu deixo reviews em todas as fics que leio e não arrancou nenhum pedaço meu até hoje.

Tô brava demais para deixar beijos...

Então, é só até mais mesmo.