Fahrenheit e Absinto escrita por Aleksa


Capítulo 21
Capítulo 21




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Alexis deixa que a água corra pela ferida latejante em sua mão, sentindo o ódio inundá-lo por dentro, era baixo atirar em alguém pelas costas, estava cansado de esperar.

Iriam matar aquele cretino o mais rápido possível.

Encostou-se na parede do banheiro, fechando os olhos enquanto a dor de cabeça martelava seu cérebro com insistência, pensou um momento no peso que tinha nas costas, com um suspiro pesado desligou o chuveiro, secando-se depressa, colocando algo confortável e se largando em sua cama, onde poderia lamber suas feridas, sozinho, lembrando a ultima vez que tinha sentido esse tipo de dor.

A última bala de ouro que havia se alojado em seu corpo, o quando aquilo lhe corroía a alma... O que ela havia feito com ele, no que o havia transformado, a cicatriz que deixou... O tempo que levou antes de ele se restituir de sua sanidade...

***

Absinthe deteve-se na porta, não tinha certeza se devia interrompê-lo agora, a mão hesitava no ar próximo a maçaneta, tomou ar e empunhou a maçaneta, empurrando-a para dentro, ouvindo o leve chiado da porta de abrindo.

Encontrou-o lambendo uma ferida funda na mão esquerda.

- Alexis...

Ele mal voltou os olhos na direção dela.

- Terminei, não sabia o que fazer com o pano, então segui o exemplo do sofá e joguei na lareira.

- Certo. – a voz saiu fraca e cansada.

- Você está bem? – perguntou, nunca o tinha visto tão abatido.

- Ouro... Acaba comigo.

A os olhos dele estavam opacos e levemente sem foco.

- Já volto.

Ela se apressou escada abaixo e pegou o vidro que havia sido abandonado no chão, um pequeno resto de liquido branco estava concentrado num canto do vidro em forma de cristal.

Subiu novamente as escadas, indo novamente até o quarto, e tomando a mão ferida de Alexis, ele a olhou surpreso, talvez não esperasse isso.

Com o vidro em mãos, ela despejou as poucas gotas de liquido branco sobre a laceração queimada e escura, que tomou o mesmo rumo que a pele de Giovanni, se descolando da carne que ainda vivia e caindo, transformando-se em cinzas finas, pouco antes de atingir o chão.

Ele engoliu seco, sentindo a dor profunda se sentir sua pele se descolar e depois ser substituída por pele nova, até que não restasse nada do antigo ferimento além do pequeno montinho de cinzas finas que se espalhou pelo chão.

- Achei que tinha visto um pouco dessa coisa no vidro quando estava limpando o chão... – ela disse, sem jeito, ao ver o olhar admirado e silencioso que ele lhe dirigiu.

- Venha, vou lhe contar umas histórias.

Ele levantou e saiu pelo corredor, ela o seguiu, acelerando ao ritmo dele, indo até uma porta fechada no fim do corredor, preta e entelhada.

- O que tem ai?

- Minha biblioteca particular.

Ambos entram na sala, Absinthe encara as diversas prateleiras de livros, lotadas até o teto, divididas em corredores estreitos.

Alexis puxa seletivamente um dos livros, perfeitamente certo daquilo que procura, abrindo e voltando-se na direção de uma mesa. Timidamente ela senta ao lado dele, inclinando-se para observar o que ele observava.

- No inicio, quando a primeira geração humana nasceu, vocês eram semelhantes ao resto de nós, imortais.

Absinthe olhava pra ele, como uma criança que ouve uma história sobre mágica.

- Vocês eram os chamados Eternos. – ele demonstra os desenhos de cada uma das cinco raças sentada em um trono com um brasão.

A primeira imagem exibia uma figura toda trajada de negro, sentada em um trono de pedra e diamante, cercado de cães de pelagem escura e olhos violeta, abaixo dele estava escrito: Demônios. Um brasão com um cão de olhos violeta sentado diante da lua, olhando para a água completava a ilustração.

Na segunda imagem, numa cadeira semelhante a um balanço para pássaros, uma figura em trajes amorfos e brancos, segurava-se nas cordas laterais do balanço, tinha olhos verdes vivos e era cercado de aves enormes, possivelmente harpias, todas brancas apoiadas nos cumes de pedras altas, abaixo estava escrito: Anjos. O brasão de uma imensa harpia de asas abertas acorrentada por diversas correntes transpassadas completava a ilustração.

Na terceira imagem, sentado num trono dourado e cercado de lírios e margaridas brancas, um imortal de longos cabelos louros tinha os olhos voltados para o chão, com olhos dourados da mesma cor que o imenso e reluzente sol atrás de si, cercado de seus irmãos sentados na grama, todos olhando para cima e para o céu azul celeste, abaixo estava escrito: Filhos do Sol. O brasão com o sol enorme e resplandecente era adornado por margaridas e lírios brancos.

Na quarta imagem, Sentado num trono prateado o qual era enformado por roseiras de um vermelho-vivo, debruçado no braço esquerdo do trono, estava um vampiro de olhos prateados, com os longos caninos brancos a mostra, com a luz cheira e amarelada atrás de si, cercado de seus irmãos sob as sombras das árvores, com os olhos reluzindo nas sombras, abaixo estava escrito: Filhos da Noite. O brasão da lua amarrada e enforcada por roseiras em flor completava a ilustração.

E por fim, na quinta imagem, um rapaz e uma moça sentavam de mãos dadas, divididos por uma árvore entre os dois, de costas um para o outro, encostados ao tronco, durante o pôr-do-sol, estavam cercados por casais, com cores de olhos variantes em tons de azul, abaixo estava escrito: Eternos. O brasão exibia um complexo pôr-do-sol cheio de nuvens.

- Os Eternos eram diferentes, a partir do momento que possuíam fêmeas da espécie, diferentemente das outras raças, porém a cada geração nova da humanidade que se seguiu, os Eternos originais se tornaram mais fracos, até que todos vocês se tornaram mortais. Passamos a chama-los de Humanos.

Alexis correu um dos dedos pelas paginas de escrita arcaica.

- Tínhamos um acordo, consumíamos o sangue de vocês, e em troca fornecíamos a vocês o nosso, que os protegia de doenças e epidemias. – ele muda de página. – Mas as novas gerações eram egoístas, e foi ai que veio a guerra...

- A... guerra?

- Depois de muita especulação e muita morte, apagamos a mente de vocês... E tomamos consciência dos mestiços... Nos dividimos e saímos a caça de nossos filhos diretos, matamos a todos que era filhos de nosso sangue diretamente... Mas a epidemia já tinha começado... Por cem anos saímos à caça deles, assim como as outras raças, e matamos quase todos, por mais que não pareça, não existem realmente muitos mestiços, os humanos acabaram desenvolvendo certos anticorpos que dificultaram a proliferação, mas ainda existe o contágio.

- Nossa...

- E vocês vivem com a falsa sensação de que estão sozinhos.

Alexis fecha o grande livro, colocando-o no lugar.

- Por que me contou todas essas coisas?

- Você me ajudou com as minhas feridas, eu lhe contei um pouco mais sobre a sua história, simples assim.

Ela ficou observando-o.

As pupilas dele se estreitam, regulando-se a luz, ela tinha de admitir que esse movimento involuntário ainda a incomodava bastante, e ainda havia a mudança de tonalidade, os olhos dele adquiriam um tom opaco de prateado, não era preciso de reluzissem num ambiente bem iluminado.

Era, afinal, uma criatura noturna.

- O que foi?

- A-Ah... Nada. – ela desvia o olhar na direção da porta.

Alexis toma fôlego pra dizer algo, mas se detém, olhando na direção da porta por alguns instantes e depois saindo por ela como um borrão.

Absinthe segura os papeis para que não voem de cima da mesa, olhando a porta com surpresa, o que houve?

Saindo e encostando a porta de leve, ela desce as escadas até a sala, onde Alexis está parado diante da porta. E lá, um enorme cão negro está sentado no meio da sala, com um olhar violeta luminoso e cheio de hostilidade.

- Cartier. – Alexis pronuncia.

Uma leve fumaça negra se desprende dos pelos do gigantesco cão que sentado tinha a mesma altura que Alexis. De uma única vez, a leve e constante fumaça que antes era liberada com a constância de uma xicara quente de chá soltando vapor, engole o cão de olhar hostil, que torna um homem de olhar igualmente hostil.

- Alexis.

- O que o trás aqui?

- Tenho noticias... Notícias que me deixaram derradeiramente irritado.

- O que?

- Lokke. – ele suspira, claramente estressado. – Levaram aquele imbecil ao local onde o traidor e os mestiços estão.

Alexis é invadido por uma onda frívola de ódio, ódio da infantilidade patética que seu inimigo imbecil demonstrava.

- Entendo... – ele respira fundo.

- Espero que saiba que não poderei esperar muito, tenho de colocar o bem estar de minha família em primeiro lugar.

Alexis olha para o teto, fechando os olhos por um instante e respirando fundo.

- Partiremos amanhã a noite, Cartier. Avise seus irmãos.

- Que assim seja feito, Alexis.

Cartier é novamente engolido pelo turbilhão de fumaça negra, voltando a ser o enorme cão de pelagem escura e sumindo pela porta da frente, deixando para trás o som de suas patas trotando no asfalto.

- Alexis... O que houve...?

- Iremos à guerra... amanhã a noite.

Ele saca o telefone e aperta a discagem rápida.

- Luka, avise a irmandade, partiremos amanhã à noite.

- Certo.

Ambos desligam e Alexis volta pelo caminho que fez, pela escada, e para dentro da biblioteca, onde em uma parede baixa e branca, praticamente imperceptível, existia uma porta lisa, e a maçaneta nada mais era além e um pino rente ao chão.

- Alexis? Aonde vai? – ela pergunta, observando a pequena passagem escura por onde Alexis havia entrado.

- Não entre aqui. – a escuridão respondeu.

- M-Mas eu nem-

- Absinthe Cardelian, fique fora dessa sala ou com certeza nunca mais dormira uma noite sequer em sua vida mortal.

O tom opressor de Alexis fez com que Absinthe ficasse revoltada, ela não precisava ser tratada como um cão desobediente, nem tinha a intenção de entrar naquela maldita sala escura.

Mas quando se deu por si, já estava na metade do caminho.

- “Maldita infantilidade... O que estou tentando provar, afinal?” – disse a si mesma.

Ela apoiava as mãos na parede, o corredor estreito só permitia a passagem de uma única pessoa, e ainda assim o espaço era bastante restrito.

Trilhando pelo corredor, em um certo ponto mais a frente, as paredes lhe faltaram, mas a escuridão era tão densa que podia ser cortada com uma faca, e não havia sequer um único ruído naquela escuridão feroz e opressora.

- Você nunca me escuta, não é mesmo? – a voz se espalha pelo aposento, não é possível determinar de onde. – Me diga, existe algum tipo de êxtase em ignorar minhas palavras? Deve ser delicioso para que você o repita com tanta frequência.

Fracamente o som de algo metálico sendo manuseado chega aos ouvidos de Absinthe, ela não pode dizer que está surpresa com a quantidade de alertas naturais que estalaram em sua mente ao ouvir este som.

- E-Eu quero... – ela engasga com as palavras, tentando coloca-las na ordem que deveriam estar.

- Quer? – o som metálico se repete, um pouco mais alto.

- Quero...

- Aham.

- Entender. – diz por fim.

Uma pequena chama azulada ilumina parcamente o ambiente, ela se movimenta pela escuridão até sumir atrás de algo, quando de repente uma espiral de fogo sobe pelas paredes, jogando uma torrente de luz laranja no ambiente.

Absinthe cobre os olhos acostumados ao breu absoluto e intransponível, olhando ao redor ela percebe uma leve protuberância junto da parede, que sobe espiralada pelas paredes da sala circular, fogo queima nesse pequeno espaço entre a parede e o apoio em forma de calha de chuva, um óleo negro e espesso inunda o espaço vago dessa “calha”, e é esse óleo que se incendeia nesse momento.

- Entender?

A voz de Alexis faz Absinthe voltar sua visão pelo quarto, a procura do emissor, ele se encontra sentado numa poltrona escura, acendendo e apagando um isqueiro de prata com seu nome talhado.

- É. – obrigou a voz a soar firme, estava cansada de se sentir um coelho morando com coiotes.

- Entender o que? – ele fecha o isqueiro, apoiando a cabeça em nas mãos, numa expressão de interesse.

Só então ela percebe o punhal de lâmina vermelha que jazia em seu colo, esquecendo-se disso ela volta a falar.

- Entender por quê.

- Por quê? Por que o quê?

- Me trata como um estorvo, um objeto, um ser inferior, mas está me protegendo de Vincent? Por quê?

Ele encosta no encosto da poltrona trabalhada, com olhos entediados.

Ignorando todos os objetos possivelmente mortíferos que se encontravam banhados em sangue nas estantes ao redor dela ela da um passo a frente.

- Por que, você pergunta. – ele repete, levantando e deixando o punhal sobre uma mesinha. – Por que, Absinthe Cardelian, eu não suporto fracassos. – ele começa seu caminho pela sala circular até ela. – Eu não suporto, não tolero fracassos, principalmente os meus.

Ela caminha pra trás, os olhos brilhantes de Alexis e contraste daquele ambiente mal iluminado, agora que o fogo havia se estabilizado, estavam causando-lhe calafrios.

Novamente ela acaba na parede.

- E você Absinthe, é o meu único e mais mal sucedido fracasso. – ele para em frente a ela, com a fina elipse vertical de sua íris parecendo rasgar as paredes da racionalidade comum. – E foi ai, que eu decidi que você seria minha. – ele abaixa até ficar na mesma altura dos olhos dela. – E que eu iria fazer o que fosse necessário para que você pagasse por me mostrar que eu também posso fracassar.

Ela engole seco.

- Sou frio com você por que existe uma parte de mim, uma parte primitiva de mim, uma parte que eu tento manter acorrentada pra minha própria segurança, uma parte que quer desesperadamente sentir você, não apenas o seu sangue, por que isso deixou de ser o bastante há tanto tempo que nem mesmo sei como ainda não fiz o que minha alma doente e morta quer que eu faça.

Um arrepio quente corre a espinha dela, e mesmo sabendo que iria se arrepender depois, ela pergunta.

- E... O que ela quer que você faça...?

 Ele a analisa por um longo tempo.

- Lembra-se do sonho que tivemos?

- Aham... – sua boca seca.

- Aquilo é só um décimo do que eu quero de você.

Ela o encara atônita.

- Entende por que eu mantenho trancado, mortal?

Como o assunto havia caído nisso? Era um assunto perfeitamente normal... Era, agora é um momento quente de sedução doce e perigosa, o tipo de coisa que é difícil de se livrar.

***

- Traidor desgraciado! – Giovanni atira o vaso de plantas na parede. – Maledeto! Io quero o sangue daquele infeliz! Covarde!

Giovanni andava impacientemente pelo quarto, furioso, proferindo diversas e pesadas ofensas a Vincent e toda a sua família.

- Giovanni, sente-se. Você ainda está fraco, e não pode ficar se mexendo tanto. – Luka suspira frustrado.

Luka não tinha talento para ser repressor com ninguém além do irmão mais velho, Alexis, em qualquer outro caso ele era tão inútil quanto uma menina do jardim de infância com seu coelhinho branco de pelúcia... Tirando o fato que ele não iria sentar e chorar.

Era tão assustadoramente difícil fazer com que Luka perdesse sua calma inabalável, que Alexis e sua negligência com a própria saúde eram os únicos com esse dom.

  Ivan atravessa a sala, fechando seu livro de bolso sobre física quântica, colocando-o sobre a mesinha no caminho e parando com seu 1,99m de altura em frente a Giovanni, e proferindo as palavras calma e pausadamente, inclinando as costas até ficar com os olhos na mesma altura que ele.

- Giovanni, sente-se, e cale a droga da boca, ou eu farei você sentar, e vou pessoalmente calar a droga da sua boca, da? – ele sorriu calmamente.

Giovanni deixou os braços caírem ao lado do corpo, odiava quando o irmão russo reprimia seu sangue latino de dar vasão na fúria que agora o preenchia.

- Spasibo. – ele disse, endireitando as costas e voltando ao canto da sala, pegando novamente o livro de física e voltando a ler, com sua expressão suave e plácida.

- Meu herói... – Luka diz, apoiando o queixo nos braços, com seu longo cabelo perfeito escorrendo por seus ombros.

- Hunf. – Giovanni deixa o peso cair sobre o sofá preto num dos lugares da sala. – Repressores... Eu não sou criança, sabe? Eu-

- Agora chega, Giovanni, vem aqui... – Ivan atira o livro sobre a mesinha, indo na direção do irmão chato e barulhento.

- Ah, sai de perto de mim Vanya! Sai, sai, sai.

Ivan ergue Giovanni no ar, segurando-o pela cintura, andando com ele pela sala como se fosse um boneco.

- Me põe no chão Ivan! Eu tenho pernas!

- Cale a boca, criaturinha irritante.

- Luka, faça alguma coisa!

- Problema de vocês, se virem... – Luka agora jogava palavras cruzadas.

Dylan observava tudo silenciosamente do outro canto da sala, com a cabeça levemente inclinada e as sobrancelhas unidas.

Um suspiro frustrado. – Ah... A paz e o amor familiar... – Dylan volta seu olhar para o teto.


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Notas finais do capítulo

Voltei pessoas ^^
Eis ai o capítulo que prometi o/
Gostaram?