Get Back escrita por Anna Peixoto, Anah


Capítulo 1
The Resistence


Notas iniciais do capítulo

O capítulo foi escrito por Anna Clara. A música é pertence ao Muse, no CD Resistence. Espero que gostem.



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Quando se aproxima dezembro, uma efervescência enorme atinge os jovens de todo o país. A cidade de São Paulo parece se acuar diante da tensão pré-vestibular, que amedrontava aquelas cabeças idealizadas e já estressadas. Não foi muito diferente para Ana, Bruno e Claire. Quem os visse não ficaria nem um pouco interessado no trio, uma vez que ele não tinha nada de anormal, fosse para o lado considerado comum ou excêntrico. As jovens contavam com 18 anos e ele 20. Chegavam a ser engraçados, porque quando saíam juntos, ele ouvia o iPod, Claire escrevia uma livro que começara há três anos e Ana estudava ou tentava arranjar um modo para que seu cabelo ficasse quieto, e quase não se falavam. Eles conversavam mais quando estavam em casa juntos debaixo do cobertor assistindo filmes de terror e comendo pipoca. Evitavam prestar muita atenção nestes filmes.
Ana Omena, a mais nova, apesar de que sua diferença de idade em relação a Claire fosse ínfima (praticamente um mês), tinha a pele morena, olhos castanhos profundos e intensos. Seu cabelo liso caía com certa graça sobre os ombros, seus lábios cheios valorizavam seu rosto já bonito. Dos três era a mais aplicada e cuidadosa, sempre cuidava dos outros dois, na verdade eles até se sentiam melhor sendo observados por alguém responsável. Ana cresceu em uma família modesta e desde seus 16 trabalhava meio expediente para ajudar em casa. Nascida em Curitiba, viera cursar o Ensino Médio em São Paulo, deixando para trás seus pais e o irmão mais novo. E um cachorro velho e atrapalhado chamado George. Ana sempre foi uma garota de força de vontade e insistente com suas metas. Nunca descansava até atingi-las, o que significava que ela nunca tinha um descanso, porque sempre havia algo novo que ela queria conquistar.
Claire Assis era a mais impulsiva e falava sempre o que lhe dava na telha. Não se importava com o que os outros diziam, mesmo que fosse para ajudá-la, o que era completamente correspondente ao seu egoísmo. Ela atribuía essa sua característica a sua independência, mas os outros dois não a viam assim, na verdade a achavam insegura algumas vezes, talvez até medrosa. Ela não costumava ser assim até entrar no Ensino Médio. Seu estilo era bem convencional: odiava vestir-se com muita coisa e vivia numa calça jeans desbotada e num All Star rasgado, o que não realçava seus cabelos platinados e olhos azuis. Preferia se esconder a ter que admitir que tinha uma aparência tão estereotipada: ela sempre ia contra ao que todos idolatravam. Sua família vivia em São Paulo, mas ela fez questão de fugir de casa quando soube que teria que dividir seu quarto com uma das irmãs que tinha. Preferia mil vezes ter que dividir o apartamento médio com Ana.
A história de Bruno Perez era mais complicada. Ele nascera no Rio e viveu lá boa parte de sua vida com os irmãos e pais. Contudo sua vida virou um desastre quando assumiu sua homossexualidade diante da família. Seus irmãos pararam de falar com ele, seu pai fingia que ele não existia e a gota d'água foi quando encontrou sua mãe aos prantos, perguntando a si mesma onde errara. Bruno nunca esqueceria o olhar dela ao reconhecê-lo nas sombras do corredor. Dois dias depois estava em São Paulo. Como repercussão disso, perdeu seu segundo ano e teve que repeti-lo. No início foi complicado porque ele estava muito triste e com a confiança abalada. Sentia-se uma aberração: ninguém sequer o olhava, como se já soubessem quem ele era. Isso o fez apelar para mundos sombrios, alguns quais ele nem imaginava. Quando ele estava surtando, com notas baixas novamente e praticamente sem companhia, Ana veio conversar com ele em uma chata aula de Química. O laboratório de aulas práticas exigia que dividissem a bancada e como ele havia ficado sozinho, ela pediu que ele se juntasse a ela e a Claire.
Depois disso, a amizade só cresceu, e ele foi voltando a ser o que sempre fora, apesar das recaídas. Ele havia conseguido se virar durante bons meses sozinho, morando em uma república no centro da cidade, mas Ana e Claire decidiram que aquilo não era uma vida digna para ele e convenceram um vizinho a hospedar Bruno em um apartamento no prédio delas que estava para alugar. Bruno começou a trabalhar firmemente em um emprego temporário e conseguiu não só quitar suas contas como passar a ser o inquilino do apartamento. E estava prestes a conseguir um emprego definitivo onde trabalhava, então fazia questão de comprar um novo CD da Britney Spears toda semana.
Como de praxe, Ana e sua amiga estavam largadas na sala de estar, se matando de estudar. Na verdade Claire estava cochilando sobre o livro de Física, mas sonhava com seu professor louco do primeiro ano desenhando imagens projetadas por espelhos esféricos.
- Claire! – repreendeu-a Ana, a fazendo dar um pulo.
- Desculpa, é a Física. – muxoxou ela vagamente. – Mas entre o vértice e o foco a imagem é virtual. Cadê o Bru? Era no pé dele que você deveria estar, não no meu! Ele quase não pega nos livros, até parece que só porque vencemos o terceiro ano na escola mais torturante da cidade vamos passar direto no vestibular. Ainda mais porque ele vai tentar entrar na USP, que é mil vezes pior entrar lá do que entrar na PUC, porque ela é a melhor do país. E a que vou cursar nem aparece nos rankings.
- Sua nota de corte é o dobro da dele. A sua nota de corte é a maior de todas, praticamente, também, ninguém mandou você cursar medicina. – disse sensata.
- Para que escolhi medicina, tem tanta coisa boa nesse mundo que custa menos cérebro, como Odontologia, o que você vai fazer.
– Você gosta de escrever, deveria ter escolhido Jornalismo também. Mas agora que já se inscreveu, deixe ele se divertir.
- Deixe ele se agarrar com o Philipe na escada de emergência, isso sim! – falou ela rancorosa, voltando a atenção para o livro de Física e dando graças a Deus porque não teria que prestar uma segunda fase. – Um dia desses eu vou pegar aqueles dois se co...
- Tá bom, Claire! – interrompeu-a Ana. – Acho que estamos estudando têm quatro horas sem parar, de novo. Vamos dar um tempo, você fica insuportável quando passa tanto tempo concentrada.
- Ótimo, vou fazer miojo! – ela se levantou do tapete, tropeçou na própria lapiseira e seguiu para a cozinha.
Ana girou os olhos, soltando um suspiro. Ela torceu o nariz para o livro de História aberto em seu colo e decidiu fechá-lo e não abri-lo novamente e, se possível, jogá-lo pela janela. O vestibular seria dali a cinco dias e ela não suportava mais estudar, o que é que fosse. Ana tentaria apenas uma fase, o que foi quase consenso na decisão das universidades do país desde que foi implementado o ENEM, que ajudaria na nota. Os três haviam passado muito bem no exame, o que foi exatamente o que deu confiança exagerada a Bruno, o que o fez quase parar de estudar. Não adiantava dizer-lhe isto, e muito menos lembrá-lo de que a USP era a universidade mais concorrida do país. Ele só queria ingressar na USP devido a Philipe, que cursava lá o terceiro semestre de Jornalismo.
Philipe era primo de Claire, ambos nasceram nos Estados Unidos (algo que a loira negava fervorosamente). A parte paterna da família de Claire era brasileira, porém seus pais viajaram a trabalho, onde conheceram suas esposas. Durante alguns anos, viveram em Nova York, onde Claire nasceu quatro anos depois de Philipe. Após o atentado de 11 de setembro, a família de Claire e seu primo, a pedido dos tios, voltaram ao Brasil, o que foi bem traumatizante, porque Claire até hoje não entendia para quê tanta confusão com acentos e pronunciação.
Bruno e Philipe se conheceram através dela, numa noite de tempestade. O trio tinha saído junto como sempre faziam. Haviam tomado um ônibus e atravessado toda a cidade para ir a uma doceria onde vendia um delicioso milk-shake de sorvete de brigadeiro. Quando a chuva veio, a doceria ficou alagada junto com no mínimo o bairro inteiro. Claire pediu para que o primo os resgatasse antes que o dono do lugar os jogasse na chuva, pois já se passava das dez horas da noite em um bairro consideravelmente perigoso. As amigas perceberam imediatamente uma conexão entre os dois. Depois Philipe não parou de "visitá-la". É claro que os dois eram próximos, haviam sido criados como irmãos, porém a vinda constante não deixava dúvidas de que a intenção dele era visitar Bruno no andar de cima. Mas sinceramente Ana preferia não lembrar de como descobriu que os dois tinham iniciado um namoro.
Por falar em Bruno, as chaves foram postas na fechadura. Ele tinha as chaves do apartamento delas porque passavam praticamente o tempo todo recolhidos no apartamentinho aconchegante. A porta se entreabriu e Ana pôde vê-lo conversando com o namorado. Ambos eram bonitos, apesar de que Bruno nunca conseguia ficar menos magro do que o esperado. Philipe tinha olhos incrivelmente azuis, como os de Claire, herança de família. No entanto seus cabelos eram negros e eternamente bagunçados. Ana sempre tinha um colapso interno ao vê-lo sorrir, mas nunca contou isso a ninguém. Bruno tinha olhos castanho-esverdeados, cabelos também castanhos e alinhados. Seus traços eram diferentes, exóticos, o que tornava sua beleza inconfundível: seu rosto era mais alongado, queixo mais reto do que oval. Suas sobrancelhas escuras e expressas davam ao seu olhar uma expressividade complexa.
- Então vai me ajudar a estudar amanhã, certo? – a voz de Bruno era doce e sofisticada.
- Certo, até amanhã. – Philipe deu-lhe um breve beijo. – Oi, Ana!
Ela acenou sorrindo e, após retribuir com um outro sorriso gentil, ele foi embora. Bruno trancou a porta e virou-se para ela, sonhador. Ana abriu um sorriso acolhedor: era sempre bom vê-lo feliz, porque apesar dele ter conseguido passar por muita coisa, ainda sobrava uma sombra de dor pelo abandono dos pais nos olhos dele. E lembranças dos tempos encobertos assim que chegou a São Paulo. Bruno tomou cuidado para não pisar na enorme quantidade de livros espalhados no chão e se jogou no sofá ao lado dela.
- Vocês estão indo muito bem, não? – ela comentou acariciando seus cabelos enquanto ele pensava, meio distante.
- É. – respondeu ele brevemente.
Ele voltou o olhar para a garota e ele sorriu, passando o braço pelo seus ombros e aproximando-a para beijá-la no rosto. Eram muito carinhosos um com o outro, Claire era menos pegajosa.
- Então pombinho, você voltou? – perguntou-lhe Claire voltando a sala, dando uma enorme garfada de miojo e levando-a a boca. – O vestibular é daqui a uma semana.
- Com certeza vocês estão muito preocupadas com isso, é só mais uma prova, não é? Fizemos provas a vida inteira. Vocês estão pirando para nada, vamos todos passar tranquilamente no vestibular, nos formar e viveremos felizes para sempre. Pelo menos é o que eu espero depois da vida nada fácil que vivi até chegar aqui.
- Na verdade não é só uma prova, é a prova. Se não passarmos, teremos que estudar loucamente mais doze meses e refazer o Enem, que ano que vem com certeza deverá estar mais complicado e mais bem elaborado. Quantas pessoas do nosso colégio fecharam a prova? No mínimo umas dez? – pensou Claire, falando de boca cheia. -
Você não está nem aí, está?
A loira sentiu os olhos de Ana a fuzilando: era um dos piores defeitos dela, falar verdades inconvenientes. Bruno amarrou a cara, meio irritado, meio nervoso. Ele acreditava no próprio potencial e sabia que o fato de ter repetido o segundo ano não era incompetência, mas os problemas com a família. Ana sempre está do lado dele, qual é?, Claire pensou com os próprios botões.
- Eu não tenho culpa se você é traumatizada com seu Ensino Médio. – respondeu ele secamente.
- E eu muito menos, culpe meus professores e aquela escola que destrói miolos.
Ela assentou-se ao seu lado, escorando-se nele para comer mais confortável. Durante um tempo, a única coisa que se ouviu foi Claire devorando sua comida. Ela não sentia remorso algum, como se o que tivesse acabado de falar fosse uma verdade um tanto óbvia. Então ele suspirou e disse:
- Vou a uma boate com Philipe amanhã.
Era exatamente o que ambas temiam. Claire se assentou mais ereta no sofá, se afastando dele, enquanto Ana suspirou passando a mão nervosamente nos cabelos. É claro que os traumas de Bruno acabavam sendo despejados nelas e uma permanência disso era todas as vezes que se aventurava em festas.
- Você disse que ia parar. – lembrou-o a loira, de costas para ele, sem querer olhá-lo.
- Eu estou tentando.
- Têm dois anos que você fala isso, desde que nos conhecemos – ou melhor – até antes mesmo de nos conhecermos você diz isso! – Ana se levantou deixando abraço que deram sumir, voltando-se para ele, séria. – Nós nos preocupamos com você, mas do modo que você age, drogas parecem inofensivas!
- Não vou discutir com vocês duas de novo.
Ele se levantou, deixando Claire assentada no sofá, mas ela o acompanhou com o olhar. Ele tentou beijar Ana em despedida, porém ela o afastou com o braço, murmurando alguma coisa como "Não seja ridículo". Bruno direcionou-se para a porta e, antes de fechá-la com considerável força, deu-lhes boa noite.
Ana e Claire se olharam. Desde que sem conheceram a briga existia e nunca parecia ter um final. Ele consumia drogas desde que chegou em São Paulo, tentando esconder de si mesmo a realidade que vivia. Muitas vezes elas lhe disseram que o abandono não foi culpa dele (Claire uma vez começou a xingar a mãe dele e quando se deram conta ele estava quase aos prantos), que era um bom rapaz e que não precisava de drogas. Mas insistia naquilo, principalmente quando estava em crise com algo, o que daquela vez era o vestibular. Era a única coisa que odiavam nele.
- Isso nunca vai mudar, vai? – murmurou Claire.
- Eu não sei, Se ele parar, será quando ele realmente se der conta do que uma droga faz com alguém. Algo horrível terá que acontecer para ele enxergar isso. – respondeu a morena, sensata. – Eu irei dormir, quem sabe amanhã só não foi um pesadelo o que ele acabou de me dizer.
Ana e Claire haviam tido uma série de problemas com Bruno quando ele voltava das festas, assim que se conheceram. Antes era mil vezes pior, ele havia melhorando muito, mas não tinha alcançado a independência das drogas. Ele não era o mesmo quando estava entorpecido. O que tanto as abalava era recordarem-se dessas noites em que tiveram que ajudá-lo. Ele voltava para casa aos pedaços, fora de si. As duas tentavam desesperadamente mantê-lo sóbrio. No dia seguinte ele não lembrava de nada e vinha às lágrimas pedindo desculpas.
Claire terminou de comer o miojo, recolheu seus livros na sala, jogou-os de qualquer forma no armário e se deitou para dormir. Imaginou a dificuldade que Philipe enfrentaria na noite seguinte.


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Notas finais do capítulo

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