Karma. escrita por Alien


Capítulo 10
Capítulo 10




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Assim que o horário de aulas terminou, inventei uma desculpa qualquer para Frank e saí, rumo à lojinha mística de Melanie.

 Minhas mãos estavam suadas e frias, pelo que tentei me acalmar. O que me deixava nervosa não era o fato de estar indo visitar uma pessoa que conhecia minha avó, e sim, o fato de estar visitando uma pessoa que tem grandes chances de me tirar dessa confusão toda. Ou piorar a situação toda de uma vez.

 Entrei na loja, e me sentei em algumas poltronas situadas próximo ao balcão de atendimento. Meu olhar percorria todo o estabelecimento, em busca de alguém.

 Passaram-se quinze minutos e nada de Melanie aparecer. Fui até a parte da frente da loja e olhei a plaquinha pendurada na vitrine que dizia claramente ' Estamos abertos.'

 Estava voltando para o meu lugar quando levo um susto enorme ao me deparar com a figura de Melanie atrás do balcão, me observando cautelosamente.

- Bom, estou aqui, como combinamos. - disse, tentando soar despreocupada e relaxada, mas percebi que minha voz saiu trêmula e rouca.

- Por que está tão tensa? Achei que o fato de conhecer a sua avó contasse a mim um ponto positivo. Não precisa se preocupar, não vou lhe fazer mal.

Engoli em seco e me aproximei alguns centímetros do balcão. Ainda não me sentia totalmente à vontade com ela.

- Venha, me acompanhe. - Melanie disse, gesticulando com a mão para que eu a seguisse.

Entramos em um pequeno corredor com várias portas. Era escuro e frio, o que só aumentou cada vez mais o meu temor. Devia ter trago Frank comigo.

Melanie abriu a última porta do local, e ao entrar no recinto, meu coração disparou fortemente. O quarto era repleto de símbolos, os quais reconheci imediatamente como sendo os mesmos que vi na casa da minha avó. Era uma espécie de templo para adoração de forças ocultas.

- Não fique temerosa. Há muito tempo não entro nesse local, mas é o único lugar onde as pessoas que lhe perseguem não podem nos encontrar.

Franzi o cenho, sem entender muito bem como eles descobririam que eu estava ali, sendo que ninguém me seguiu no trajeto que fiz da faculdade até a loja.

Pelo visto, ela também percebeu minha dúvida e, sorrindo, disse: - Você é mesmo muito ingênua, não é? Ainda bem que o sangue de sua avó corre pelas suas veias. O que quero dizer é: Eles podem lhe encontrar no lugar mais improvável que você estiver. São bruxos. Nós temos milênios de prática com as artes ocultas, o que torna mais do que simples o trabalho de perseguir uma adolescente.

 Estremeci, ao lembrar da agilidade que aquele homem teve em entrar no meu quarto e sair.

- Preciso que você me conte tudo que sabe sobre a minha avó. Não sei se ajudará, mas trouxe aqui o diário dela. - tirei o objeto da bolsinha que levava, e lhe entreguei, tendo o cuidado de não deixar meus dedos encostarem em sua pele. Tinha receio de acontecer algo ruim, como energias negativas passarem dela para mim, ou o toque de sua pele ser frio e sem vida.

 Não estava percebendo que minhas atitudes até o presente momento a estavam magoando, quando olhei diretamente nos seus olhos. Havia uma mistura de tristeza e solidão tão grande neles, que minha garganta fechou, um sinal óbvio de que eu havia me arrependido profundamente de ter agido daquela forma com alguém que, aparentemente, só estava tentando me ajudar.

 - Desculpe. É tudo muito novo e estranho para mim. Não sei se posso confiar em qualquer um. - sussurrei, tendo o cuidado de escolher as palavras certas para expressar o que realmente estava me passando pela a cabeça.

 A mudança no humor de Melanie foi tão súbita que até me assustou. Agora ela sorria e concordava com a cabeça, dizendo:

 - Sim, eu lhe entendo, jovem. Você é muito parecida com a sua avó.

 Assenti, esperando que o gesto demonstrasse minha impaciência. Queria descobrir o mais rápido possível tudo o que havia acontecido com a minha avó, desde o início até a sua morte.

 Melanie desviou seu olhar de mim, e o diário de minha avó passou a ser o centro de sua atenção. Enquanto ela lia atentamente, levantei-me da cadeira e observei alguns dos símbolos que estavam pintados na parede. Haviam pentagramas e várias Luas cheias com Luas minguantes no centro. Procurei guardar mentalmente algumas perguntas que tinha para fazer sobre as pinturas e o que elas significavam.

 - Charlotte, venha cá, por favor. - disse Melanie com a voz um pouco abafada, o que presumi ser um mau sinal.

 - Sim? - respondi, sentando-me novamente na cadeira.

 - Você leu todo o diário? - perguntou ela, olhando fixamente para mim.

 - Não, apenas uma ou duas páginas. Por quê?

 Melanie demorou um pouco para responder, apenas abaixou a cabeça e fechou os olhos, como se precisasse refletir sobre alguma coisa.

 - Algum tempo atrás, sua avó havia me contado que em uma das reuniões o líder da seita, Charlie, propôs uma idéia completamente maluca de criar um receptáculo. Nele, os bruxos poderiam inserir todos os tipos de espíritos malignos que quisessem, sem danificar o corpo material.  Para isso, eles pegariam um corpo puro e com forte descendência Wicca, esvaziariam o espírito desse ser, e no lugar, colocariam diversas outras entidades.

- Mas, que serventia teria isso para eles? – questionei, interessada pela a história.

- Aí é que está a questão.Segundo o diário da sua avó,  Charlie, sonhava com o dia em que toda a raça humana teria correndo em suas veias o sangue dos Bruxos. Sua avó contou que, talvez, Charlie espalhasse esse receptáculo pelo o mundo, para que ele obtivesse laços com outros humanos e assim, os ‘contaminasse’ com o sangue bruxo. – Melanie subitamente parou de falar e me olhou profundamente nos olhos antes de continuar. – O fato é que, sua avó escreveu no diário que o verdadeiro motivo das visitas constantes do Clã à cidade, era para obter informações sobre você, por meio dela, claro.

Franzi o cenho, sem entender muito bem como minha avó sabia que eu existia, sendo que há mais de 20 anos ela e meu pai não se falavam.

- Não é possível, eu não a conheci e ela, nunca me viu. Como ela poderia saber quem eu era? – questionei, sentindo minha dor de cabeça aumentar violentamente.

- Charlotte, os bruxos dessa seita são poderosíssimos. Provavelmente usavam a ligação maternal que sua avó tinha com o seu pai, para forçá-la a se projetar espiritualmente até o local onde ele morava . Consequentemente, o local onde você morava.

Assenti brevemente, tentando processar todas aquelas informações. De súbito, ainda achava que faltava alguma peça naquele quebra-cabeça. Parei alguns instantes e, somente depois, consegui entender o que aquilo tudo significava. Era eu. Eu era o receptáculo que eles precisavam. 

- Não... não pode ser... – murmurrei, me sentindo tonta e enjoada. – Sou eu não é? Eu sou o maldito receptáculo! – disse, sentindo uma pontada de grosseria na minha voz. Estava com raiva.

Raiva de tudo o que estava acontecendo na minha vida. Não tentei impedir que as lágrimas escorressem pelas minhas bochechas, pois o que mais queria naquele momento era chorar e descarregar todas as minhas frustrações.

Melanie veio para perto de mim e passou o braço ao redor dos meus ombros, sussurrando que tudo ia dar certo, que tudo ficaria bem. Era tudo o que eu mais queria, mas sabia que jamais isso aconteceria.

- Querida, olhe para mim. – disse ela, me forçando a fitá-la nos olhos. Lentamente virei minha cabeça para olhá-la. – Você precisa ser forte e fazer  algumas escolhas. Ou você aceita entrar para a seita e virar um receptáculo totalmente desprovido de bondade, ou você terá que fugir e lutar contra eles.

Afundei minha cabeça no seu ombro, chorando compulsivamente. Não queria ser fraca. Não podia ser fraca. Enxuguei com a manga da blusa a umidade na minha bochecha, e me levantei, certa de que estava fazendo a escolha certa.

- Eu escolho lutar.

Melanie não disse nada, apenas sorriu calorosamente e balançou a cabeça, em um gesto afirmativo. Já começava a me dirigir para a porta, mas parei subitamente quando uma pergunta me veio à cabeça:

- Como você sabe de tudo isso?

Um silêncio seguiu-se após a minha pergunta, até que finalmente ela me respondeu:

- Há muitos anos atrás, fui uma integrante da seita. Mas saí, antes de sua avó entrar. Sua avó se mudou para cá por minha causa. Ela sabia que eu morava aqui, e queria a ajuda de alguém de fora.  Sua avó era uma boa pessoa antes de a enlouquecerem completamente. Não se esqueça disso, Charlotte.

Despedi-me rapidamente de Melanie e saí da lojinha, rumo a uma luta que só haveria fim se algum dos dois lados fosse derrubado.

Eu não deixaria que fosse o meu.


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Notas finais do capítulo

E aí, o que acharam? :)



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