Crônicas de Sieghart escrita por xGabrielx


Capítulo 11
Colônia de Gosmas 11 — Espada




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– Sieghart! – gritou Laethel enquanto corria em sua direção. Ao chegar perto, – Você tá bem? – perguntou, enquanto agachava à sua esquerda.

Havia sangue cobrindo o corpo todo, na pele e roupa, mas observando mais precisamente, era possível ver que não era dele.

Sieghart estava sentado e olhava para um dos homens mortos. Laethel chamou seu nome novamente, apoiando uma mão sobre seu ombro.

– Você precisa sair daqui. Agora!

O jovem abriu levemente a boca. Seus lábios estavam tremendo, mas não saiu voz alguma.

– Sieghart! – gritou novamente o responsável, agora agitando seu ombro com a mão. – Tá me ouvindo?! Maldição!... Sieghart!

Sua atenção, no entanto, foi desviada para a direita: um lampejo na direção dos feridos. E outro. Novamente.

Algo da mesma cor que os braços gigantes estava voando e atacando um homem que a cada golpe se defendia com a luz. Outro homem parecia estar decapitado.

Laethel se levantou, mas então a voz do Kriewalt o fez parar no lugar.

– É que nem da última vez...

– O quê? – perguntou, ainda mantendo os olhos na batalha entre o homem e o ser de asas.

– As mortes... ela... dez anos atrás...

– Sieghart! Você tem que sair daqui! Tá me ouvindo?! – não podia perder tempo ali. Ainda assim, não poderia deixá-lo ali, no chão...

– Cazeaje... dez anos... na última vez que ela... ela...

– Quê?! – Laethel virou novamente os olhos para o jovem. – Dez anos?! Do quê você tá fala...

Sua pergunta, no entanto, foi interrompida pela voz de Trilel.

– A água-clara está na frente do portal! Água-clara na frente do port...

Os gritos pararam. Laethel se virou para a direção de onde eles vinham.

Logo antes de ir em direção a Sieghart, vira o comandante golpear o braço gigante com o martelo e sabia que o efeito da magia não duraria mais muito tempo. Havia mais um braço similar ao primeiro saía do portal que agora tinha aumentado de tamanho e sua mão segurava Trilel no ar. Eram agora um braço direito e um esquerdo. O esquerdo ainda estava parado. A alguns passos entre Laethel e o portal três pessoas com fita roxa pareciam discutir algo com suas armas voltadas para os braços gigantes.

Não daria para convencer Sieghart a sair dali, mas carregá-lo para longe estava fora de questão. Precisaria deixá-lo ali. Com sorte, ele voltaria aos seus sentidos e sairia de perto da área.

Olhou novamente para o lugar onde a forma negra com asas lutava, mas saiu correndo em direção ao portal.

Correndo, levou menos de dez passos para chegar aos três homens. O da direita era o mais baixo e o da esquerda era o mais alto. Ambos seguravam espada e escudo. O do meio não tinha nada em mãos.

– Por quê vocês estão aí parados?! – perguntou Laethel, apontando com a mão direita para a direção do portal. – Não escutaram o...

– Ele tem uma Salamandra. – disse o da esquerda, apontando para o do meio.

– Um espírito do fogo? – Laethel mirou o homem. – ...como assim você tem uma Salamandra?

– Ainda é de conhecimento restrito. – respondeu – Mas é possível usar a força de espíritos. Ou... comprar seu uso... deve ser mais correto.

– E você ainda não fez isso porque...? – perguntou.

– Precisamos pagar algo. – completou o da esquerda.

Laethel relaxou os ombros e olhou com os olhos semicerrados. “Engraçadinho...” pensou. O homem à direita respondeu de modo mais próprio.

– Precisamos dar algo de valor pessoal para o espírito. Se não tivermos nada ele consome quem o chamou em troca e nenhum de nós trouxe algo importante para cá.

O homem mais baixo estava errado. Laethel carregava algo de extremo valor consigo. Pousando a mão esquerda sobre sua espada, olhou para safira em seu pomo e todas as outras pedras que cobriam a bainha. “Não sei se chamo isso de sorte ou azar, mas...”.

– ...só sei que meu irmão vai me matar depois dessa...

A mão que segurava Trilel estava a poucos metros de altura, paralela ao chão. Ela não havia parado de se estender logo após agarrar o homem, então estava quase tão distante da parede oval que o outro braço paralisado. Fosse por algum divertimento cruel ou alguma limitação de qualquer tipo, ela retornava ao portal a uma velocidade extremamente baixa, mas o suficiente para o homem perceber que havia movimento.

Isso, no entanto, deu ao comandante tempo suficiente para virar-se o máximo que pudesse e gritar para os que perto estivessem a respeito do frasco com água-clara. A mão que o segurava começou a apertar mais e mais até que parasse de falar. A armadura estava protegendo até certo ponto mas se a força com que os dedos o comprimiam aumentasse ainda mais, Trilel certamente morreria esmagado.

Entre flashes de luz, sons de gritos vindos da direção onde estavam as gosmas e algum tipo de discussão às suas costas, Trilel mirava o portal. O braço que o segurava estava recuando. Queriam levá-lo para onde quer que fosse o lugar de onde vieram? E qual era o motivo do ataque em um lugar desses? Era isso Cazeaje ou alguma outra coisa? Algo, no entanto, era certo.

“Se eu não conseguir sair daqui é melhor que eu morra antes.” Se o inimigo podia criar portais, retirar informação de pessoas por meios outros que a tortura provavelmente não seria problema. Trilel não conseguia mover sequer um músculo, mas não foi necessário.

De aparentemente lugar nenhum, labaredas se ergueram cobrindo o chão em volta do portal e das mãos. Era possível sentir o calor na pele. As chamas então tomaram forma de fios incandescentes e começaram a passar por entre os braços gigantes. A princípio não pareciam causar muito dano, e o pouco que sofria era logo recuperado mas em pouco tempo os milhares de fios começaram a se juntar em versões mais grossas. Os cortes começaram a se aprofundar e a velocidade com que eram infligidos começaram a superar a recuperação e finalmente o braço que segurava Trilel foi cortado completamente um pouco antes do pulso. A mão caiu ainda segurando o homem, mas sua forma começou a se desfazer com a pele se rachando em pedaços e lentamente subindo para o ar, como cascas evaporando, e deixando a forma oca da mão até que não sobrasse mais nada.

“Eral...” pensou Trilel. Devia ter sido sua Salamandra. À sua frente, viu Laros pegando o frasco e jogando a água-clara debaixo do portal volta do portal. Com certa dificuldade, levantou e virou-se para trás. Viu Laethel vindo em sua direção e tentou dar um passo, mas então tudo escureceu.

– Comandante! – gritou Laethel, segurando o corpo e suavizando sua queda.

O lado direito da armadura estava coberto de sangue que, ainda agora, não parava de escorrer do corte que dava final ao braço logo abaixo do cotovelo.

Os olhos de Mer Ellot acompanhavam a arma para cada lado que ela era balançada. Aquela lâmina azul-claro seria sua morte. O homem de pernas queimadas não chegaria a tempo. Não estavam nem um pouco longe um do outro, mas a velocidade dos ataques... E ele ainda precisava achar o cristal.

“Tem que acontecer algo. Algo... alguma coisa... ou alguém... Por favor, por favor, por favor...!” pensava o mago.

O inimigo voou para o alto e algo vermelho, alaranjado, passou pelo ar. O mago olhou para a esquerda, de onde a flecha viera, e viu Linea atirando várias outras flechas enquanto andava em sua direção. Com um movimento extremamente rápido e ritmado, seu braço direito buscava a flecha nas costas, apoiava-a na corda, puxava contra o arco, soltava e buscava outra flecha. Os projéteis emanavam diversas cores. Vermelho envolvia a flecha em fogo. Azul fazia uma névoa seguir a flecha com pequenas lascas de gelo aparentemente se desprendendo do metal na ponta. Marrom, como constatou ao ver agora o inimigo enfrentando as flechas, aparentemente petrificava a parte de madeira. Flechas que saíam envoltas em preto, pelo menos contra a figura de asas não pareciam ter efeito algum. Não era diferente com todas as outras flechas que não estivessem pegando fogo: o inimigo não se dava nem ao trabalho de desviar. Logo, todas as flechas que voavam em sua direção traziam fogo consigo. A diferença de tempo entre as flechas começou a variar. Em geral, a arqueira parecia atirar uma na direção do inimigo e então outra logo após para onde previa que fosse se mover. A espera para que o alvo, que desviava com movimentos mínimos, parasse – o que configurava a pausa entre o segundo e o terceiro tiro – era minúscula, mas possível de se notar. De vez em quando ela atirava três ou até quatro em sequência.

Durante esse momento, enormes chamas surgiram na direção do portal. Dividindo sua atenção entre o inimigo logo acima e as chamas, Mer Ellot chegou à conclusão que alguém havia acabado com o braço gigante.

O tempo ganho foi o suficiente para o ferido encontrar e entregar o cristal ao mago.

Linea já havia chegado perto o suficiente de Mer Ellot e também estava protegida pela barreira, agora reforçada pela magia no cristal.

– Você pode ajudar ele? – perguntou Ellot a Linea, que olhava Vanto no chão com o corte no peito.

– Tentar parar o sangramento, talvez. – respondeu. – Estamos seguros? – perguntou agora olhando para o ser que se mantinha no ar.

– Por enquanto. O cristal ainda tem bastante reservado.

– Você consegue se mexer com a barreira de pé?

– ...Não... – disse, apertando as sobrancelhas.

Sem falar mais nada, a arqueira começou a remover a roupa de Vanto, agora aparentemente desmaiado. Removidos o casaco e a camisa cortada que ele vestia, Linea pressionou a camisa em cima do ferimento. O homem com a perna queimada enfiou a mão em uma bolsa presa à sua cintura e retirou um pote com uma substância verde enchendo até a metade.

– Sou Dominus. – disse, estendendo o pote à mulher. – Domus, se quiser assim chamar.

Linea não respondeu nada.

– Mer Ellot. – O jovem, no entanto, sentiu-se obrigado a retornar a apresentação. – Ela é Linea.

O homem olhou para o mago e sorriu com a boca fechada.

– Você nos protegeu e ainda o faz. Obrigado.

A arqueira levantou a camisa, despejou toda a substância em cima da ferida e cobriu-a novamente com a roupa.

– Você tem gaze? – perguntou Linea para Dominus. A resposta foi negativa. – Segure aqui.

O homem posicionou-se para apertar o peito de Vanto e a mulher foi em direção ao corpo de Arke vasculhar a bolsa no corpo.

A dúvida fervia Mer Ellot por dentro. Podiam mesmo ficar ali? Ele via Sieghart, Laethel, Trilel e outros na direção do portal. Não havia mais portal. Daquela direção, estavam seguros. De onde Linea veio... Somente ela tinha vindo. Se os outros haviam fugido ou não... Não queria pensar nisso. Mas e aquilo acima deles? Não poderia atacar os outros? Mas ele tinha atacado Arke e Vanto... Talvez sua próxima vítima fosse Mer Ellot? Seu objetivo era um dos feridos? Se o inimigo ainda estava ali... Não poderia ser Linea, e se ele quisesse matar todos ou o máximo possível, em vez de continuar a atacá-los ele teria ido atrás dos que fugiram quando o portal surigiu...

Mas não poderia perguntar. Quem ali saberia a resposta, ou melhor, poderia responder? Talvez Dominus ou o outro ferido soubessem, mas se perguntasse, o inimigo saberia o que ele pensava...

Não. Não faria diferença perguntar agora. Se sobrevivessem, teria sua chance de saber.

Deixando esse problema de lado, sua mente vagou para outro assunto. Novamente, alguém tinha agradecido por algo que ele não merecia. E se ele falhasse de novo? As chances de mais deles morrerem ainda eram altíssimas. Por que...

– Por que você está me agradecendo? – perguntou Mer Ellot. – Você mesmo não viu que eu falhei? Eu me distraí e deixei ele morrer! – disse, acenando com a cabeça para o corpo decapitado – Se não fosse por mim, ele não estava com o peito cortado e vocês quatro já estavam de volta para Canaban!

– Se você não estivesse aqui, estaríamos todos mortos. – respondeu Dominus.

– Mas eu estava aqui! Eu estava aqui e podia ter feito alguma... Podia ter feito mais do que eu fiz! Se eu não tivesse me distraído e... e...

– Idiota! – gritou Linea, levantando-se. – Para já com esse discursinho irritante!

O ferimento de Vanto estava coberto com gaze e suas roupas estavam dobradas servindo de apoio para sua cabeça. O arco estava ao lado do homem.

– Você faz ideia de quantas pessoas morreram aqui? Posso te garantir que são bem mais que um homem e outro ferido. – enquanto falava, mostrou o dedo indicador com o resto da mão fechada e depois abriu a mão, balançando o braço direito para o lado – Quem disse que você tem o dever de proteger alguém? Não estou vendo nenhuma fita roxa em lugar algum do seu corpo.

– Mas...

– Escuta aqui... Passei por pelo menos cinco pessoas enquanto fugia das gosmas. Todos eles deviam ter habilidade suficiente para se salvarem, mas morreram. A culpa foi deles. Aquele homem – Linea apontou para Arke – e esse aqui e esse – agora para Vanto e Dominus – também têm fita roxa. Sabe o quê isso significa? Que qualquer ferimento que eles recebam é culpa deles. Você não tem dever algum, de proteger ninguém, ninguém! – agora gesticulou com os dois braços para a clareira toda enquanto dava um passo para trás – E se eu entendi direito, você já fez bem mais do que qualquer um poderia sonhar em cobrar de você, então cala a boca de uma vez!

Mer Ellot, Domus e o outro ferido continuaram olhando boquiabertos para Linea após ela se calar, e continuariam por muito mais tempo se o silêncio não tivesse sido quebrado.

Que eloquente discurso!

Todos ali olharam para o alto.

Mas o quê será que você diria se soubesse que nosso único objetivo era levar o mago?

“Mago?” Pensou Ellot. “Tem mais alguém aqui que... Ou...”.

Você, da barreira. Estou falando de você.

Mer Ellot. – o tom dessa vez foi diferente, como se sentisse divertimento ao mencionar as duas palavras.

E o mago não decepcionou – ao ouvir seu nome, seus queixos caíram e sentiu um enorme arrepio em suas costas que se espalhou para todo o corpo.

Cazeaje... As mortes... Igual... Igual... Igual dez anos... Dez anos atrás... Igual... O meu irmão... Vai levar meu... Não... Não... Ele... Já foi... Já... Já morreu...Ela... Ela..? Meu... Irmã? Dois... Três... Não... Não, não, NÃO! NÃO!!

...Meu irmão... Ela... Tio... Meu tio... Cazeaje... Vai... Vai matar de novo... Igual o homem... Ele... Ele disse... Mate? Me... Me mate? Mate ela? Ele? O quê ele...

Laethel...

– Laethel... Não! Não! NÃO!!

Laethel... Ele vai morrer! De novo! Alguém! De novo!... Não!.... Caze... Cazeaje...

De novo... Para o buraco... Ela... Ela vai levar eles... Para o buraco... De novo...

Vão... Morrer... Morrer... Matar...?

O fogo... O fogo matou as... Matou as mãos... Matou o... A... A parede... A... O portal!... Fogo... Fogo... Limpo... Limpar... Limpar... Fogo... Purifica...? Fogo... puro... limpar... purificar... matar... Matar...

Só... Só preciso... Não! Laethel! O... O anjo!... Negro... Igual... Mãos... Igual as garras... Buraco... Negro... Morte... Buraco... Negro... Limpar!... Fogo! Puro! Limpar! Morte!

Morte! Morte, morte, morte, morte, morte, morte, morte...

Anjo... Negro... Mata... Laethel... Limpar... Sujo... Antes... Só... Só...

Só... preciso... matar... anjo...

Só...

Só preciso matar o anjo...


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Notas finais do capítulo

Se acha que tem algo em que eu poderia melhorar ou só gostou do capítulo, eu adoraria seu comentário!



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