Sentada na confortável poltrona verde-limão da Casa de Waffles, Leah encarava a xícara de chá a sua frente, enquanto tentava recapitular as revelações dos últimos minutos. A Morte permanecia em completo silêncio desde que descera do carro. Ela estava sentada em frente a Leah, com os olhos fechados e sobrancelhas contraídas.

- Deixa eu ver se eu entendi tudo. – Ela disse, envolvendo a xícara quente com as mãos, ainda fascinada com a sensação de ter um corpo físico novamente. – Eu não estou morta, mas também não estou viva.

- Isso. – O rapaz, que agora Leah sabia que se chamava Rube, confirmou.

- Você é a personificação da Morte. – Leah apontou para a Morte. – E você é um médium.

- Não é exatamente médium... – Rube se acomodou melhor na poltrona. – Eu sou humano, mas eu consigo ver e me comunicar com coisas não-humanas.

- Médium. – Leah insistiu, erguendo as sobrancelhas e dando de ombros.

- Que seja. – Rube suspirou. – Continua.

- Quando eu me matei, ela – Leah apontou a cabeça para a Morte, ainda silenciosa – não me deixou morrer porque estava entediada, apesar deu ainda achar que foi só porque ela não foi muito com a minha cara.

Rube olhou para Leah com uma expressão de repreensão. A Morte estava em silêncio e Leah iria aproveitar a oportunidade de falar por mais alguns minutos.

- Quando eu morri, eu fiquei vagando pelo Limbo. – Ela disse, olhando para o vácuo. – Eu não entendi direito. O Limbo não deveria ser o nada absoluto? Por que eu encontrei o Sr. Dollano?

- Porque aquele velho é sorrateiro. – Rube disse, olhando pela janela. – Ele era como eu, médium, como você disse. Ele vê, ou via, coisas que os outros não vêem. As pessoas deveriam ficar sozinhas naquele lugar, mas ele achou uma brecha e foi até você.

- Tá certo. – Leah sacudiu a cabeça, tentando colocar os pensamentos em ordem.

- Mais café, querido? – Uma funcionária ofereceu, mas Rube sacudiu a cabeça negativamente.

- Leah... – Rube continuou, ainda espiando a janela e o céu noturno que começava a clarear.

- Certo, certo, eu continuo. – Leah bebericou o chá mais uma vez antes de realmente continuar. – Agora nós estamos aqui, a Morte, um médium e uma morta...

- Leah! – Rube estava adotando um tom urgente.

- Tá, então a Morte, um médium uma não-morta. Como vocês gostam de bater nessa tecla, credo. Nós três estamos aqui, esperando alguma coisa que você não quer me dizer o que é.

- Não é tão fácil de explicar. – Ele respondeu olhando por cima do ombro.

- E agora você que eu acredite que vocês estão tentando me ajudar? – Leah empurrou a xícara para longe. – Desculpa, Rube, mas eu não acredito nisso. Você nem quis me explicar as quatro chances que eu, supostamente, tive. E o que é essa coisa...

- Leah, cala a boca! – Rube disse por entre os dentes cerrados. – O tempo está acabando, merda, não é má vontade.

- “O tempo aqui realmente parece uma ilusão, não acha?” – Leah repetiu as palavras de Dollano, sem saber direito por que.

Rube olhou para a janela uma vez mais antes do sol nascer, quando tudo pareceu parar, inclusive ele. A Morte, ao contrário, apenas abriu os olhos a tempo de ver quem entrava pela porta da lanchonete.