Lágrimas de Prata escrita por Virants


Capítulo 2
Capítulo 1. Deixe as lágrimas rolarem




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            – Quer saber?! Eu não aguento mais essa porcaria! – o adolescente gritou enquanto batia a porta e corria pela rua, provavelmente deixando seus pais na sala de estar.

            A noite estava mais fria que o comum, mas não menos fria que o coração daquele jovem ao sair de casa. Correndo pelas ruas bem iluminadas da cidade, esbarrando em algumas pessoas, pisando em poças de lama, ele realmente parecia desesperado.

            Estava difícil segui-lo, principalmente com essas porcarias escorrendo pelo rosto. Ele correu por mais duas ruas até que o perdi de vista. Tive a impressão de vê-lo entrar num prédio. Olhei rapidamente para o alto.

            – É – entrei no prédio – Certeza que ele entrou aqui.

            Era o prédio mais alto que tinha próximo da casa dele e, pela minha prática, era o óbvio. Nada como aquele clichê de se jogar de um prédio. Mas sabe... Medicamentos são menos dolorosos... Eu acho. Tentei por outro método.

            O elevador estava fechando quando vi o garoto se esgueirar e conseguir entrar. O elevador estava subindo. O que fazer?

            – Odeio escadas! – gritei enquanto me dirigia a elas.

            Meus olhos pareciam cachoeiras. As lágrimas não paravam de se formar. A cada lance de escadas eu era obrigado a enxugá-las na roupa antes que alguém pudesse vê-las. As mangas do meu sobretudo já estavam prateadas.

            Precisei acelerar o passo. Não sou o tipo atlético, mas tenho velocidade. Encontrei o elevador aberto quando cheguei ao quinto andar. Consegui entrar. As portas se fecharam, finalmente pude parar para respirar.

            As pessoas estavam me olhando com uma expressão estranha. Foi então que notei que meu capuz havia saído.

            “Pense em algo! Rápido!” Disse para mim mesmo.

            – É que estou voltando do trabalho. Sabe... – tentei fingir um sorriso, mas algo me disse que não estava dando certo – Eu trabalho como palhaço.

            “Ótima resposta, seu idiota! Palhaços não usam sobretudo com capuz!”

            No sexto andar todos saíram. Foi então que percebi meu segundo erro.

            – Cadê o garoto?! – olhei desesperado para os lados e para as pessoas que tinham saído. Ele devia ter pegado outro elevador. Apertei rapidamente o botão para o último andar e, felizmente, não tive problemas para chegar lá, entenda problemas como alguém mais entrar.

            No último andar fui obrigado a correr desesperado para as escadas para chegar à cobertura. Para minha felicidade e infelicidade, o garoto estava desesperado demais para trancar a saída para a cobertura.

            – Pare aí, moleque! – gritei o mais alto que pude. Não sei se ele me olhou para saber quem era o louco que gritou ou porque se assustou com o grito.

            Ele estava para subir no parapeito e parou quando gritei. Me olhou com uma expressão bem familiar... Face ensopada de lágrimas, olhos sem brilho, expressão geral do rosto demonstrando uma tristeza intensa... O semblante de um “sem vida”.

            – O que você quer? Vai embora! – gritou de volta para mim, com a voz chorosa.

            Enxuguei as lágrimas no sobretudo novamente, tentando melhorar a minha imagem, mas acho que ele ficou horrorizado ao notar as minhas lágrimas.

            – Cara, que porcaria é essa? – me perguntou, fazendo uma cara de nojo e enxugando as lágrimas.

            – Isso o quê? – mostrei a manga do sobretudo – Isso?

            Ele meneou a cabeça afirmativamente.

            – São lágrimas. Agora... Vamos mudar de assunto? – tentei me aproximar, mas ele subiu no parapeito e ficou de pé.

            – Fique longe! Não me atrapalhe, saia daqui! – as lágrimas voltaram a sair de seus olhos marejados.

            “Terceiro erro da noite!” Gritei em minha consciência.

            Se tivesse focado nas lágrimas, ele poderia se acalmar, mas ao invés disso avancei sem ter ganhado sua confiança... Isso fez com que ele voltasse ao foco de antes.

            – Garoto, o que pensa que vai fazer? – parei a uma distância de cinco metros, falei com calma e evitei movimentos bruscos.

            – Vim soltar pipa do alto do prédio! – e deu uma risada chorosa – Vim me matar, caramba! Não consegue ver isso? – o jovem estendeu os braços, mostrando que não estava brincando.

            – Se matar? Por quê? Podemos conversar sobre isso? – falei calmamente, mas o passo que avancei mostrou minha ansiedade.

            – Não preciso conversar sobre isso com ninguém. Não existe ninguém que possa falar disso comigo! Eu vou pular! – recuou um passo, deixando metade do pé na borda.

            Podia ser só mais um adolescente em meio aos outros depressivos que salvei, mas realmente estava difícil dessa vez. Os outros viam a necessidade de conversarem sobre o assunto. Por que com esse jovem é diferente?

            – O que o levou a querer se jogar daí? – recuei um passo.

            – Problemas! O que achou que fosse?

            – Todos nós temos problemas.

            – Pouco me importo com os outros. Ninguém se importa comigo, porque eu me importaria com eles?!

            “Ótimo argumento, tenho que admitir.” Pensei.

            – Os problemas deles não são como os meus.

            – É, você tem razão. São coisas diferentes. Eu por exemplo – tirei o capuz e deixei que visse minhas lágrimas escorrerem – Eu choro lágrimas de prata. Sempre que passo por uma pessoa que tem um pensamento suicida como o seu, elas escorrem. Posso acabar morrendo por desidratação ou então ficar cego, porque essa porcaria machuca quando sai. Tem vezes que chega a sair sangue. Seus problemas chegam perto desse?

            – São piores!

            – O que seria pior que chorar lágrimas, que inexplicavelmente, são de prata?! Hã?! Responde agora, garoto! – avancei vários passos, gritando. Sua reação foi negativa.

            – Você quer me ajudar ou piorar a situação?! – gritou e me deu as costas, estendendo os braços e se preparando para pular.

            – Desculpe garoto... Não tive a intenção – dei mais alguns passos, subi no parapeito e me sentei – Quer saber? Eu já tentei me matar também.

            Por um momento ele se acalmou. Parecia interessado.

            – Não foi nada bom. Pulei do meu apartamento no segundo andar ­– falei em tom cômico.

            O adolescente fez uma expressão engraçada e se sentou ao meu lado.

            – Cara, foi muito engraçado. Digo, agora eu rio da história, mas naquele dia eu chorei de um jeito... – minhas lágrimas de prata pararam de escorrer, mas agora eram lágrimas “naturais” que escorriam – Uma pessoa... – parei para tomar fôlego. Aquelas palavras não queriam sair.

            O jovem fez um sinal com a cabeça para que continuasse.

            – Só precisa saber que minha decepção foi tanta que eu me joguei pela janela. Enquanto caia eu pensei em tudo que tinha passado. Entrei em desespero. “Estou me matando?” Foi o que pensei. Cai tão rápido que as lágrimas só saíram quando o capo do carro amassou quando eu cai por cima. Passei quase um mês sem andar direito. Só precisa saber isso. E seus problemas? – olhei para ele, enxugando minhas lágrimas.

            – São meus pais... Eles não querem me entender. Não se importam com as coisas que eu gosto. Desprezam minhas idéias, tudo o que faço. Fingem se importar. – falou baixinho, sinal que estava segurando o choro.

            – Me desculpe, mas... Isso é supercomum entre os adolescentes de hoje em dia. É por isso que temos tantos suicídios juvenis. Digo, a causa deles é na maioria das vezes, por causa dos pais.

            – Tipo... Eu escrevo e toco. Nunca se deram ao luxo de ler algo meu, não se interessam pelo que toco, dizem que tudo é um lixo. E as coisas pioram na escola.

            – Sabe o que você deve fazer? – perguntei, já sabendo a resposta.

            – Pensei em me jogar daqui – ele olhou para baixo e tremeu – Mas vi que não era uma boa idéia. – rimos juntos.

            – A solução é bem simples. Ao invés de ficar esperando que eles se interessem por suas coisas, mostre a eles do que você é capaz. Pegue suas histórias, mostre a eles. Melhor, mostre aos amigos deles, assim eles terão um motivo a mais para lerem. E, no caso de tocar... Mostre shows das suas bandas preferidas, mostre como tem muita gente que gosta. Será a prova que não é lixo. Se depois de tudo isso, eles ainda estiverem chatos. Pense o seguinte: “Eu tentei. O problema não é meu agora, é deles. O importante é que tentei.”

            – É... Tem razão.

            – Sua consciência estará limpa, você vai ter feito o possível, então... Não vai ter motivo para se deprimir. Certo? – me levantei estendendo a mão para cumprimentá-lo.

            – Certo. Eu vou tentar. E é isso que importa. Tentar, mesmo que não dê certo. O importante é estar bem comigo mesmo – e também estendeu a mão.

            – Isso mesmo. Aprendeu rápido, hein? Até algum dia garoto – acenei um tchau quando vi que ele já se distanciava. Ele retribuiu e, assim que ele ia descer as escadas, gritei – E lembre-se, a vida é bela demais para ser jogada de um prédio. Tente jogá-la de um avião, é mais interessante! – ele riu e desceu as escadas. Tenho a impressão que ouvi ele gritar um obrigado.

            Só queria saber como eu conseguia ter esse senso de humor nesses momentos.

            Meus olhos pararam de arder. Sinal que eu havia cumprido meu dever. Dever esse que não entendo como fui “receber”.

            Agora precisava voltar para meu apartamento. Dormir um pouco, descansar... Me preparar para a pessoa do próximo dia. Mas com dois pensamentos em mente.

            Número 1: Eu salvei mais uma pessoa hoje. Isso é bom.

            Número 2: Isso um dia vai ter fim? E se não tiver? E isso... Isso é ruim. Naquela noite... Eu não dormi direito.


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Notas finais do capítulo

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Lágrimas de Prata

Porque a vida é muito mais que chorar
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