Duelo de Emoções escrita por Flor de Cerejeira


Capítulo 2
Jantar de interesses


Notas iniciais do capítulo

Feliz Ano Novo para todos!



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Tendo saído mais cedo do escritório, Rin chegou ao famoso restaurante pouco antes das seis. Por sorte, a mesa que seu pai reservara estava vaga, e ela pôde se sentar imediatamente. Caminhou, passando por entre outras mesas e pessoas, consciente dos olhares masculinos que a seguiam, até mesmo o do elegante e bem apessoado maître.

Rin era muito atraente. Procurava estar sempre bem ves­tida e manter a forma esbelta e o tom um pouco bronzeado da pele. Mes­mo detestando exercícios físicos extenuantes e dietas de qual­quer tipo, fazia ambos regularmente. Havia momentos em que se perguntava por quê, afinal, agia assim, já que adorava comer, tanto comida saudável quanto tranqueiras. E apreciava uma boa e demorada refeição; tinha pouco tempo e não gostava de simplesmente mandar a comida goela abaixo. Já ouvira dizer que comer rápido não era bom para a saúde, por isso justificava sua demora diante de um prato, fosse ele de legumes e verduras e carnes bem balanceados, ou batata frita e bacon.

Mas, ao receber aqueles olhares interessados enquanto pas­sava, sentia-se muito bem com o sacrifício de alguns exercícios a mais e uma dieta um pouco mais rigorosa de vez em quando. Nesse dia, ela sabia estar mais bonita do que de costume; usava um conjunto preto, muito elegante, e, para suavizar tal austeridade, colocara uma blusa cor-de-rosa com um decote gene­roso que tinha renda francesa como enfeite. Seus olhos castanhos-chocolates e seus cabelos lisos, longos e brilhantes, de um belo negro, davam-lhe uma imagem toda especial, impossível de não ser notada. Não era novidade que a olhassem assim, mas não crescera acostumada a isso nem a muitos elogios. Na infância, até a adolescência, sempre fizera o papel de patinho feio; era a única diferente da família, pois havia sido criada por uma família de etnias misturadas. Tinha pernas longas e finas, e seu primo mais próximo e também mais travesso apelidara-a de "Varinhas". Rin sempre de­testara a ambos: o apelido e o primo.

Mais moça, ela ainda o detestava. E, no presente, ainda não o suportava, embora houvesse aprendido a disfarçar bem seus sentimentos.

Janeth Horisawa, com todo o orgulho materno que lhe era peculiar, sempre dissera que havia uma grande vantagem em Rin ser vista como o patinho feio da família, porque, como na história infantil, ela se desenvolveria e se tornaria o mais lindo dos cisnes... Rin jamais acreditara nisso, pelo menos, enquanto era criança e adolescente. Sempre que se olhava no espelho, via apenas uma garota que julgava feia e desengonçada, por ser diferente de seus pais e failiares, mais alta e magra do que suas amigas, parecen­do ter muito mais ossos do que carne, ossos esses que apare­ciam muito mais nos quadris, cotovelos, tornozelos, joelhos e ombros e, até mesmo no rosto, dependendo do ângulo em que se olhasse. E, a seus olhos, seus cabelos eram lisos demais e de um tom mais para negro do que para castanho, como gostaria que fossem. Eram, na verdade, uma con­fusão só. E, para finalizar o visual geral, seus dentes eram, apesar de muito brancos, grandes demais para seu rosto. Nas palavras de seu primo, Rin poderia comer uma maçã in­teira com uma só dentada...

Para ela, nada podia ser mais deprimente e, por isso, apren­dera a evitar espelhos sempre que possível, como aprendera a evitar seu primo, cujos dentes perfeitos ela sentia vontade de quebrar com um bom soco.

Rin ainda não entendia como, em cinco anos, as pre­visões de sua mãe pudessem, de alguma forma, ter se tornado realidade. Jamais pensara que uns quilinhos a mais aqui, outros ali, sempre no lugar correto, suavizariam ângulos e criariam belas curvas. Nem mesmo acreditara que dois anos de tortura com um aparelho dentário apertado pudessem transformar seu sorriso em um que causaria inveja a qualquer garoto de pro­paganda de comerciais de creme dental. Também não imagi­nava, no passado, que cabelos desgrenhados e ligeiramente sem brilho, ainda, pudessem ficar tão sedosos e chamarem tanto a atenção pela sua leveza.

Sim, e desde sua transformação quase miraculosa, Rin aprendera a apreciar os olhares masculinos. Gostava de ser notada, mas nunca se deixava levar pelo que pudesse haver por trás de tais olhares...

Um garçom sorridente apareceu, perguntando-lhe se gosta­ria de beber alguma coisa, enquanto esperava. Ela deixou o cardápio de lado e pediu um vinho branco, sentindo-se perfei­tamente à vontade naquele ambiente que sempre adorara.

Como sempre, o lugar estava cheio de pessoas animadas e falantes, e, assim que recebeu seu vinho, Rin passou a observar com mais atenção às pessoas que, como ela, tinham vindo apreciar a boa comida dali.

Havia uma mistura de homens e mulheres, jovens e mais idosos, gordos e magros, elegantes e nem tanto, usando roupas clássicas ou mais casuais. Havia, até, na mesa central, maior e mais larga, um grupo de várias pessoas que estavam vestidas formalmente. E Rin imaginou se estariam ali para comemorar alguma data especial.

Todos ali pareciam bem à vontade, alegres, como se a noite estivesse apenas começando para eles. Todos, menos ela, Rin observou para si mesma, tomando um gole longo e sa­boroso de seu vinho. Não havia entusiasmo algum nela. Mas não era culpa daquela gente animada o fato de ela estar tendo um daqueles fortes sentimentos de solidão, ou que estivesse tendo uma daquelas sensações recorrentes de falta de sentido para sua vida e o que fizera dela, e muito menos que ela não estivesse nem um pouco animada com a perspectiva de con­versar com seu pai.

E, pensando nele, viu-o chegar, perguntando, cavalheiresco:

— Estou atrasado ou você chegou cedo?

— Cheguei cedo.

Rin sorriu, enquanto o via acomodar-se na cadeira à sua frente. Não lhe era difícil sorrir para ele. Embora, muitas vezes, ele a irritasse, amava-o profundamente. E, antes de ter­minar seu vinho, acrescentou, aliviada por seu pai a ter salva­do dos pensamentos que estavam tomando um caminho muito deprimente:

— Acho que o senhor está chegando pontualmente.

— Mais um vinho? — Norman ofereceu, ao mesmo tempo sinalizando para o garçom, que veio ainda mais depressa do que antes.

— Pois não, senhor?

— Mais um vinho para minha filha — Norman pediu, sem esperar pela resposta dela. — E eu vou querer um saquê, perfeito! Daqueles que vocês sabem, tão perfeito quanto os que encontro em meu país...

Rin observava o rosto do pai enquanto ele fazia seu pedido, sem poder deixar de admirar sua figura elegantemente urbana. Aos cinquenta e nove anos, Norman Horisawa era um ho­mem ainda muito atraente, vigoroso, viril, parecendo mais um proeminente diplomata do que um magnata da indústria, o que, é claro, ele não era, mas fingia ser...

Com sua altura superior a um metro e oitenta e com as rou­pas sempre muito bem cortadas por um alfaiate famoso, ele impressionava ao passar e tanto homens quanto mulheres se voltavam, cada um impressionado a seu modo com sua pre­sença forte.

Norman não ignorava o efeito que causava no sexo oposto; na verdade, os olhares femininos pareciam adicionar um ar es­pecial a seu porte. Mas, aos olhos de Rin, o que verdadei­ramente era interessante em seu pai, era que, apesar de gostar de ter as mulheres voltadas em sua direção, ele jamais fora infiel a sua mãe. E, se ele o houvesse feito, ou se Janeth houvesse ouvido algo a respeito, ela teria voado sobre ele como uma fêmea ultrajada e pronta para castigá-lo física e espiritualmente.

Rin adorava sua mãe. E, felizmente para Norman, ele também.

— Já decidiu o que vai pedir? — ele quis saber, erguendo os olhos do cardápio para a filha e depois para o cardápio que ela deixara a seu lado.

Ela deu de ombros.

— Nem preciso escolher — disse. — Já sei o que quero.

— É, você sempre sabe. Você continua me impressionando com sua assertividade.

O primeiro elogio, Rin observou para si mesma; o pro­blema de seu pai devia, mesmo, ser bem grande. Ele não só a estava elogiando, como também adiando o momento em que tocaria no assunto, talvez o deixando para depois de terem jantado. Talvez não quisesse estragar seu apetite, concluiu, pre­parando-se para o pior.

— E por que está impressionado pelo fato de eu saber o que quero comer? — ela perguntou, deixando-o agir a seu modo, mas curiosa, mesmo assim.

— Vamos fazer nossos pedidos primeiro, está bem? Pode­mos falar durante o jantar.

Os pedidos vieram, precisos e pontuais como sempre, deli­ciosos como nunca. Norman pediu mais um saquê. Durante o jantar, Rin indagou, indo direto ao ponto:

— Papai, não acha que devíamos discutir o problema que nos trouxe a este jantar?

— No momento certo, filhinha. Vamos apreciar nossa co­mida antes, está bem?

Nada surpresa, Rin percebeu que, de fato, a discussão seria pouco agradável.

— Está bem — concordou a contragosto. Não estava dis­posta a confrontá-lo, muito menos a voltar a sentir a dor de cabeça que já a atormentara nesse dia. — Então... diga-me por que ainda o impressiono tanto.

— Bem, você me impressiona desde que era muito pequena, já que sempre soube o que queria. Além disso, você sempre soube como agir para conseguir seus objetivos, fossem eles quais fossem.

Rin sorriu, irônica.

— Oh, pare com isso, pai! Você faz parecer que eu seja algum tipo de fenômeno ou coisa parecida.

— De forma alguma! Você tem a cabeça no lugar; há muito tempo, aliás — ele se recostou à cadeira para permitir que o garçom lhes servisse o que tinha pedido. — Não há nada de estranho nisso.

Rin aspirou fundo, sentindo o aroma delicioso da sopa de cebola e bacon. E experimentou uma pequena colherada antes de dizer ao pai:

— Se o senhor diz... — sentiu vontade de rir, já que estava passando por uma verdadeira crise de afirmação pessoal e seu pai nem imaginava que isso pudesse, um dia, acontecer.

Ele deixou o assunto de lado, e ela passivamente concordou que fosse assim. Portanto, a conversa durante o jantar foi banal e esporádica, muito embora Rin percebesse a tensão que dominava seu pai. Norman tomou mais dois drinques e, quando ele pediu ainda outro, no momento em que o garçom já recolhia os pratos, Rin achou melhor interferir:

— Papai, acho que o senhor já tomou encorajamento líquido suficiente — e fez um sinal para que o garçom se fosse. — Por que não me diz logo o motivo deste jantar?

Ele assentiu e foi direto ao ponto:

— A menos que eu faça alguma coisa urgente, vou perder tudo que tenho — Norman estava pálido, e sua voz era rouca devido à tensão em que se encontrava.

— O quê? — Rin encarou-o, incrédula. Ele devia estar exagerando. Só podia estar! Pelo menos, esperava ardentemen­te que estivesse.

Ele estava a ponto de perder tudo. E, conhecendo seu pai como conhecia, ela sabia que esse "tudo" era a Companhia de Instrumentos Cirúrgicos Horisawa, fundada e administrada, havia mais de cem anos pela família Horisawa. Depois da morte do avô Paterno de Rin, havia cinco anos, sua mãe por quem seu avô tinha muito apreço, herdara cinquenta e cinco por cento da firma e, dessa forma, também o controle acionário da mesma. Janeth passara o controle de tudo a seu marido, mesmo sabendo que era contra a vontade de seu sogro, o que, desde o começo, mostrara ser um grande erro. Norman não tinha habilidades técnicas e gerenciais para o cargo que agora ocupava e também desconhecia alguns conceitos fiscais básicos. No entanto, até o presente, Janeth não sabia da enormidade de seu engano... Ela adorava Norman.


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Notas finais do capítulo

Rin é oriental, porem sua mãe Janeth é Inglesa, embora tenha uma parte de sua família que também é oriental, mas esta é bem afastada. Seu pai, um japonês com família muito conservadora. Esta parte da fic foi criada por mim, para ficar melhor adaptada aos personagens.



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