Duelo de Emoções escrita por Flor de Cerejeira


Capítulo 3
Esforços e origens




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—Muito bem, por quanto tempo acha que ficará fora? — perguntou o irmão de Sesshoumaru.

— Tanto quanto for necessário — Sesshoumaru respondeu, erguen­do os olhos da valise em que enfiava uma série de papéis. Sorriu, ouvindo o grunhido descontente do irmão.

Inu-Yasha Akashi não sorria. E insistiu:

— Não pode ser um pouco mais preciso? Não pode me dar uma estimativa, ao menos? — sua expressão demonstrava cla­ramente seu descontentamento.

— Por quê? Você pode, muito bem, tomar conta do forte sem deixar que o inimigo o tome por algum tempo, não pode?

— Posso, mas...

— Ótimo — o mais velho fechou a valise e encarou o irmão mais novo; já não sorria. — Já conversamos sobre isso ontem e em detalhes, Inu-Yasha. Você vai conseguir fazer tudo que é necessário nos próximos dias. Vai assinar contratos e fechar negócios. Então, qual é o problema? Por que essa cara agora?

— Não sei... — Inu-Yasha encolheu os ombros. — O fato é que você nunca fez nada assim antes...

— Assim... Assim, como?

— Nunca saiu assim, sem deixar uma programação, dizendo onde iria estar, o que estaria fazendo, ou quando iria voltar. Sabe, não é do seu feitio...

Sesshoumaru ergueu as sobrancelhas, parecendo divertir-se com a situação.

— Não? — indagou.

— Não! Você sempre sabe quando, como e o que vai fazer seja lá o que for que tenha em mente.

— Sei muito bem o que vou fazer. Apenas não sei quando nem como, neste caso em especial, até que consiga um relatório para me inteirar dos problemas, mas sei exatamente o que vou fazer, caso a situação se mostre tão ruim quanto penso que ela está.

— E qual é, então, essa tal situação? Porque você não me disse, não sei se está lembrado...

— Estou lembrado sim, e não acho necessário que você saiba até que eu tenha algo de concreto em mãos. Mas pode ficar sabendo que se refere à Companhia de Instrumentos Ci­rúrgicos Horisawa.

— Sim. Fornecemos aço cirúrgico a eles... — Inu-Yasha ainda parecia confuso.

— Exato. E como você deve saber muito bem, eles têm tido sérias dificuldades em nos pagar ultimamente.

— Eu sei, mas temos esse tipo de problemas de vez em quando com clientes... O que se pode fazer?

— Marquei uma reunião para amanhã de manhã com o pre­sidente dessa firma.

— Com Norman Horisawa?

— Sim. Ele é o presidente, não? — havia certa impaciência na voz de Sesshoumaru, quando o irmão parecia demorar a entender certas coisas.

— E por que fez isso? Esse nunca foi seu jeito de agir. Visitar clientes pessoalmente para exigir pagamento...

— Não é esse o motivo da reunião de amanhã.

— Não? Então, qual é?

— Tenho ouvido rumores inquietantes sobre Horisawa.

— Rumores? Que rumores?

— Para começar, que o bem-apessoado Norman anda desfal­cando a companhia.

Inu-Yasha pareceu ser pego de surpresa.

— Está brincando!... — comentou.

— Gostaria de estar.

— Mas... Sesshoumaru, se são apenas rumores... Acha que deve dar crédito a isso?

— Não, mas como Horisawa está atrasado com os pagamentos há mais de um ano, pretendo descobrir toda a verdade sobre o assunto. É por isso que não posso lhe dar uma perspectiva quanto a meu retorno.

Inu-Yasha franziu a testa, pensativo, e olhou para a pasta em que o irmão enfiara tantos papéis.

— Os documentos que está levando são referentes à Com­panhia de Instrumentos de Horisawa... — afirmou.

— São.

— Olhe sinto muito, mas acho que ainda não entendi direito — ele parecia ainda mais confuso do que antes. — Mesmo que os rumores sejam verdadeiros, o que vai poder fazer a respeito? Quero dizer... Só vai poder recusar-se a enviar mais carrega­mentos de aço para eles...

Sesshoumaru sorriu, e havia naquele sorriso um ar de predador que Inu-Yasha conhecia e temia ao mesmo tempo.

— Vou desmascarar o pilantra.  - Inu-Yasha encarou-o com certo receio.

— Puxa, já faz tanto tempo que eu não via esse seu olhar predador que até já tinha me esquecido dele... — observou.

— Ora, pare com isso.

— É verdade. Esse seu jeito de fechar um pouco os olhos, como um gato à espreita do rato, sabe? Já faz tempo que não vejo esse seu olhar ganancioso, Sesshoumaru.

— Em primeiro lugar, gatos não cerram os olhos quando estão tentando pegar um rato — Sesshoumaru riu da comparação. — E depois, ratos são ratos, meu irmão. O que foi? Achou que, com a idade, eu iria me acomodar por causa do sucesso, é?

— É, acho que pensei errado, ao que parece...

— Exato. Mas não se preocupe, porque a maioria das coisas que se imagina de antemão são erradas, mesmo — havia um brilho alegre nos olhos muito  de Sesshoumaru. — Sabe o que se diz sobre isso?

— Não, acho que não. O que dizem?

Sesshoumaru pegou a valise, caminhou até a porta do enorme es­critório, segurou a maçaneta e voltou-se, sorrindo mais uma vez para o irmão.

— Que pressupor coisas faz de você um tolo, e de mim também.

Inu-Yasha revirou os olhos, enquanto Sesshoumaru saia, rindo.

Duas horas mais tarde, Sesshoumaru já não ria. Na verdade, estava furioso e soltava imprecações. Contra si mesmo, em voz alta, dentro do carro, que dirigia em meio a uma terrível tempestade. Ela o surpreendera assim que deixara a estrada vicinal que saía da pacata região em que tinha sua casa, e continuava com ele, tornando cada quilômetro mais difícil de ser percorrido. Agora, depois de alguns transtornos, estava prestes a tomar a saída, para seguir pela autoestrada.

Inúmeros raios e trovões se seguiam, transformando a tarde agradável em um pesadelo. O vento que acompanhava as ra­jadas enfurecidas de chuva batia contra o pára-brisa, tornando a visibilidade praticamente nula.

— Seu estúpido! — Sesshoumaru xingou, quando um carro esporte passou por ele, erguendo uma onda de água que encobriu por frações de segundo sua visão. — Infeliz! Deve achar que o inferno não existe, não é?

Ele próprio sabia que o inferno existia, sim; se não depois da morte, pelo menos aqui, na Terra. Passara por ele e sobre­vivera a situações terríveis desde sua adolescência até agora, quando estava com trinta e poucos anos.

Um sorriso apareceu em seus lábios. Estava exatamente a caminho de administrar uma dessas situações que podiam ser consideradas como parte do inferno na Terra, ao falar com Norman Horisawa, se é que as informações que recebera sobre o sujeito e suas práticas ilegais de negociar estivessem corretas...

Sesshoumaru tinha a sensação estranha de que tudo que ouvira era verdade. Essa sensação o incomodava mais do que os paga­mentos apenas esporádicos que a firma de Horisawa fazia à sua pelas entregas de aço. E esse sentimento queimava dentro dele como ácido, corroendo sua paciência. Irritava-se ao saber que uma firma antiga e respeitada pudesse falir por causa de uma administração precária.

— Amaldiçoado seja — continuou murmurando, cheio de ira. Quase não conseguia visualizar os limites da estrada à sua frente. Ele sabia que dirigir ali era sempre perigoso, mesmo quando não havia chuva para atrapalhar. E, com um temporal daqueles, estava diante de um desafio sem par.

Sempre cauteloso e atento à direção, ele continuava pensan­do, permitindo que suas ideias analisassem a situação que teria de enfrentar no dia seguinte. Desde que conhecera Norman Horisawa, não se sentira bem impressionado. Não que não gostasse do sujeito, já que ele era gentil, educado e simpático. Mas não se deixara impressionar por essas qualidades. Em especial por­que notara que Horisawa não possuía as qualidades de caráter que imaginava serem admiráveis em um homem: moral forte e có­digo de ética profissional, além de um aguçado tino para os negócios.

Ser charmoso e gentil não bastava. E ficara ainda menos impressionado quando percebera em Horisawa o que julgava ser um defeito, uma fraqueza pelo estilo de vida fácil, sem proble­mas nem preocupações.

Mas, como era realmente franco e honesto, Sesshoumaru sabia que julgava as pessoas por um padrão moral muito específico e rígido, que era diferente do qual a sociedade em geral avaliava. Isso porque nada em sua vida lhe viera com facilidade. Desde muito pequeno, mais precisamente aos oito anos, idade em que já conseguia fazer alguns serviços, sua vida consistira em uma série de batalhas.

Era o primeiro de dois filhos de um casal que lutava muito para conseguir apenas o essencial para a sobrevivência. Os dois eram filhos de imigrantes, nascidos no Oriente depois do fim da Segunda Guerra Mundial. Os pais de sua mãe tinham dei­xado sua terra natal, no Japão, fugindo dos horrores da Primeira Grande Guerra e seguindo para a Inglaterra com os filhos ainda pequenos. Os pais de seu pai tinham se casado no Japão ainda e seguido logo depois para a Inglaterra, onde haviam se estabelecido em pequenos ranchos, ao norte. Naquela época, a terra era barata, e só depois de algum tempo, os avós descobriram que não se tratava de boa terra para o cultivo.

Os avós de Sesshoumaru eram gente simples, adaptados à vida que tinham encontrado, condicionados pelas agruras que tinham sido obrigados a enfrentar em suas terras natais. E os dois casais tinham acabado por se distanciar do resto da comunidade, e ele imaginava agora que fora, assim, inevitável que o filho de um dos casais e a filha do outro acabassem se encontrando e se casando, já que moravam próximos um do outro.

Tendo sido criados como foram, seu pai e sua mãe não ti­nham tido oportunidade de frequentar a escola e, na simplici­dade de suas vidas, nunca tinham conseguido ajustar-se e lidar com uma sociedade cheia de competição que oferecia avanços tecnológicos que eles não chegavam nem a compreender direito. Assim, não havia espaço e nem chances para que eles pudessem, também, competir fosse pelo que fosse.

Sesshoumaru havia testemunhado os longos e difíceis dias em que seu pai lutara no plantio da terra seca, só para tirar dela o parco alimento de subsistência e depois, ao fim do dia, sair para tra­balhar em um terceiro turno, das onze da noite as sete da manhã em uma fábrica de meias localizada a quase dez quilômetros de casa. Ele também vira sua mãe exausta na lida diária da casa, cuidando para que seus filhos estivessem sempre decen­temente vestidos, limpos e arrumados, embora ela própria ti­vesse de ajudar o marido no trabalho do campo além de fazer faxina em casa de conhecidos.

Aos treze anos, alto e com o corpo forte devido ao trabalho no rancho, Sesshoumaru arranjou um emprego de meio período, no qual trabalhava depois de sair da escola e também nas férias de verão, durante as quais sempre havia o que fazer nos ranchos vizinhos, como pintura de casas, consertos de cercas e outros reparos gerais. O pagamento era mínimo, mas cada centavo era de grande valia.

E então, quando ele estava prestes a terminar o colegial, seus pais morreram, com a diferença de apenas seis meses um do outro. Seu pai vítima de um ataque cardíaco fulminante que o matou enquanto fazia a colheita, e sua mãe no final do inverno desse mesmo ano. Sesshoumaru mal completara dezoito anos. A causa confirmada da morte de sua mãe fora gripe. Mas Sesshoumaru sabia, melhor do que ninguém, que tanto seu pai quanto sua mãe tinham esgotado suas forças no trabalho e acabaram desistindo de lutar pela vida.

Sesshoumaru jamais desistiria, o que era bom, já que as batalhas mais duras ainda estavam por vir. A primeira delas fora a de completar seus estudos. Ganhara uma bolsa de estudos para a Universidade, mas tinha seu irmão menore, Inu-Yasha, que estava com onze anos na época. A vida teria sido muito mais simples para Sesshoumaru se houvesse deixado o irmão aos cuidados das autoridades, que poderiam tê-lo colocado em um lar adotivo. Mas Sesshoumaru, já demonstrando traços do ho­mem maduro e responsável que seria, encontrou uma solução alternativa.

Seus avós ainda viviam por perto e queriam cuidar do ga­roto, enquanto ele fazia seu curso na universidade. Como os avós estavam muito velhos e já não tinham saúde, Sesshoumaru pre­feriu ir e voltar das aulas todos os dias, ao invés de viver nos dormitórios típicos das grandes escolas. Dirigia o velho Che­vrolet de seu pai e trabalhava à noite e nos fins de semana em uma siderúrgica para complementar a renda pre­cária de seus avós.

Assim, com perseverança, Sesshoumaru conseguiu concluir seu curso ao mesmo tempo em que ajudava os avós a acabarem de criar o irmão menor.

Nada fora fácil, ele recordava agora, enquanto dirigia em meio ao temporal. Trabalhara muito nos anos que se seguiram a sua formatura e aprendera muito com essa experiência. Fizera bons amigos e também alguns inimigos antes de conquistar o sucesso que vivia atualmente.

Sua palavra motivadora era participação. Participara e apre­ciara cada minuto de seu trabalho e agora se satisfazia com as recompensas que o destino lhe dera por sua luta. Pagara todas as suas contas com o suor de seu rosto, com seu cansaço, suas frustrações, as coisas que negara a si mesmo porque pensava no futuro; pagara pelo seu sucesso, pela educação que conquis­tara e também pela educação que dera a seu irmão, e sabia merecer cada centavo da fortuna que tinha agora bem como o respeito que lhe tinham tanto os amigos quanto os inimigos. E, se não tinha conseguido sair vitorioso em todas as batalhas, vencera a maior parte delas e isso já lhe era suficiente.

No mundo dos negócios, Sesshoumaru era um homem conhecido e admirado, mesmo ainda sendo tão jovem. Ele re­conhecia que muitos o temiam porque assumira na vida uma visão bastante dura em relação às pessoas. Não suportava os tolos, e não perdia tempo com jogos e artimanhas. Não gostava que tolices atrapalhassem sua atuação no mundo dos negócios. Não tolerava interferências.

E agora, a tolice de Norman Horisawa estava começando a afetar consideravelmente seus negócios com o aço. Fosse como fosse, Sesshoumaru tinha, há meses, começado a se preparar para enfrentar essa situação, instruindo seu contador a comprar, se necessário, o maior número de ações da companhia de Horisawa que fosse possível. E, como já era de esperar, devido às dificuldades financeiras que a firma enfrentava, seu contador conseguira adquirir mais de sessenta e cinco por cento do total de quarenta e cinco por cento de ações comuns. As ações que comprara, os votos da diretoria que já conseguira garantir como certos e mais o acordo que fizera com dois membros da diretoria da­vam-lhe uma vantagem que não hesitaria em usar, se os rumo­res sobre Horisawa se mostrassem verdadeiros.

Naquele momento, Sesshoumaru estava passando pelo prédio da firma de instrumentos cirúrgicos, embora ainda continuasse na estrada. A companhia estava localizada além dos limites da cidade, próxima a estação fer­roviária local. Era exatamente através daquela ferrovia que Sesshoumaru fazia escoar sua produção de aço.

Mais adiante ficava o acesso para a cidade e foi com alívio que Sesshoumaru deixou a auto-estrada para entrar na avenida prin­cipal. Procurou por um hotel e avistou. Esta­cionou diante dele, embaixo da marquise alongada que dava proteção aos hóspedes de chuvas intensas como a daquele dia, e soltou o cinto de segurança ao ver que um dos recepcionistas do hotel já vinha ao seu encontro.

Sesshoumaru colocara um homem, uma espécie de espião, no de­partamento fiscal da firma de Norman, havia alguns meses. Esse homem estaria com ele nessa noite no hotel, para jantarem e conversarem sobre o que estava acontecendo na companhia. Era apenas uma questão de tempo para que ele soubesse de tudo em detalhes.

O pior da tempestade passara, e ela se movia para o Leste, levando as nuvens tenebrosamente cinzentas pelo céu, para bem longe dali. Agora, a chuva era bem mais fraca, embora ainda persistisse. Mais uma vez, Sesshoumaru permitiu-se um sorriso.

Se fosse um homem supersticioso, poderia imaginar que a perseguição daquele temporal a ele fora alguma espécie de sinal do destino, talvez lhe mostrando uma grande turbulência adiante.

Mas, felizmente, ele não ligava para crendices desse tipo. Também não temia turbulências em seus negócios, muito me­nos qualquer tipo de confronto. Trabalhara muito e com afinco, sacrificara muitas coisas e fora forçado a fazer concessões para chegar à sua atual posição. Era um homem de convicções fir­mes e sabia disso. Nada pedia, e cedia a poucos.

Estava disposto a fazer o que fosse necessário e possível para salvaguardar sua própria companhia e a outra, que até bem pou­co tempo, mantivera um excelente padrão de competência.

Saiu do carro e entregou as chaves ao rapaz que viera rece­bê-lo. Em breve saberia até que ponto o padrão de excelência da Companhia de Instrumentos Cirúrgicos Horisawa havia se de­sintegrado.


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Notas finais do capítulo

Jamais imaginei o nosso príncipe vindo de uma família tão humilde... bem eu achei muito bom tirar a mesmice que há na maioria das fics...
Esta adaptação ficou bem interessante, pois não se passa no Japão e ele não vem de um berço de ouro... conquistou tudo com muito sacrificio e dedicação, e ainda praticamente criou o irmão que no original detesta.
Espero que estejam gostando... em breve postarei os próximos capítulos.



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