Não Sei mais Viver sem Você escrita por Dumpling


Capítulo 6
O passado de Ryo




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         Mas nada, nem a depressão nem o esgotamento poderiam prever minha atitude.

         Capítulo 6 – O passado de Ryo

        - Ryo… - me levantei lentamente da cama aconchegada e me dirigi a ele de porte largo, naquele momento com apenas calça de pijama. E, simplesmente, o beijei.      

        Não, não era o beijo habitual como o de Mamoru, era pura adrenalina que corria em minhas veias naquele momento. Era tão estranho… Sentia o desespero naquele beijo, e esperava que ele não o sentisse. Pouco depois, ele traçou seus braços nas minhas costas e me puxou mais para si. Sentia aquele corpo junto do meu, e a sensação de proteção me invadiu, me levantou como se eu fosse uma pluma e, gentilmente, me deitou na cama. Até…

        - Mamãe? – Rini me despertava da asneira perfeita que eu tinha acabado de cometer, ou quase... Ryo se removeu em menos de 1 segundo de cima de mim, arrumou sua postura e olhou Rini sério. – Tenho fome.

        - A esta hora Rini? – A olhei torto, seria mesmo fome ou nós teríamos feito algum som sem perceber? – Anda. – E Ryo veio junto também.

        Eu sabia que não tardaria para ela falar alguma coisa do que tinha acabado de ver. E eu não conseguia enxergar Ryo, apenas olhava Rini enquanto ele lhe colocava o pote de bolachas na frente e eu aquecia uma caneca de leite.

        - São suas preferidas, certo? – Ele a mirava com receio.

        - Sim. – E fez uns minutos de silêncio até estalar o plim do microondas. – Posso chamar você de papai?

        Eu já bem que esperava… A inteligência prematura não era um traço meu, sem tirar nem pôr, eram de Mamoru. Ele mesmo me havia dito numa conversa de café da manhã que, desde muito cedo, questionava o mundo e o seu vocabulário era perfeito.

        - Rini, eu não sou seu pai. – Agora eu o conseguia olhar, estava sério mas seu ar um pouco desalinhado, não o faziam parecer.

        - Estava beijando mamãe. Apenas papais e mamães se beijam.

        Tchan-nam… eu sabia que seria uma longa conversa para aquela hora e ocasião e logo evitei uma dura confusão na cabeça da pequena.

        - Rini, falamos isso amanhã. – Entretanto ela terminara as bolachas e o leite – Agora, cama.

        E Ryo a foi deitar enquanto eu me sentava na sala tentando entender o que se tinha passado na minha cabeça para o que acabara de acontecer.

        A imagem de Mamoru vinha à minha mente. E meu coração aquecia imaginando aquele olhar, idêntico àquele que eu via todos os dias em Rini, porém, eram olhos com personalidade. Era o que eu costumava dizer… neles eu conseguia ver preocupação, amor e tristeza se eu me sentia em baixo; e alegria, brilho e paixão se eu me sentia feliz. Parecia sua voz soando na minha mente Você vale mais que isso, quando recordava o que acabara de acontecer. Vários flashs de momentos com ele passavam na minha mente, o que acabou me cansando como se tivesse tratado de 15 montes de papelada num dia… e ali adormeci.

        Na manhã seguinte, senti minhas almofadas e mais umas quantas à minha volta como uma princesa. E o cheiro de tarte de maçã inundava toda a casa. Desci pé-ante-pé para puder visionar tudo bem, sem que ninguém me percebesse. Ryo continuava com a mesma roupa, ou falta dela, da noite anterior mas todo sujo de farinha: pelo cabelo, face, pelos braços, mãos, calça do pijama… e olhei minha Rini, exactamente igual, rindo contagiantemente.

        Ryo parecia explicar a Rini como dispor a decoração pela tarte quando me apercebeu:

        - Espiando sem ajudar? – Riu enquanto se dirigia até mim. Temia que ele quisesse falar da noite anterior. – Assim não é muito justo. – E me atirou com farinha por todo o cabelo parecendo neve. Rini ria alto e eu o fulminava com o olhar.

        - Eh! Espiando não. Apenas estava tentando perceber que cheiro era esse.

        - Me soa o mesmo que espiar. Rini queria saber como se fazia a tarte da Branca de Neve, e eu lhe ensinei.

        E era a melhor tarte de maçã que eu já comera em toda minha vida. Cada pedaço de maçã continha amor e alegria em estado puro.

No entanto, o dia piorou um pouco mais tarde… Tudo tinha saído das caixas, tinha sido arrumado e posto em lugares certos. Uma, no entanto, permanecia no lugar, naquela pequena dispensa. Intacta. Era tudo de Mamoru: presentes, mesmo aquele último de Natal, cartas, bilhetes de todo o cinema que tinhamos assistido juntos, fotografias e mesmo cartas escritas por mim. A caixa permanecia naquele exacto local, e eu nunca lembrava dela, à exceção desse dia… Uma folha estava caída junto da caixa, mas ela sempre estivera ali para eu a esquecer… E, naquele momento, eu pegava a folha, e li. Era uma carta escrita por mim, durante minha gravidez, num momento de saudade e aperto no coração.

Um dia senti que o ia esquecer e deixar suas memórias para trás. As memórias de quando me amava intensamente e eu hesitei. E quando eu o amei e você se sentia confuso, bateu com a porta no meu coração. Você voltou e disse que a vida dá muitas voltas... E sua volta não tinha ponto de partida nem chegada: era a meu lado que queria estar, ou assim você dizia… Depois, deu de costas para nunca mais retomar. E tentei amar além de si, além dos seus olhos, além do seu coração... Foi a partir dessa decisão que enxerguei a realidade e soube que todos aqueles não eram seu reflexo. E, sem si, não passo do que julgam ser apenas uma mulher que não precisa de ser amada, apenas dar amor. E voltei atrás, para o que um dia tive com você, para o que senti e não sei se voltarei a sentir. E a dor permanece... Saiu ilesa de minha batalha com ela e a cicatriz não sarou... E aqui estou, sem si, ao passado presa... Perpetuamente.

Não consegui questionar Ryo durante todo o dia. Afinal, nossa programação era de um dia bom: ir a meus pais e passear com Rini. E assim foi, mas a curiosidade cutucava em toda a parte de meu cérebro. E não tardou muito a ele me estranhar…

- Está assim por causa da carta? – Raios, mas ele tinha algum identificador de sentimentos atachado a si?! Desviou os olhos da estrada para me ler, enquanto eu, surpreendida, voltei o olhar de Rini dormindo na cadeirinha para a frente sem nunca o encarar. – Eu entendo, e lamento, sei que não devia olhar suas coisas mas ia levar a caixa dali quando ela caiu, parece que eu por muito que a queira conhecer melhor, você sempre me empurra para trás.

- Não tinha mal ler. E sinto muito Ryo, mas não o quero fazer sentir mal… e, se você conhecer tudo sobre mim, certamente me irá querer afastar. Como todo o mundo…

- Usako, - Não… ele tocara no ponto mais fraco de mim. Se eu tivesse em pé, minhas pernas ficariam bambas. Ele um dia já me havia chamado por… esse nome… e eu lhe pedi que nunca mais o fizesse. – eu não a afasto, pelo contrário, você sabe o que sinto por você. Mesmo que você não queira mais ninguém que não ele, eu vou estar aqui por você. Nunca julguei ninguém, a menos que tivesse numa sala de tribunal, quanto mais a si…

- Ryo…

- Lhe peço que me oiça… - Interrompeu colocando sua mão no meu colo. – Eu leio seu olhar, você sabe. – Oh não, porque é que a casa de meus pais não eram mais perto? – E sei que esse Mamoru a fez sofrer como ninguém merece, e o amor é algo que supera a distância… Veja só, será que o amava a ponto de conseguir agüentar um tempo com Rini dentro de si e ele longe fazendo sabe Deus o quê? Admita que, no fundo, você sabia que isso não era um impedimento dele ir, então, algo já tinha morto o vosso amor. E quando o voltou a ver, você soube isso… Soube que a fúria o podia atingir, sem menor respeito podia atingir seu calcanhar de Aquiles. – Parou o carro na garagem e me olhava, e eu continuava olhando em frente, nesta vez, para os troféus ali expostos. – Também tenho o meu, - Engoliu em seco. – eu nunca disse isso para ninguém, nem mesmo minha mãe que me viu tão em baixo na época, mas tenho apenas 25 anos, e não me tornei bom advogado pela sensibilidade, mas sim por saber ser frio em certas situações. Quando preciso ser assim, eu penso… - Olhei-o para ver seu gesto, mordia seus lábios com um quê de raiva. – Penso na Misaki. Eu também tenho um passado, e ela o tornou muito doloroso… eu tinha 19 anos, estavamos fazendo 4 anos de namoro… Eu não tinha aproveitado minha adolescência, mas não me importava, tinha-a a ela, embora ninguém pudesse saber de nós pois meus pais eram muito conservadores, bem como os dela… E, naquele mesmo dia, ela decidiu me congratular… Não vacilou, olhou bem nos meus olhos, estava tudo bem e aquele olhar dela brilhava, logo, eu não podia esperar nada de mau dali, certo? Disse-me que tinha as malas feitas e que ia para a Itália para sempre... Pior, não me avisou, não disse que eu poderia ir com ela… porque ela já tinha companhia: Jun, meu irmão.

Olhei-o perplexa. Seus olhos marejados. Guardara tudo aquilo para ele durante anos, tinha sua história em comum com a minha, porém, traído por alguém de sua própria família… Ele parecia que ia desabar a qualquer momento e, calmamente, lhe pedi que terminassemos a conversa em casa. Após deitar Rini, ele esperava em seu quarto já em pijama, sentado, com as mãos na cabeça servindo de apoio. Sentei do seu lado, pronta a ouvir e questionar, mas ele ficava em silêncio…

- Ryo, lhe posso perguntar se seu irmão alguma vez o contatou?

- Várias vezes, - Me olhou melancólico e depois pegou minha mão como se fosse um entretém, brincava com seus dedos nos meus. – em vão. Eu não o queria ouvir, sequer queria imaginar aquela voz. – Olhou-me bem fundo, naquele jeito que me conseguia fazer perder. – Suas mãos são tão suaves… como seus olhos. Nunca teria conseguido falar isso para ninguém se não fosse esse seu jeito. Eu entretanto falei com ele, continua em Itália… sempre que vem ao Japão ver meus pais eu me recuso a ir, bastou a primeira vez que os encarei e ela tinha por todo o seu corpo pena. Eu leio olhares, é terrível como desenvolvi essa capacidade desde que ela partiu, sou um jeito de Dr. Lightman* - Sorri com a menção daquela série que nos punha colados ao ecrã, para depois adormecermos na sala, porém, aquela capacidade não me espantou, e eu mesma era assim com Mamoru. – E ele veio aqui falar comigo e, como sempre, eu sou dos 4 o irmão mais novo, então tinha de compreender tudo o que eles diziam… mas mesmo ele sendo meu irmão mais velho, nunca teve um comportamento exemplar... Raramente confio em alguém… Quando Shinta traz aqui minha sobrinha, em almoços de família, sempre tenta puxar assunto tipo Já ligou a Jun? E calculo que ele saiba o porquê… mas não entendeu nunca que era um assunto que me fazia sofrer. Usa, eu compreendo o que você sente… creia em mim, perdi minha adolescência, saídas de amigos, experiências da idade… para uma mulher. E nunca mais amei alguém… Até ver uma bela loira reprimida defronte uma empregada de café. Tão perfeita… Você emana calma, confiança, luz e uma pureza como ninguém.

Sua voz ia suavizando à medida que falava de mim.

Ah, sim… era o que estava precisando de ouvir. Música para meus ouvidos, seja. Sequer precisamos de conversar sobre a noite anterior porque 5, 4, 3, 2, 1… plim! A noite anterior se repetia. Mas agora não tinha uma Rini esfomeada que não batia na porta educadamente… era apenas eu e ele… num nós perfeito.

Sentia o seu beijo de conforto e seu toque em minha pele me arrepiava. Paramos e falamos de coisas que nos fariam esquecer a dor, sempre de testa encostada com a dele… No quão tinhamos sofrido, e o quanto mereciamos a felicidade. E me entreguei para ele, de corpo e alma.

E pela manhã, os raios de sol batiam na janela após uma noite de trovoada. Tudo soou no devido lugar. Esquecendo o passado e seguindo em frente, era o que aquele momento significava. Não mais Misaki nem Mamoru para nos apertar o coração de lembranças que nos impediam de seguir... Ele me olhava calmo, a vermelhidão no seu olhar passara, a dor tinha escorrido por seus olhos. E permanecemos em silêncio, ele brincando com meu cabelo e eu olhando naquele olhar verde esmeralda… Até ouvir Rini gritando por nós. Então sorrimos, vestimos os roupões e descemos.

.Mamoru.

Aquela noite de sábado era essencial para mim.

Tomara a decisão de fazer essa rotina, que não poderia falhar a menos que Usako voltasse, assim que chegasse a Tóquio: sentar na cadeira da grande sacada a partir das 10 dessa noite, junto da mesa que apoiava o café, observando o movimento sempre acelerado da grande cidade.

Era a hora em que me dedicava a olhar para meu interior, meditando. E aquela tarde do dia anterior com a estridente Allison me tirara do sério. Ela era capaz de tudo… e provara isso exatamente. Mas como dizer a uma mulher que não é amada por quem ama? Ou fosse lá o que ela sentia… Era meu problema… eu nunca o tinha feito, pois apenas havia pronunciado um Amo-te para uma mulher só, a mesma que amava fazia séculos, amo agora e iria amar sempre.

Mas bastaram segundos para toda a calma desaparecer. Um número desconhecido aparecia na tela do celular e eu jurei a mim mesmo que se Motoki tivesse dado meu número a Allison, ele seria um homem morto. Após atender, percebi que o que temia se tornara real e, sem paciência, respondi brutamente que não tinha tempo para brincadeiras, que não tinha direito de pedir meu contato a Motoki e ia desligar.

- Ora meu amor, calma… seja brando por favor. Motoki me deu seu número porque eu acho que somos os dois grandinhos, e sabemos falar de nós sem recorrer a intermédio de seu amigo, certo?

- Certo, agora apaga o número e volta para Harvard. – Respondi impaciente, logo na hora que eu queria descanso vinha essa… - Ou para Chicago, seja. Mas vai!

Simplesmente não aguentava mais aquela voz tipo sarcástica.

- Oh, que pena… - Suspirou. – Logo eu que sei onde está a Tsuki… Tsu, ki, no… Isso! Tsukino.

- O quê!? – Como podia ela saber onde estava ela? Motoki nunca seria burro a ponto de lhe dar sua localização, corria risco de ela me vir logo dizer… então, de que outra maneira podia ela saber? Mas também, porque mentiria ela? – Você sabe onde está a Usagi?!

- Usagi, - Dizia seu nome soletrando, e em americano, ficava algo parecido com “you sai jai”. – a menina também nada idêntica ao vulgar no seu país, imatura, loira, cara de boneca com um penteado género anos 50 pela foto… sim. Ah e que nome idiota esse… de tanto nome vosso que já ouvi.

- Me diz onde, por favor! – Ignorei suas insinuações à mulher de minha vida, só queria a resposta!

- Não soe tão desesperado. E idiota. – Riu suspirando. – Está achando que lhe vou dizer do nada por celular? Keep dreaming, darling*.

- Allison, por favor, me diga.

- Mas você me toma por idiota?! Claro que não tenho uma informação dessa e lhe vou dar de mão beijada! Me diga você onde vive, e eu vou até aí… tudo tem um custo, logo logo você descobrirá qual.

- Certo, - Que queria ela, qual sua intenção para vir a meu apartamento? - eu lhe digo onde vivo. Desde que prometa que me vai dizer onde!

- Prometo, honey.

Continua

*Dr. Lightman – Série “Lie to Me”

*Keep dreaming, darling: Continue sonhando, querido.

Notas finais:

Espero que tenham entendido a localização temporal. Na tarde de sexta foi o reencontro de Allison com Mamoru no Acrobe e na noite do mesmo dia, foi quando Usagi cometeu sua loucura. Sábado quando a comete de novo e, por seu turno, e como explicado, quando Mamoru está na sacada. Espero não ter sido confusa.

         Aproveito para dizer que o texto que Ryo encontra, fui eu mesma que escrevi, apenas adaptei para o conteúdo da história, ainda que com umas quantas alterações.

      


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