Não Sei mais Viver sem Você escrita por Dumpling


Capítulo 3
Liberdade




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Capítulo 3 - Liberdade

        Sabe quando se sente presa a algo e, por muito que tente não se consegue libertar? Bem, era o que eu sentia em relação a essa última mensagem. Não tirava os olhos do celular por um segundo, mesmo o conteúdo ser simples, claro e nada de grande alarme.

        Fui ensinada, ao longo de muitos anos, que devia ignorar o que não importava, jogar fora o que apertava o coração, contando até dez e andando de uma extremidade de uma sala a outra, mas havia certas coisas na minha vida que não eram simples de esquecer em breves segundos. Sentia três pressões em cima: minha mãe tentando sempre arranjar maneiras de me dar dinheiro, Mamoru que voltava e agora esta mensagem… Era tudo demasiado para mim e sentia que minha cabeça ia explodir. Espera lá, mas que mal tinha eu feito este ano para receber isto na minha vida?! Eu não pedira para Mamoru voltar, muito pelo contrário, depois de o esquecer para que pediria para ele voltar?

        Enfim, não queria nem conseguia pensar mais nele. Me concentrava na mensagem, Ryosuke, ou como todos lhe chamam, Ryo a havia enviado. Ryo: advogado na empresa em que eu trabalho como secretária de uns meses para cá. Ryo foi a primeira pessoa realmente simpática com que eu me deparara no primeiro dia após a formação. Sentia que era cada um por si, e que por muito que eu precisasse até de um segundo que fosse para ir no banheiro, era impossível, o advogado para quem eu trabalhava era demasiado nervoso e parecia descarregar tudo o que sentia em mim, de espírito leve aceitei todas as palavras, chegando no final do dia a implorar por um café para agüentar mais uma noite sem dormir. Me dirigi na cafeteria e minha chávena vinha com marca de batom e, desde muito nova que eu ficava com pele de galinha com situações assim, digamos… pouco ou nada higiênicas. Pedi então para ela trocar e ela me disse ‘é só um pouco de batom, e então, você não usa?’ e, brava, deitou o café no lavatório barafustando de eu ser apenas uma secretária e que eu devia tirar meu próprio café. Não a consegui encarar e baixei os olhos para minhas mãos em cima do balcão, colocou a chávena na minha frente e movi minhas mãos para apanhar a chávena quando ele colocou a mão por cima da minha e disse para ela ‘Troca imediatamente a chávena por uma bem limpa para essa senhora que mesmo sendo secretária é superior a você, está aqui como cliente e, tanto quanto sei, merecem todos ser tratados como iguais. Por isso, se não quer perder seu emprego, é bom que sirva outro café numa chávena limpa e com a delicadeza que esta senhora merece’. E assim o fez, ainda baixando a cabeça, nervosa dizia ‘Peço imensa desculpa, doutor’.

        Eu disse a Ryo que não precisava de tanto e ele disse que precisava pois não admitia que ela apenas passasse minha chávena por água sem a lavar e me tratasse da maneira grosseira que tratou quando eu fui gentil. Logo me encantei, apenas por não sentir proteção há muito, e sorri como há muito não fazia sem ser com Rini, se sentou comigo numa mesa e conversámos um pouco. Alguns dias depois, vi meu emprego em risco quando o advogado para o qual eu trabalhava havia sido despedido, mas Ryo logo no dia agiu dizendo que precisava de uma secretária, ao que todos se surpreenderam pois ele sempre havia dito que dispensava ajuda num trabalho que o realizava. Assim, comecei trabalhando para ele e tudo corria com muito mais calma, apesar de, por vezes, sentir uns olhares estranhos dele sobre mim. Quando a ama de Rini não podia nem mesmo minha mãe, ele permitia que eu a levasse e brincava com ela como nem eu por vezes sentia capacidade de o fazer.

        Começou a tornar-se uma pessoa regular nos meus dias, uma visita em minha casa, e eu pouco a pouco tomava consciência da influência que poderia ter na vida de Rini. E esse dia chegou mais breve do que eu pensava, quando Rini me perguntou porque eu tinha mãe e pai e ela não, engoli em seco, e antes de poder responder o que fosse, ela me perguntou ‘Meu pai é Ryo?’ e, sem mais, decidi que para não iludir Rini tinha de afastar Ryo da minha vida pessoal, não me podendo dar ao luxo de desistir da minha vida profissional. Quando o fiz, ele admitiu que tinha sentimentos por mim. Mas eu não. Atração, talvez, afinal Ryo era um homem lindíssimo de curto cabelo castanho e olhos verdes, com uma estatura musculada por baixo do terno e bem mais alto que eu… Mas não passava disso mesmo.

        Isso havia sido um mês atrás. Trabalhar com ele era uma constante pressão, sabia que ele me olhava a todo o momento e que eu ignorava, mesmo cada toque quando me dava algum documento passando sua mão na minha.

        Sua mensagem dizia «Feliz Natal para as duas pequeninas mais doces deste Universo. Sei que é demais, mas este ano estou passando meu Natal sozinho e gostaria de saber se, como amigos, não gostaria de vir com Rini no dia 26 para um simples jantar, repito, de amigos. Espero resposta. Beijo». Surgiu então novamente uma tempestade na minha cabeça… Sentia pena de ele passar um dia tão especial sozinho e que eu podia fazer algo, mas também sentia que mesmo por ser uma época especial passada em família, ainda que um dia depois, passá-lo com Rini junto podia soar estranho…

        Odiava minha confusão de idéias… mas, ele durante muito tempo era o único amigo que eu tinha, visto que minhas amigas também seguiam a sua vida de estudos, e, quem sabe, eu poderia desabafar com ele sobre a vinda do pai de Rini.

        Então respondi positivamente e passado o dia de Natal fui ter com ele.

        Abriu a porta com um sorriso terno e sincero, eu sabia que o era, e logo começou fazendo gracinhas com Rini.

        - Como você está Usa? – Desviava minha atenção das cócegas que Rini recebia no colo dele para sua face encantada com ela – Não sei porquê, mas me parece um pouco em baixo…

        - Não é nada não. – Decidi por ora desviar conversa já que Rini ali estava. - Então, e foi você quem preparou a janta ou mandou vir?

        - Ah, - me indicou a cadeira, sentando Rini numa cadeira alta, que na hora eu me perguntava onde ele a havia arranjado mas logo ignorando o pensamento – vai ter de provar para ver.

        Ia então até à cozinha e voltava trazendo uma travessa com um cheiro delicioso.

        - Não quer ajuda?

        - Usa, afinal, quem é convidado aqui? – Sorriu tirando a tampa da travessa – peixe com batata no forno. Rini já pode comer, peixe não?

        - Poder pode – ria enquanto Rini fazia careta – só não gosta, tem de aprender a gostar. Você que fez?

        Descobri que sim. E que até Rini gostou, depois de ele cuidadosamente verificar que não tinha mesmo nenhuma espinha e lhe dar ele próprio. Depois da sobremesa, Rini foi brincar com umas quantas bonequinhas na sala o que, novamente, estranhei. E ele pareceu me lendo pensamentos.

        - Meu irmão tem uma filha e muita vez ela vem cá e, como menina mimada do tio que é, tem mesmo um quarto dela aqui. Era nisso que estava pensando, certo?

        - Acertou. – Sorri de leve para ele. – Que sobrinha sortuda, ein.

        - É Usa, mas sinto sempre a falta dela. Uma criança muda completamente uma casa por muito silenciosa e escura que seja, a ilumina e lhe dá um som lindíssimo.

        Decidi então enfrentá-lo com algo que me havia ouvido na empresa.

        - Desculpa perguntar Ryo, mas… o que se conta, é verdade?

        - Infelizmente sim, Usagi. – Todos na empresa pareciam saber a real história de Ryo que quatro anos atrás, havia enfrentado seu primeiro caso como ainda estagiário. Uma criança que era mal tratada por seus pais e que por três vezes fora a tribunal, Ryo junto com o advogado que trabalhava, a tentara tirar aos pais e colocá-la num local que toda a criança merece, de paz e felicidade, mas toda a vez a mãe se desculpava e dizia que ia largar o álcool. Ryo, como só cuidara do caso como estagiário, se oferecera para ir com a assistente social na casa deles e se apegara ao menino, revendo-se a si mesmo, pois seu pai também era alcoólatra quando ele era criança, o que o espantava era o caso ser de dois pais viciados em álcool e drogas, mesmo um pai que ele via raramente toda a vez sovava na criança. Ryo sentiu sempre uma necessidade enorme de salvar o menino e, após a primeira vez, numa das visitas viu marcas no seu corpo, bem profundas. Mas, como na primeira, a mãe fez promessa no tribunal e mostrou que sua mãe ia tomar conta do menino enquanto se tratava. Bastou algumas visitas e muito apego de Ryo pelo menino, dias depois a criança fora agredira pelo pai violentamente e havia morrido. Ainda como estagiário, Ryo entrou numa enorme depressão, sentindo que lhe tinha fugido alguém que ele podia salvar.

        E, pela primeira vez, vi lágrimas na sua face. Desabafou e, ficamos horas conversando, até Rini adormecer no sofá.

        A conversa foi mudando tema e acabamos rindo de um trambolhão que uma advogada dera.

        - Por vezes, só nos conseguimos rir dos males dos outros para aliviar os nossos já notou? – Sorriu para mim e acenei, sorrindo também.    – Mas você não está bem Usa, que se passa?

        - Nada não Ryo, está tudo bem.

        - Não minta para mim, diga sinceramente. Há algo que não está bem com você e vai além das noites sem dormir.

        - Bem, Ryo… - decidi lhe abrir o coração como ele abrira o dele. – Tem duas coisas… Que não sei bem que fazer.

        - Diga. – me ofereceu um copo de vinho e, pelas horas e por Rini dormindo profundamente como não fazia há muito no enorme conforto daquele sofá, entendi que não ia dormir a casa, então aceitei.

        - Primeiro, ouça isso apenas como amigo, por favor, e não como advogado – acenou que sim e continuei – tenho passado dificuldades, a roupa de Rini vai deixando de servir, como deixa de ser bebê as pessoas deixam de oferecer roupa e tenho tido que comprar, cada vez mais, pois a cada dia cresce, e todo o dinheiro tem ido para ela… o sítio onde vivo me pede uma renda naturalmente, e sinto dificuldade em a pagar, com ainda gastos do carro, água, luz, gás e tudo o mais. Se não fosse o subsídio de natal eu nem podia mesmo dar uma prenda a Rini, e ia estragar a tradição de natal. A diferença é que antes estava na casa da minha mãe… quis ganhar a minha independência e mostrar que era capaz, mas neste momento começo duvidando… E minha mãe insiste em…

        - Me desculpa interromper, mas então é esse o motivo de você vir emagrecendo mais e mais de dia para dia?

        - Ryo, eu me alimento. Claro que não muito bem, mas mal sinto apetite. E, como eu dizia, minha mãe insiste imenso em me dar dinheiro mas eu também sinto o meu orgulho, entende?

        - Claro Usa, quis sua independência, e isso não é errado. Mas o pai de Rini não ajuda? Desculpa tocar no assunto, nunca perguntei por ele mas sempre pensei que podia estar passando melhor com sua ajuda.

        - Não…

        - Como não Usa?

        - É o meu outro problema – desvaneci em lágrimas e ele rápido me abraçou e acalmou. – Ele não sabe, e agora voltou.

        Vi seu olhar confuso e cruzou os braços sem perceber o que se passava.

        - Como não sabe? Rini tem dois anos, não a viu com barriga sequer?

        - Não. Quando eu lhe ia dizer ele anunciou que ia para os Estados Unidos estudar medicina e eu fiquei furiosa porque não podia ir com ele com um bebê na barriga nem muito menos pensar em pressões. Dai Rini ser uma criança hiperativa, e nem imagino como seria se eu tivesse continuado com ele. Agora, me preocupo. Não sei como, ele sabe onde vivo, e eu tenho medo que ele me tire Rini, eu sei que ele é bom homem, mas e se deixa de ser assim que descobre e faça de tudo para me tirar ela?

        - Bem… não lhe vou mentir, como advogado, sei que isso pode muito bem acontecer. Sobretudo sendo um médico, como disse. Não lhe quero pôr medos, mas é real. Lhe ocultou de qualquer maneira…

        - Sei. E descobriu onde vivo. Não sei que fazer… Por momentos só queria um refúgio bem longe.

        Ryo olhou para Rini, se levantou e foi ajeitar suas cobertas. Se sentou do seu lado e me olhou.

        - Usa… e porque não fica aqui?

Continua.


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Notas finais do capítulo

Obrigada Darin e Jaque ^.^ São mesmo uns amores :D E é por vocês que tenho continuando a postar.



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