Saga Sillentya: Lágrimas da Alma escrita por Sunshine girl


Capítulo 17
XVI - A Outra Face da Verdade


Notas iniciais do capítulo

FINALMENTE APAREÇO POR AQUI!

E AGORA OS AVISOS:

ESSE CAP. PODE CAUSAR GRAVES DANOS CEREBRAIS, PERDA TEMPORÁRIA DE MEMÓRIA, E INSANIDADE, ALÉM DE SURTOS NA FRENTE DO PC E QUEDAS E CAPOTES DA CADEIRA, ENTÃO DEIXE O SEU MÉDICO DE PLANTÃO E AO PERSISTIREM OS SINTOMAS, O PSICÓLOGO DEVERÁ SER CONSULTADO!

BOA LEITURA, DIGO... BOM CAPOTE!



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Capítulo XVI – A Outra Face da Verdade

“Sors immanis

Et inanis,

Rota tu volubilis,

Status malus,

Vana salus

Semper dissolubilis,

Obumbrata

Et velata

Michi quoque niteris;

Nunc per ludum

Dorsum nudum

Fero tui sceleris”.

(Nightwish – Tristania)

- Não tema, Agatha, eu vim para lhe ajudar. Eu vim para lhe contar toda a verdade.

Encarei a garotinha, os cabelos louros e dourados esvoaçavam ao vento, e mechas delicadas atravessavam seu semblante, ocultando parcialmente os seus olhos negros e profundos - tão negros quanto ardósia.

Ergui-me sobre aquele vale desértico, permanecendo ereta e rígida, ouvindo o vento rude sibilar em meus ouvidos, quase como se estivesse sussurrando neles.

O tecido da túnica branca e quase celestial que a garotinha trajava, cobrindo todo o seu corpo frágil e miúdo, também era bruscamente agitado, produzindo grandes ondulações no pano claro e leve. Seus braços finos encontravam-se repousados na lateral de seu corpo, e a pele alva como alabastro parecia tremeluzir sob o pequeno mormaço que incidia por todo aquele imenso vale.

Montanhas cor de terra-cota despontavam no horizonte, cercando toda aquela região, circulando-a, e nuvens cor de lavanda deslizavam preguiçosamente pelo céu leitoso e opaco.

O terreno era rochoso e trincado sob meus pés, como a terra que anseia e clama pela graça da chuva. Eu vacilei, meu corpo tremulou, e eu tive de tentar assimilar novamente os fatos.

- Quem... Quem é você?

Os lábios rosados da garotinha curvaram-se em um sorriso inocente, mas que certamente acobertava algo por trás, algo maligno. Ela levantou seu braço fininho, envolto pela túnica branca e larga, sua mãozinha delicada pendeu na minha direção, a palma virada para cima.

- Eu vim para lhe ajudar, Agatha. Confie em mim. – pediu-me ela, e meus lábios entreabriram-se enquanto eu arfava.

- Confiar... Em você?

 Os olhos negros e redondos da garotinha iluminaram-se, e novamente um sorriso emoldurou seus lábios rosados e delicados.

- Estou aqui para lhe contar a verdade...

Encarei o solo rochoso e seco daquela região. Meus punhos cerraram-se. Novamente, aquela história repetia-se. Eu não tinha dúvidas quanto à garota ser um Devorador de Almas disfarçado. Mas, embora eu dissesse a mim mesma que eu não deveria confiar naquela sinistra e inocente figura, havia uma parte dentro de mim... Uma que estava loucamente desejosa por toda a verdade.

Fitei a pequena mãozinha espalmada, apenas aguardando que eu depositasse minha confiança inteiramente nela.

- Venha comigo, Agatha, e lhe contarei absolutamente tudo.

Foi o que bastou para me convencer.

Meu pé, vacilante, moveu-se, e mesmo trêmula, minha mão encaixou-se na da garotinha loura. Minha palma roçou na dela e um aperto suave e gentil selou minha decisão: eu finalmente descobriria a verdade. A garotinha riu, um riso tão leve quanto sino de ventos.

Seu cabelo ondulado e brilhante foi novamente atirado por sob seu semblante, e um lampejo de algo sinistro e tenebroso faiscou em seus olhinhos negros.

- Você não se arrependerá disso, Agatha. – prometeu-me ela, solenemente. – Agora, venha comigo.

Ela virou-se, deixando que o vento incessante brincasse com as ondas douradas de seu cabelo de outra forma. Meu próprio cabelo agitou-se, lançando uma cascata negra em meus olhos.

E ela começou a andar por aquele vale desértico e sem qualquer sinal de vida. Eu a segui, a suave pressão de sua mão na minha, guiava-me rumo à verdade. E isso me encorajou a ir em frente ainda mais.

A garotinha estacou diante de um imenso desfiladeiro, cadeias e mais cadeias de montanhas erguiam-se majestosamente do solo rochoso, cercando uma imensa depressão mais abaixo como muralhas instransponíveis e indestrutíveis.

Seus pés nus roçavam na terra seca, e ela meneou a cabeça para que eu juntasse-me a ela. Ainda de mãos dadas à garotinha, eu aproximei-me, e deixei que meus olhos recaíssem sobre o imenso desfiladeiro abaixo de mim.

Meus pés chutaram alguns pequenos cascalhos, produzindo pequenos ruídos, que acabaram por me despertar. Olhei para baixo, apenas a tempo de ver a que altura estávamos exatamente. Toda aquela depressão parecia miúda aos meus olhos.

Permaneci absorta naquela imensidão rochosa por mais alguns instantes, antes que a garotinha exigisse minha atenção novamente. Um vento rude e traiçoeiro percorreu os contornos rochosos das imensas montanhas, subindo o grande majestoso desfiladeiro e agitou meus cabelos novamente.

- Onde estamos? – perguntei a ela, ainda incapaz de assimilar os fatos.

- No que um dia seria a Mesopotâmia. – respondeu-me ela, calmamente. – Os rios Tigre e Eufrates não estão muito longe daqui, embora não sejam nem mesmo a metade do que um dia serão.

Deixei que a confusão tingisse todo o meu semblante.

- O que você quer dizer com isso?

A garotinha respondeu-me, ainda com os olhos presos à imensa depressão lá embaixo.

- Quero dizer que antes da guerra entre os espíritos liderados pelo humano Riguran e os antigos, não havia esperança, não havia vida... Tudo era incerto, a humanidade vivia cada dia de sua mera existência sem ter certeza do amanhã. Sem ter certeza se sobreviveriam... Os antigos eram forças poderosas que atuavam sobre tudo e todos, espalhavam o caos por onde quer que passassem, causando catástrofes, destruição, tragédias e principalmente, mortes.

- Eu já conheço essa história. – murmurei, semicerrando meus olhos.

A garotinha sorriu-me, expondo fileiras de dentes branquinhos e brilhantes.

- Eu sei disso.

Ela fez uma longa pausa, seus olhinhos negros recaíram sobre as cadeias de montanhas que nos cercavam. Mas o sorriso ainda emoldurava seus lábios rosados.

- O que você não sabe, Agatha, é que existe uma outra face dessa verdade, uma que você ainda não descobriu, uma que você não desenterrou...

- O que quer dizer com isso? – perguntei-lhe, erguendo as sobrancelhas.

- O que nós não conseguimos lhe mostrar antes, Agatha, naquela mesma noite, devido à interferência do Mediador é que existe uma outra lenda, uma que você não sabe, pelo menos, ainda.

- Isso não faz sentido... – sussurrei, minha voz baixa mesclando-se ao assobio do vento naquele desfiladeiro.

- Tem razão – ela concordou comigo –, não faz o menor sentido. Mas você precisa entender essa história trágica e violenta de todos os ângulos possíveis.

- Ângulos? – arfei – Que tipo de ângulos mais poderia haver essa história?

O vento sibilou novamente, lançando os cabelos dourados e brilhantes da garotinha em seu rosto, ocultando seus olhos. E mesmo assim – sem poder ver o seu rosto – eu notei uma certa tensão e ameaça presentes em sua voz.

- Então, talvez seja melhor que comecemos do inicio de tudo. Do ponto de partida exato.

Ela virou-se para mim, o cenho franzido, os olhos estreitavam-se suavemente.

- Agatha, eu lhe mostrarei toda a verdade, e dessa vez, nós não permitiremos que um Mediador interfira no processo de remoção do selo. Nós voltaremos agora, para aquela exata noite, a noite em que você olhou na face da morte pela primeira vez.

Eu pisquei apenas uma vez, e então, tudo ao meu redor pareceu ter sido sugado por um imenso rodamoinho, o desfiladeiro retorceu-se, dobrou-se diante da vontade dele. E quando dei por mim, havia sido transportada para outro ambiente, um que eu poderia reconhecer muito bem.

A sala de aula da South Hooksett High School, escura, vazia, silenciosa, assustadora...

Reconheci as fileiras de carteiras, todas reunidas próximas à parede, como se uma mão gigante as tivesse arrastado até lá, todas ao mesmo tempo. Só que eu sabia o que exatamente tinha causado aquilo.

As lembranças da noite em que vi os Devoradores de Alma pela primeira vez, da noite em que fui levada a crer que Tamara encontrava-se em perigo eminente, a noite em que descobri que tudo não passara de uma simples brincadeira de mal gosto, e que Becki Sunders tinha sido a responsável.

A mesma noite em que ela enlouqueceu por ter olhado para a face da morte. A mesma noite em que eu quase recebi o beijo que roubaria minha vida. Aquela noite.

A garotinha já não estava mais comigo, mas eu sabia que ela estava presente ali, naquela sala, mas em sua verdadeira forma; a pavorosa forma de um Devorador de Almas.

Meus pés moveram-se por conta própria, e eu estaquei apenas, quando pude visualizar meu próprio corpo, estirado sobre o chão frio, os cabelos esparramados sobre o piso branco e lustroso, os olhos cerrados, a face serena, como se estivesse cochilando, ou talvez em transe.

Um manto negro e gélido flutuava acima de mim, sua face tombava na direção da minha, os olhos encaravam-me sem nada dizer, e ela permanecia tão imóvel quanto uma estátua. Petrificada.

Eu sabia que naquele momento – em um passado não tão distante – ela mostrava-me a grande batalha que iniciou a rebelião dos humanos contra os Mediadores.

Eu lembrava-me do guerreiro valente, disposto a enfrentar um imenso exército de Escravos das Sombras completamente sozinho. E então, eu lembrei-me da dor insuportável que viera a seguir, interrompendo a visão da batalha que eu estivera tendo.

Permaneci fitando aquela cena até que o Devorador de Almas acima de mim estremeceu, como se tivesse levado um choque de milhões de volts. E aquele meu eu também abriu seus olhos, como se também tivesse recebido esse choque, seus olhos esbugalharam-se, suas costas arquearam sobre o piso lustroso e brilhoso.

Eu me retorci de dor e agonia no chão, gemendo, enquanto minhas unhas fincavam-se no chão, tentando encontrar alguma maneira de aliviar toda aquela dor agonizante.

E depois, com um movimento abrupto, a figura pavorosa curvou-se na minha direção, soltando um grito ensurdecedor, como se estivesse queimando em uma fogueira.

E ela recobriu meu corpo como uma capa, pelo menos, até que a porta da sala abrisse violentamente, produzindo um baque que ecoou por todo o prédio, e aparecendo então, uma figura que eu podia jurar nunca mais ver novamente.

Aidan.

Reconheci os cabelos negros e sedosos, a pele suavemente bronzeada, indicando-me que ele deveria passar algumas pequenas horas diárias sobre o sol forte de Nápoles, a cidade na qual ele costumava isolar-se. Os ombros largos, os músculos de seu peito, de seus braços, comprimindo a camisa que ele usava.

De seus olhos castanhos emanava uma fúria incontrolável e perceptível. Eles praticamente queimavam de furor. Ele sibilou através dos dentes trincados, passando por minha figura estupefata, como se eu estivesse invisível, e naquele momento realmente estava.

O ar agitou-se ao meu redor, e seu cheiro... Seu cheiro que tanta falta fazia-me, chegou até minhas narinas, onde eu o sorvi com a maior intensidade que pude.

Uma figura irrompeu pela sala atrás dele, seus cabelos eram louros e brilhosos, os olhos azuis como duas safiras. E a pele alva como marfim. Aquele era Michael Sundovall, o Mediador que ajudara Aidan a se livrar da presença dos Devoradores de Almas em South Hooksett.

O homem louro estacou, vendo que Aidan dirigia-se até as carteiras que me rodeavam naquele momento.

- Obrius danatar...

Ele sussurrou, retirando de dentro de sua jaqueta um pequeno frasco, com um conteúdo vermelho-escuro. E então, abruptamente, seus dedos moeram o vidrinho, eles cortaram sua mão, e o líquido vermelho escorreu pelos nós dos seus dedos, pingando no chão.

E só então reconheci ser sangue aquele líquido que estava contido dentro do pequeno frasco. E agora, o sangue de Michael e o sangue do frasco fundiam-se, pingando no piso branco, manchando-o. Senti algo se agitar em meu estômago.

Mas tive meus devaneios todos interrompidos, enquanto via a criatura que se curvara sobre o meu corpo soltar um grunhido assustador, debatendo-se violentamente, até esfumaçar no ar e desaparecer...

Vi quando Aidan empurrou as carteiras com uma violência exagerada, produzindo guinchos metálicos que permearam e machucaram meus ouvidos. Ele não se importou com mais nada, pegou meu corpo flácido e sem qualquer sinal de vida em seus braços, aninhando-me protetoramente.

Ele fitou minha face serena por longos segundos, antes de virar sua face para a figura silenciosa de Michael, que apanhava um lenço branco no bolso de sua calça e limpava o ferimento em sua mão direita.

- Ela está... – Aidan apenas iniciou o que me pareceu ser uma pergunta, e Michael o interrompeu, ainda limpando o sangue em sua mão.

- Ela está bem – respondeu ele, prontamente –, o selo continua intacto, a criatura não teve tempo de rompê-lo. Ela recobrará a consciência em pouco tempo.

Aidan pareceu relaxar, mas eu mantive-me confusa. Do que eles estavam falando?

Vi que Michael aproximou-se meio relutante de Aidan, como se temesse sua reação. Ele deixou que os olhos azuis safíricos recaíssem sobre meu semblante sereno e ergueu as sobrancelhas.

- Tem certeza de que quando a encontrou não duvidou de sua origem mesmo?

Aidan o encarou com uma expressão que me deixou receosa, parecia querer socar Michael ali mesmo.

- Não, eu não duvidei. – respondeu ele, calmamente.

Michael soltou um som de esgar, como se fizesse piada da situação.

- Isso é meio difícil de acreditar, a garota possui graça e pureza em níveis que apenas um deles poderiam apresentar. Não é algo que possa ser encontrado em qualquer esquina, é um estado de perfeição e divindade que somente os semelhantes como ela, possuem.

- Eu sei. – respondeu ele, monotonamente.

Michael sacudiu a cabeça, fixando seu olhar novamente em meu rosto adormecido e imerso em sonhos distantes.

- Ainda assim é difícil de acreditar que você não tenha deduzido a verdadeira origem dela. E, Aidan, você sabe que é algo extremamente arriscado mantê-la aqui. Devia levá-la até Ephemera, pelo menos eles podem oferecer proteção a ela.

Aidan cerrou seus olhos, discordando inteiramente da sugestão de Michael, como se eu soubesse o que poderia ser Ephemera...

- Você não entende, não suportaria se algo acontecesse a ela, não posso envolvê-la nessa guerra, então prefiro mantê-la aqui, pelo menos nessa cidade minúscula, Ducian jamais viria procurá-la.

- Bom, em todo o caso, é melhor você reconsiderar essa opção, aqui ela está bem menos protegida e a mercê de desertores com más intenções, você sabe que eles podem tentar utilizá-la para o Wayeb. E seu mentor também não a pouparia se a encontrasse, você conhece os jogos de Ducian e a forma como ele manipula as demais Tristezas. Se ele descobrir sobre essa garota, Aidan, não haverá escapatória. Ela provavelmente será levada até Sillentya e submetida ao segundo ritual de selamento. E você sabe perfeitamente como esse ritual termina...

Aidan cerrou seus punhos e trincou seus dentes em um som audível, ele estava irritadíssimo.

- Isso jamais acontecerá! – grunhiu ele – Antes que ele tenha ao menos a oportunidade de pôr suas mãos nela, eu o mato!

- Se você prefere assim... – murmurou Michael, dando meia-volta – Darei uma olhada nos dois lá trás, o rapaz parece bem, apenas inconsciente, mas não tenho tanta certeza quanto à garota, ela parece-me perturbada demais. O ritual já foi feito, os sangues irão se fundir, serão absorvidos pela terra, e banirão os Devoradores de Alma da cidade, mas eles ainda podem circular pelas redondezas, então é preferível que você apanhe logo esse desertor.

- Eu farei isso, pode ter certeza... – sibilou Aidan, ainda com os dentes trincados e o corpo enrijecido pela fúria eminente.

Michael retirou-se da sala de aula, deixando-me sozinha com Aidan, e então, uma luz ofuscante apoderou-se de minha visão, embaçando-a.

Tive de cerrá-los, e quando os abri novamente, a garotinha revelou-se para mim, e eu retornara para o vale desértico, cercado pelas cadeias de montanhas e o desfiladeiro. 

A garotinha elevou seus olhos negros até a minha face, sua expressão sugeria-me seriedade, cautela.

- Você compreendeu, Agatha? Não pretendíamos lhe fazer nenhum mal, queríamos apenas ajudá-la a superar essa forma inferior e frágil a que você foi submetida. Nós queríamos libertá-la.

- Libertar-me do quê? – perguntei, confusa e irritada, estava ficando cansada de toda aquela história.

A garotinha não me respondeu, tombou sua face para o lado, observando furtivamente o vale que se erguia lá embaixo, ladeado pelas rochas imensas e verticais que formavam uma espécie de contenção para ele.

- Antes que você saiba toda a verdade, é necessário que ouça toda a história que há por trás dessa guerra épica e milenar, que perdura até os dias atuais. Você deve conhecer primeiramente toda a história que cercou a vida de Riguran e as suas duas linhagens místicas.

- Duas linhagens? – repeti, meus olhos tomados pela confusão – Pensei que Riguran tivesse tido apenas um filho.

A garotinha tornou a fitar-me, os olhos negros faiscando em meu rosto, exibindo um misto de respeito e fascínio pela história que se iniciaria. Fixei meus olhos em sua face e apenas deixei que ela contasse a tal história.

- Anos passaram-se desde que a guerra contra os Antigos foi vencida. A humanidade finalmente prosperava, e a vida aflorava em cada canto da terra, disseminando-se aos quatro ventos, alcançando regiões que antes eram completamente inabitáveis, e tornando-as verdadeiros oásis.

“Quando Riguran notou suas novas habilidades, adquiridas de sua experiência com os espíritos, ele tomou para si o fardo de vigiar e manter os Antigos banidos no plano espiritual por toda a eternidade. E assim foi durante quase oito séculos. Mas, sentindo-se solitário, ele desposou para si uma jovem humana, e dessa união nasceu seu filho primogênito, a quem Riguran chamou Salazar”.

“Salazar era seu herdeiro por direito, aquele que herdara as habilidades sobrenaturais e sobre-humanas do pai, e aquele quem assumiria seu cargo de sentinela quando ele enfim padecesse. Porém, alguns anos depois, a esposa de Riguran concebeu e deu à luz a uma segunda criança, um outro menino, a quem Riguran chamou Vírsico, o seu filho caçula”.

“A criança crescia sadia e logo adquirira a atenção e o respeito por parte do pai, conforme os anos avançavam, Riguran envelhecia, em um ritmo acelerado já, devido à proximidade do término de seus dias sobre a terra. Em seu leito de morte, tendo ao seu lado ambos os filhos, Riguran nomeou oficialmente Salazar o seu sucessor, pediu ao filho mais velho que cuidasse de seu jovem e inocente irmão, que até ali não havia despertado nenhuma habilidade sobre-humana, e então faleceu”.

“Salazar logo se intitulou o Guardião do Mundo dos Mortos, título que até hoje carregam os Mediadores. Responsáveis por manter a paz e a prosperidade na terra e impedir que os Antigos espalhem o caos e a destruição novamente. E durante alguns anos, isso realmente aconteceu”.

“Mas...”

A garotinha cessou seu diálogo, baixou os olhos até o chão seco e rachado e hesitou...

- Mas... – eu a instiguei.

Ela tornou a me encarar, nos olhos um fogo negro ardia, parecia-me repudia, era difícil dizer o que era exatamente.

- Com o passar do tempo, Salazar viu-se tomado por uma dúvida que o corroia a cada dia de sua existência.

- Que dúvida? – perguntei a ela.

- Que tipos de poderes e habilidades o irmão caçula poderia desenvolver. Dominado por ela, e completamente paranóico, Salazar convenceu-se de que algum dia, o irmão despertaria um grande poder sobrenatural, então ele o mataria para herdar seu direito de suceder o pai.

“Completamente ensandecido, e loucamente desesperado de medo dos poderes que o irmão mais novo pudesse despertar, Salazar o enganou, atraiu-o para a floresta em uma noite de lua cheia, e então...”

- O que houve? – sussurrei. O vento irrompeu através de todo o desfiladeiro, assobiando fino nas rochas e levantando uma densa nuvem de poeira.

Senti o tremor apoderar-se lentamente de mim, eu estava quase sufocando.

- E então, Salazar inseriu um selo no próprio irmão. – murmurou a menina, a face sombria.

- Um selo? – eu arfei.

- O selo que Salazar inserira no próprio irmão caçula aparecia através da pele, marcando o ombro esquerdo, e ele o condicionava a forma humana para sempre... O selo o deixava vulnerável, frágil e completamente indefeso, como um simples e mero humano. Até mesmo a habilidade de envelhecer vagarosamente foi suprimida pelo selo, que se assemelhava a uma antiga lenda grega, um pássaro de fogo que ressurgia de suas próprias cinzas, uma fênix. Devido a isso, o selo ficou conhecido como “o selo da fênix”. E assim, Vírsico perdera qualquer habilidade sobrenatural que possuísse, todos os seus poderes e habilidades ainda latentes foram suprimidos, mas isso não bastou para Salazar, ainda enfurecido com o irmão, ele o baniu de sua presença, jurou que se o encontrasse novamente, o mataria. Só restou ao jovem Vírsico fugir para longe e exilar-se, misturando-se entre os humanos.

Meus lábios escancaram-se pelo choque que aquela revelação havia causado em mim.

Eu levei meus dedos até meu ombro esquerdo, agarrando com força o tecido de minha blusa. E então veio a fúria...

- Minha marca... Minha marca de nascença... É... Um selo?

Não havia vacilo na voz da menina enquanto ela respondia-me.

- Sim, sua marca de nascença é o selo da fênix, transmitido de geração em geração, de descendente a descendente, de pai para filho... Você faz uma parte de uma raça incompreendida e condenada, Agatha. Desde a aurora dos tempos, desde o principio, a sua raça sofreu as injustiças e a crueldade da raça dos Mediadores. Embora, vocês ainda pertençam as duas linhagens de Riguran e mantenham algo em comum; Mas sim, esse selo foi transferido para você através de seu pai, que por sua vez teve o selo transferido por seu avô e assim por diante.

“Em um ciclo interminável e amaldiçoado, a sua raça sobreviveu através dos séculos, lutando por suas vidas, guerreando em batalha épicas contra os Mediadores e perecendo de forma pavorosa”.

- O que houve depois disso? – eu consegui perguntar, embora meus dentes estivessem trincados, e meus olhos cerrados.

Sentia-me meio tonta, tudo ao meu redor girava, eu respirava com dificuldade e minhas pernas estavam tão bambas. Tão bambas na verdade que eu tive que me encolher no chão, ajoelhando-me em meio ao pó, meus dedos ainda seguravam em meu ombro e eu reprimia as lágrimas com todas as minhas forças.

- O que houve depois disso foi somente tragédia. – prosseguiu a garotinha – Como você sabe, os Mediadores foram dominados pelo poder, desviaram-se de seus objetivos e instituíram uma era de escuridão e incertezas para a humanidade, escravizando os humanos, julgando-os como seres inferiores e os massacrando como se fossem míseros insetos.

“O que nos leva a história do homem que iniciou a rebelião dos humanos, que levou a humanidade a lutar por sua liberdade. Esse homem de coração bravo e valente chamava-se Angeonoro Vallatori e nasceu na região da Itália, em um povo de nome lígures. Angeonoro ainda era jovem e inocente, e desconhecia sua verdadeira ancestralidade; ele era descendente direto de Vírsico, e mantinha o selo da fênix intacto, suprimindo todos os seus poderes e habilidades, pelo menos, ele o mantinha assim”.

- O que houve com ele? Ele... encontrou uma maneira de... Romper o selo? – perguntei-lhe, um pouco mais calma. A garotinha deu um meio sorriso.

- Mais ou menos. Em uma noite de lua cheia, Angeonoro saiu para caçar em companhia do irmão mais velho, Angelus. Durante a noite escura e fria, ambos foram atacados por uma alcatéia, e para o infortúnio de Angeonoro, seu irmão foi morto pelos lobos.

“Ferido e desesperado pela fuga, Angeonoro embrenhou-se na parte mais sombria da floresta, ele estava quase se rendendo às feras e ao cansaço quando avistou um rio de águas agitadas e inóspitas. E não hesitou em lançar-se nelas, afogando-se, batendo a cabeça nas rochas e perdendo a consciência...”

“Quando despertou pela manhã, estava na margem no rio, seus olhos arderam, mas de certa forma, algo havia mudado nele, algo estava diferente. Meses passaram-se antes que ele descobrisse o que realmente havia mudado em si”.

- E o que mudou nele?

Continuei agachada no solo seco, eu temia não ser capaz de sustentar meu próprio peso caso colocasse-me de pé, e meus dedos ainda agarravam o tecido de minha blusa de botões em meu ombro esquerdo.

Eu sentia-me, de certa forma, estranha, como se não fosse eu mesma ali e agora.

- Anos passaram-se antes que Angeonoro descobrisse que algo havia mudado em si, para ele não havia nada de diferente, mas isso mudou em uma noite trágica.

“Saqueadores atacaram sua aldeia e incendiaram tudo, Angeonoro tentou proteger sua esposa e filhos, porém, acabou acuado entre os guerreiros bárbaros e o fogo que consumia e lambia sua própria casa”.

“Em um momento de desespero, Angeonoro liberou uma fúria incontrolável, e foi então que aconteceu”.

- O que aconteceu?

A garotinha tombou sua cabeça para o que havia lá embaixo, no vale desértico.

Eu acompanhei seus olhos, e só então notei o exército sinistro de Escravos das Sombras, liderados por aquele mesmo general Mediador. Parmenius, esse era seu nome. E a cerca de trezentos metros, a figura solitária de um homem. Angeonoro Vallatori, esse era o nome dele.

- Naquela mesma noite, - ela prosseguiu sem demover os olhos da cena lá embaixo – Angeonoro perdeu a esposa. Furioso e desesperado para proteger os filhos, ele despertou um poder inimaginável, algo jamais visto antes. Isso, porque na noite em que fora atacado pelos lobos, ele sofrera uma forte experiência de quase-morte, a única experiência poderosa o suficiente que é capaz de romper o selo da fênix.

“Ele dominou o fogo, o manipulou, e o jogou contra o exército bárbaro de saqueadores, dizimando-os”.

Meus lábios escancaram-se, eu não conseguia dizer absolutamente nada. Estava tomada pelo choque, pela confusão, pela incredulidade. Então, a menina continuou:

- Mas, o fogo não era o único elemento a se sobrar a seus pés, terra, água e ar rendiam-se diante de sua figura, temendo-o, respeitando-o, tremendo diante de sua presença. Angeonoro Vallatori era capaz de manipular a energia que deu origem à vida, a mesma energia que reside e flui nos quatro elementos da natureza.

“Por isso, ele foi chamado de O primeiro Elemental, o primeiro de uma raça condenada, o primeiro a romper o selo e despertar os poderes que um dia foram tão temidos por Salazar”.

“E ele realmente tinha razão em temê-los. Nunca houve algo tão poderoso e formidável como a graça e a pureza que estavam presentes em um Elemental. Nem mesmo nós, os Devoradores de Alma, conseguimos acreditar no imenso poder que ele possuía”.

Ela fitou-me então, os olhos negros medindo cada reação minha.

- O mesmo poder que reside dentro de você, Agatha. O dom de manipular essa energia da vida, o dom de manipular os quatro elementos.

Eu ofeguei, ainda confusa e incrédula.

- Está me dizendo que eu possuo esse poder? Esse poder está dentro de mim? Isso só pode ser uma piada.

- Mas não é, você herdou essas habilidades de seu pai, Agatha. Seu pai era um Elemental. E junto dos poderes dele, você herdou o selo da fênix também, o selo que nesse momento está suprimindo todos os seus poderes.

- Eu não consigo acreditar que isso seja verdade... – sussurrei, sentindo a umidade acumular-se em meus olhos com uma intensidade maior.

A garotinha estendeu sua mão na minha direção, claramente era um convite.

- Então veja por si mesma, veja a batalha que deu inicio a rebelião dos humanos contra os Mediadores, a mesma rebelião que foi liderada por Angeonoro, o primeiro e o mais poderoso Elemental que já existiu.

Sequei as lágrimas com as costas das mãos, pela primeira vez, soltei o tecido da blusa em meu ombro e levantei-me do chão rochoso, pegando na mão da garotinha.

E então, meus olhos focalizaram as figuras lá embaixo. Mesmo àquela distância, eu podia ver perfeitamente e ouvir também. O general do exército gritava furiosamente com o homem a sua frente, enquanto o exército preparava-se para a batalha que viria a seguir.

- Essa é a sua última chance, Angeonoro Vallatori, filho de Vírsico, se não recuar agora, não lhe mostrarei misericórdia.

- Como se algum dia, um de vós, ratos Mediadores, tivesse mostrado alguma com meus ancestrais. Eu matarei cada um de vós, e libertarei a humanidade de seu jugo.

- Tolo homem! – esbravejou o general – Tu nem ao menos é humano! Por que se importa com seres tão inferiores e fracos?

- Porque eles acolheram meus ancestrais no passado, acolheram-me, então é justo que eu agora lute por eles. E de qualquer forma, Parmenius, tu encontrarás uma forma de tentar me matar, não é por isso que Paladium mandou-te aqui? Ele não teme meus poderes? Não sabe do que sou capaz? Tu como braço direito dele deve entender as suas verdadeiras razões para vir até aqui e me confrontar. Os boatos espalharam-se, não é mesmo? Vós ouvistes falar de um descendente de Vírsico que conseguira romper o selo maldito que vós mesmos inseriram nos meus ancestrais, e já se organizaram para me matar. Diga-me, Parmenius, estou enganado?

- Cale-se! – ordenou o general.

- Espero que estejas preparado para morrer nesse campo de batalha pelas minhas mãos, Parmenius, porque assim que te matar, eu tornarei todo o meu ódio e minha vingança para Otella, a cidade mesquinha que vocês construíram, e então, eu a mandarei direto para o fundo da terra, que é onde vós deveríeis ficar.

O general zombou dele.

- Jamais chegarás a Otella, se eu não o impedir, aqui e agora, Angeonoro, meu senhor o fará.

- Isso é o que veremos.

- Virsic laverius cirtruc calevar! – esbravejou o homem a plenos pulmões, dirigindo-se ao exército, mandando que eles avançassem e liquidassem o homem a sua frente.

E assim foi.

Movendo-se como fantasmas, lançando-se para frente como flechas graciosas sendo disparadas de vários arcos simultaneamente, eles correram em direção a Angeonoro, os sons de seus passos na terra seca e rochosa, lembrava-se uma manada de elefantes correndo a toda velocidade.

E quando estavam prestes a chocar-se contra ele, Angeonoro levantou as palmas de suas mãos, estendendo-as sobre a terra seca, e houve um grande abalo, eu podia sentir o chão tremendo abaixo de mim. Rochas rolavam dos desfiladeiros, as montanhas pareciam querer dobrar-se diante do poder daquele homem.

E então, uma grande fissura abriu-se no meio daquele campo de batalha, a terra cedeu, dando lugar a um abismo sem fim, que tragou os Escravos das Sombras que se lançavam na direção de Angeonoro.

A terra recuava, o buraco alargava-se pavorosamente, porém, Angeonoro não se deu por satisfeito e elevou suas mãos até os céus, e então nuvens grossas formaram-se, cinza-escuras, tenebrosas.

Elas encobriram o céu antes leitoso e opaco, eliminando qualquer tipo de luminosidade de outrora.

Observei as nuvens densas acumularem-se, agrupando-se no céu, e então, Angeonoro estendeu as mãos novamente em direção ao céu, e vários ciclones começaram a se formar, descendo em funis grossos e brancos até o chão empoeirado, tocando o solo e levantando uma nuvem densa de poeira.

Vi que os ciclones avançavam na direção do que restara do exército, sugando os poucos remanescentes que a terra não engolira.

Clarões irrompiam pelo céu, acima das nuvens negras, rasgando-as impiedosamente. E logo, os funis de vento dissolveram a formação atordoada e acuada do exército, desfazendo-a vagarosamente, enquanto as nuvens negras dissipavam-se, mas já não restava mais nada.

O general que comandara o exército viu-se acuado, ele lançou-se ao pó da terra, agarrou um punhado com os dedos e o lançou ao vento, cobrindo-se dela.

Vi que Angeonoro mostrava-se impassível da desgraça alheia, seus olhos pareciam-me frios e de certa forma, satisfeitos.

O homem meteu a face entre as mãos, parecendo-me desolado.

- Perdoe-me, meu senhor, falhei contigo! – gritava ele para o nada.

Angeonoro aproximou-se dele em passos lentos e duros. Ele encarou o homem prostrado em meio à terra seca.

- Acabou, Parmenius. Perdes-te essa batalha, e agora cairá pelas minhas mãos.

O homem soltou uma risada baixa e sádica. Curvou-se mais sobre a terra seca, envolvendo seu abdome com as próprias mãos, e então sussurrou:

- É aí que se enganas, tolo homem.

No instante seguinte, em um movimento abrupto, Parmenius saltou na direção de Angeonoro, uma lâmina curta e plana cintilava em suas mãos, e com ela em punho, ele mirou o coração de Angeonoro, a lâmina rasgou o ar ao seu redor, o som metálico tinia.

Porém, Angeonoro desviou do golpe com agilidade, em seguida, estendeu a mão sobre a terra e fez-se elevar uma parede grossa de rochas, formando uma espessa e intransponível barreira entre os dois.

Ele utilizou as mãos novamente, dessa vez lançando uma remeça de terra e pó contra o homem, que não teve chance de escapar. As rochas soterraram a figura de Parmenius, prendendo-o ao chão.

- Não sou eu quem me engano. – murmurou Angeonoro antes de estender a mão para o homem uma última vez – Não sou eu, Parmenius.

Então, uma luz alaranjada e ofuscante irradiou do corpo de Angeonoro, espalhando-se ao seu redor, circulando sua figura. Reconheci então ser o tão temível e indomável fogo.

As chamas alaranjadas rodopiavam ao redor dele, em uma dança graciosa e mortal. Como uma cortina de fogo.

E sob um comando sigiloso ao meu ver, as chamas bruxulearam até o homem desnorteado no chão, concentrando-se em lamber sua carne, seus ossos, seu sangue.

Um grito de agonia e desespero irrompeu por todo o vale, ecoando no desfiladeiro, tive que tapar meus ouvidos para não ouvi-lo mais, e não suportei mais olhar a cena, desviei os olhos, nervosa e trêmula.

Sobressaltei-me quando senti uma pequena mãozinha repousar em meu ombro. Mas era apenas a menina, ou a criatura, tanto fazia. Ela estendeu sua mão para mim novamente, esperando que eu a pegasse.

Então, havia mais carnificina para ser mostrada?

Eu a peguei, ainda relutante, e novamente uma espiral surgiu, sugando tudo ao meu redor, distorcendo o desfiladeiro, as cadeias de montanhas e o vale desértico.

Fechei meus olhos, aguardando que tudo se estabilizasse. E depois de alguns segundos eu os abri novamente.

A ventania havia cessado, eu encontrava-me em um ambiente diferente agora. Olhei em derredor, mal acreditando no que meus olhos focalizavam.

Olhei as pedras em formatos retangulares, sobrepostas umas às outras, fissuras nas rochas, vielas muito bem organizadas; aquilo era uma cidade.

A garotinha apareceu diante de minha figura estupefata e maravilhada, seus olhos negros percorriam as casinhas feitas de pedra maciça com extrema cautela.

- Onde estamos? – perguntei a ela, curiosa.

- Em Otella, a cidade que foi edificada aos Mediadores, e construída pelos humanos escravizados há mais de mil cento e vinte anos.

Ousei olhar mais além, notando as grandes muralhas de pedra que rodeavam aquela cidade, lembrava-me uma fortaleza. Virei-me para trás, vendo então o grande monumento erguer-se do chão no centro da cidade, não poderia ser comparada com nada do que eu já tivera visto.

As pedras imensas deviam ter sido empilhadas uma a uma, sustentadas por alicerces grossos, e no mínimo devia ter uns cento e cinqüenta metros de altura. 

Seu topo parecia querer rasgar o céu.

E então, um estranho ruído despertou a minha atenção.

Assemelhava-se a uma imensa torrente de água, mas não devia haver córregos nas proximidades daquela cidade, e muito menos eram ruídos de chuva.

Virei-me para o sul, vendo o imenso portão de pedra da cidade, era de lá que vinham os ruídos. Vi que havia guardas vigiando as muralhas, mas, algo no olhar deles alarmava-me, deixava-me inquieta.

O ruído ininterrupto de água corrente intensificou-se, e eu não sabia ao certo o que esperar. E então ela veio...

Uma onda gigantesca chocou-se contra o portão de pedra, abalando suas estruturas. A água respingou além das muralhas, derrubando algumas sentinelas que as vigiavam.

E então, veio outro tremor, eu senti o chão sacudir abaixo de mim, tive que me agachar para não ir ao chão, e só voltei à realidade quando o portão da cidade tremulou, e uma fissura gigantesca abriu-se na pedra, indo de ponta a ponta dele.

Até que ele partiu-se ao meio, as duas metades da rocha tombaram no chão, caindo por terra, levantando uma densa nuvem de poeira.

Tossi algumas vezes, sentindo a ardência em minha garganta devido a tanta poeira. Mas, mesmo assim, eu conseguia visualizar uma figura caminhando tranqüilamente em meio a ela; Angeonoro Vallatori.

Depois disso, tudo ficou meio indistinto, eu pude ver de relance o que me pareceu ser uma batalha entre ele e vários Mediadores, todos caindo diante de sua presença arrebatadora.

A garotinha pegou em minha mão, sobressaltando-me um pouco e levou-me para outro lugar. Para além dos portões e dos muros de Otella. Mas, eu pude ver claramente, meus olhos incrédulos e chocados viram a cidade afundar em meio a terra, sendo tragada por inteira, não restando absolutamente nada.

As construções tombaram uma a uma, em seqüência, sendo todas devoradas pelo solo.

Uma segunda nuvem de poeira, porém dessa vez, muito maior e mais densa que a primeira elevou-se do chão, enquanto que um silêncio perturbador dava lugar aos ruídos de demolição de outrora.

- Essa foi a queda de Otella, a cidade edificada aos Mediadores, o símbolo máximo de sua supremacia e de seu poder desenfreado. Angeonoro lutou uma batalha de vida e morte contra Paladium, o líder dos Mediadores naquela época e o último descendente direto de Salazar. Essa batalha foi tão grandiosa que fez tremer os céus e a terra, e até mesmo as montanhas abalaram-se diante de tamanho poder e destruição.

- O que houve com Angeonoro Vallatori?

- Ele morreu ao fim da batalha, levando consigo Paladium e muitos outros Mediadores. Seu filho primogênito, Daliel, viu o pai falecer bem diante de seus olhos. A humanidade ainda não estava liberta, e com seu líder morto, Daliel sentiu a obrigação de assumir o legado de Angeonoro. Desesperado por despertar seu poderes, Daliel veio até nós, os Devoradores de Alma e pediu que removêssemos seu selo. E assim nós fizemos.

- Vocês... Vocês podem remover esse selo? – perguntei, minha face vincada pela incredulidade e pela surpresa. Como isso seria possível?

- Fora as Sete Tristezas, nós somos as únicas criaturas que conhecem o ritual de remoção desse selo. Mas o processo é doloroso demais, e muitos Elementais podem não conseguir sobreviver a ele.

- E o que houve com Daliel?

- Ele despertou seus poderes, mas até que isso tivesse acontecido, os Mediadores já haviam se reunido em uma assembléia para discutir seus futuros após a queda de Otella e a morte de Paladium. Ficou evidenciado para todos eles que os Elementais eram uma ameaça e deviam ser detidos, não importasse como, não importasse o preço.

“Os sete mais poderosos Mediadores daquela época decidiram partilhar o poder, e reger os demais, eles iniciaram o que nós chamamos de a Era das Sete Tristezas e fundaram Sillentya, a sociedade suprema dos Mediadores. Onde apenas eles exerceriam o poder, apenas eles teriam acesso a eles, de forma plena e inquestionável”.

“Os Mediadores deixaram que a humanidade seguisse seu rumo, mas em compensação, tornaram todo o seu ódio e a sua sede por vingança contra os Elementais, todos os descendentes de Vírsico, portadores do selo amaldiçoado da fênix e da energia da vida”.

“Daliel então, fundou a sua própria sociedade e prontificou-se a encontrar os demais descendentes de Vírsico, oferecendo-lhes ajuda e proteção contra Sillentya. Ele fundou Ephemera”.

- Ephemera? – repeti o nome, confusa.

- Sim, a sociedade suprema dos Elementais, seres tão graciosos quanto letais. Seres tão belos e poderosos, apenas eles possuem poder suficiente para peitar os Mediadores. Apenas eles são capazes de vencê-los, e você, Agatha, é um deles, você pertence a essa raça magnífica. Você é um ser repleto de esplendor e glória, pureza e graça. E eu desejo apenas ajudá-la, Agatha.

Abaixei-me até o chão novamente, cobrindo meu ombro esquerdo com a palma de minha mão, processando palavra por palavra do que ela dissera-me, até compreender cada uma delas.

- Você quer romper o meu selo... – sussurrei, sendo dominada pela convicção, eu estava certa. Todo esse tempo, todos os ataques que sofri, todas as experiências pavorosas, todas elas possuíam o mesmo objetivo e não era tirar minha vida. Era submeter-me a uma experiência de quase-morte e romper meu selo.

A garotinha aproximou-se de mim, e muito que deliberadamente, encostou seu dedo pequenino em minha face, secando uma lágrima que eu sequer tinha notado estar ali. Então eu estava chorando...

- Não tema, pequenina, eu não lhe farei nenhum mal, muito pelo contrário, eu a libertarei de sua forma frágil e comum, eu a tornarei uma criatura esplêndida.

Minha vista estava embaçada pelas lágrimas. Que opção eu tinha?

A resposta desolou-me, e eu descobri meu ombro, apertando os olhos com força para poder ver através da densa umidade que se acumulava neles.

- Eu a libertarei de todas as mentiras... – sussurrou a garotinha, e então, no instante seguinte, ela assumiu a sua verdadeira forma, a criatura pavorosa revelou-se para mim, seu manto gélido roçava em minha pele, provocando arrepios por todo o meu corpo.

E eu não lutei...

Os olhos negros e sem vida da criatura encararam-me uma última vez, antes que ela aproximasse-se mais de minha figura desolada e inerte.

“Se puder sobreviver ao processo, jovem Agatha...”

Sussurrou ela, antes que eu fechasse meus olhos e não visse mais absolutamente nada. Mas então veio a dor insuportável, eu ofeguei, curvando-me mais sobre o chão.

Trinquei meus dentes, sentindo cada músculo de meu corpo enrijecer e a dor sendo cravada em cada célula minha, em cada osso, em cada terminação nervosa.

Abri meus lábios para gritar, mas assim que o fiz, algo gélido e fluído irrompeu através de minha garganta.

Abri-os, vendo que eu ainda me encontrava no fundo do rio no qual o carro de Peter havia sido lançado. Vi a luz incidir acima de mim, espelhando-se na superfície da água cristalina. Lutei contra a dor insuportável, debatendo-me para subir e emergir, mas não fazia progresso algum.

Eu podia ver a caminhonete negra abaixo de mim, no fundo do rio, eu podia sentir a água gelada penetrar minha pele e chegar até os meus ossos, congelando-me. Eu lutava desesperadamente por minha vida, mas não tinha forças, não com aquela dor insuportável consumindo-me.

Apertei os olhos com forças, vendo que estava afundando. A figura de Peter não estava por perto, e eu não conseguiria pedir ajuda debaixo d’água. Meus braços permaneceram estendidos acima de minha cabeça, flácidos, lutando contra a imensidão azul que me cercava. Bolhas de oxigênio escaparam de meus lábios, enquanto eu sucumbia diante da dor.

Alcancei o fundo do rio, como uma mera pedrinha que pousa no fundo de um lago. Cerrei meus olhos com força, curvando-me sobre o meu dorso, abraçando-me, a dor triplicou, fazendo-me perder o fio do pensamento.

Àquela altura, todo o meu corpo já era tomado pela dor imensurável. Não se comparava a nada do que eu já tivesse sentido. Gemi embaixo da água, enterrando minhas unhas em meu ombro esquerdo, de onde partia toda a dor.

E então, uma explosão de energia irradiou de meu corpo, eu pude senti-la se expandido ao meu redor, abalando as águas tórpidas do rio. E depois, não havia mais água ao meu redor.

Minhas mãos chocaram-se contra o fundo lamacento do rio e eu tossi, cuspindo toda a água que havia engolido. Inspirei, sentindo o oxigênio chegar até meus pulmões, mas eu não sentia o alívio, talvez porque ainda estivesse sendo consumida por aquela dor.

Ousei abrir os olhos, e a primeira coisa que vi foram meus dedos enterrados no lamaçal, mas realmente não havia mais água. Olhei em derredor, e petrifiquei.

A água movia-se ao meu redor, como um rodamoinho, e em seu centro, estava eu. Meus poderes haviam feito isso com ela, meus poderes que estavam escapando do selo.

Trinquei os dentes, e houve mais uma explosão de energia, era difícil descrevê-la. Era algo intenso, quase sólido, queimava em meu corpo, e de certa forma, eu sentia-me conectada a ela; a energia que deu origem a todo tipo de vida, dissera a menina.

Então aquilo estava dentro de mim?

Olhei ao redor novamente, vendo que o rodamoinho de águas havia sido desfeito, a energia chocara-se contra a superfície gelada do rio, e agora, o dividira pela metade, o dividira em dois.

Olhei para cima, vendo a cortina de água em movimento vertical, as águas pareciam quase roçar o céu. Rastejei-me através do terreno lamacento, e ouvi uma voz que podia reconhecer muito bem. Peter. - Agatha! – ele me chamara.

Rastejei através do leito do rio, contendo os gritos de agonia e desespero que eu ainda queria soltar. E logo eu vi a sua figura correr na minha direção, parecendo não acreditar no que via.

- Agatha, você está bem? – perguntou-me ele, seu rosto estava vincado pela preocupação.

Eu não respondi, não tinha forças para tal. Peter ignorou minha falta de palavras, passou um braço em meu ombro e o outro em minha cintura e rebocou-me, retirando-me dali.

Ele me levou até a margem esquerda do rio, depositando-me sobre uma imensa rocha. Eu nem mesmo sentia o frio, por minhas roupas estarem encharcadas, eu só sentia a dor insuportável queimando em meus ossos, queimando em cada tecido vivo do meu corpo, em cada célula.

Meus olhos voltaram-se para o céu leitoso, eu sabia que em algum lugar estavam os Devoradores de Alma, rezando em sua estranha língua, realizando o ritual que romperia meu selo, se eu pudesse sobreviver ao processo extremamente doloroso, um deles dissera.

A minha frente, o rio ainda se dividia em dois, as águas fluindo naquela cortina de água incessante. Peter ainda me encarava, seus olhos verdes pousaram em minha face agoniada e de lá não se demoveram.

- O que está havendo com você? – perguntou-me ele, e parecia estar em agonia também por não poder fazer nada que pudesse ajudar-me.

Agarrei seu braço, enterrando meus dedos em sua jaqueta encharcada. A água pingava de seus cabelos.

- Está... queimando! – conseguia sibilar através dos dentes trincados. Eu empregava tamanha força que pensei que eles poderiam espatifar-se.

Cerrei meus olhos com força e gritei de agonia, aquilo não cessava nunca! Quanto mais ia demorar? Quanto mais eu poderia suportar? Minha garganta queimava, minha cabeça girava loucamente, e a minha própria alma parecia estar chorando comigo. Ela gritava desesperadamente dentro de mim.

Meus músculos retesaram-se, e eu encolhia minhas pernas, somente para esticá-las em seguida, minhas unhas cravavam-se na grande rocha abaixo de mim. Abri meus olhos mais uma vez, vendo o céu leitoso e opaco acima de mim.

- Aju... Ajude-me! – berrei, sentindo as lágrimas quentes descerem como jatos através de meu rosto – Ajude-me, por favor!

Peter levou ambas as mãos a face, parecia em agonia por me ver em tamanha agonia.

Um segundo grito de dor eclodiu de minha garganta em brasa. E a dor aumentou novamente, fazendo-me arquear as costas e elevar meu tronco. Eu não podia mais suportar... Era demais! Era muito para mim!

O fogo dentro de mim pareceu alastrar-se ao meu redor, aquela energia quente e densa fluía livremente agora, espalhando-se para todas as direções.

Uma voz dentro da minha cabeça dizia-me que eu não conseguiria suportar. Que eu estava em meu limite, havia alcançado o meu ápice, o meu auge. E havia uma outra voz, mais fraca, uma que sussurrava e mandava que eu não desistisse agora, que eu não me entregasse. Mas essa voz era fraca demais, não se igualava a outra, que gritava desesperadamente.

E naquele momento, eu realmente preferia a morte; E teria cedido, se uma outra voz não tivesse ecoado, não dentro de minha cabeça confusa e perturbada, mas fora dela.

Não conseguia registrar as palavras que foram pronunciadas, mas eu sabia que aquelas palavras não pertenciam ao meu idioma, aliás, não pertenciam a nenhum idioma humano. E depois, para o meu alívio, a dor cessou...

A dor abandonou o meu corpo, e eu finalmente pude soltar o ar que estivera prendendo. Meu corpo relaxou, ficando tão mole e inconsistente quanto uma geléia.

E eu afundei em alívio e em torpor. O rio atrás de mim fechou-se novamente, as cortinas de água desabaram, encontrando-se, enquanto ele tornava ao seu curso normal.

E meus poderes voltaram sobre o controle do selo da fênix, a energia que antes fluía ao meu redor, recuou, como se tivesse sido sugada para dentro de meu corpo novamente.

Encarei o semblante de Peter, mas ele parecia perturbado, não aliviado como eu. Seus olhos verdes focavam-se em algo que estava bem a nossa direita.

Segui seu olhar, tombando a cabeça de lado, e encontrei o que o havia deixado tão assustado e perplexo. E o horror inundou-me no mesmo instante.

Porque parado a cerca de seis metros de onde eu e Peter encontrávamo-nos, estava Stevan Blake, a única criatura que eu não esperava encontrar naquele momento.

Em seus olhos havia uma certa hostilidade, uma ameaça iminente que me deixou arrepiada. Ele sorriu de canto, mas era um sorriso intimidador, assustador, maléfico.

- Vejo que afinal os Devoradores decidiram agir... – murmurou ele, não contendo a sua satisfação por isso.

Peter levantou-se, rígido, preparado para qualquer atitude por parte de Stevan. Ele notou isso e franziu o cenho.

- Entregue-me a garota, Peter! – exigiu ele, os músculos enrijecendo. – Não fique no meu caminho!

Peter postou-se diante de mim, formando uma espécie de muralha entre mim e Blake.

- Nunca. – sibilou ele.

Stevan tombou a cabeça de lado, seus olhos procurando pelos meus, ainda atordoados e confusos. 

- Não faz diferença, eu a matarei de qualquer forma.

Peter cerrou os punhos e partiu em direção a Stevan. Foi tão rápido que eu nem mesmo vi.

Stevan moveu-se como um borrão, como um fantasma, e depois Peter já estava imobilizado por ele. O braço de Stevan estava em volta do pescoço de Peter, e seu corpo atrás do dele.

- Acha que eu tenho tempo para joguinhos? – perguntou ele, friamente.

E depois, Stevan soltava Peter, somente para dirigir-lhe um poderoso soco na face, um que o nocauteou. Peter caiu de bruços, a face contra a rocha.

Stevan ignorou-o, e dirigiu seu olhar novamente para mim. Pela primeira vez, ele usava a manga de sua camisa branca dobrada até seu cotovelo. E o desenho negro marcava a pele alva da face interior de seu braço, cobrindo seu pulso. Ele era um caçador.

Eu enganara-me então, Stevan não era um desertor, e nem mesmo estava por detrás daqueles estranhos acontecimentos. Sua única missão era matar-me...

Estremeci ao constatar isso.

Stevan caminhou até minha figura atordoada. Passou uma de suas pernas para o outro lado de meu corpo, e então se sentou sobre mim. Fui incapaz de reagir, minhas forças ainda não haviam retornado. Seus olhos verdes agora me pareciam apenas debochados.

- Sabe, Agatha, eu realmente esperei por esse momento de triunfo. – ele riu um pouco, interrompendo-se – Na verdade, eu esperei quase um ano para poder fazer isso.

- Quem é você? – sussurrei, respirando aos arquejos.

Stevan repousou a mão no peitoral, sorrindo novamente.

- Eu? Ora, Agatha, você é uma garota tão inteligente, não me diga que ainda não deduziu? Ele ignorou minha falta de palavras e prosseguiu, seus olhos de repente ganharam um aspecto sombrio e maligno.

- Eu sou um caçador de Sillentya, Agatha, assim como o seu amado Aidan.

O choque atravessou todo o meu rosto.

- Co-como...

- Como eu sei? – ele interrompeu-me – É simples, eu estive vigiando os dois pombinhos desde o principio. Sim – ele cantarolou –, eu trabalho para Ducian, meu papel é ficar de olho no “filhinho amado” dele. Eu venho seguindo Aidan há muitos anos, desde que ele voltara da missão que Ducian o conferira de matar o próprio irmão. E quer saber, Ducian estava certo em desconfiar dele, onde já se viu isso? Apaixonar-se por uma criatura tão traiçoeira e venenosa quanto você? Vocês Elementais só nos geram dor de cabeça desde o começo, então, nós fazemos o que podemos contra vocês. Elementais são pragas, escórias da linhagem perfeita e divina de Riguran e precisam ser eliminados. E é exatamente o que eu farei com você, minha doce Agatha.

- Por quê? – eu ofeguei.

- Por quê? – ele repetiu, parecendo-me ofendido – Porque vocês não merecem viver, você, Agatha, terá agora o mesmo destino que todos os seus ancestrais tiveram: a morte.

Ao terminar de pronunciar suas palavras finais, Stevan puxou uma lâmina de sua bainha que estivera presa ao seu cinto. O metal cintilou acima de mim, enquanto ele preparava-se para cravá-la. Stevan mirou em meu coração, então seria um golpe fatal.

Seus olhos verdes faiscaram para o meu rosto uma última vez. E por um breve segundo, eu desejei que tudo terminasse depressa, sem hesitação, sem demora, sem mais mentiras em minha vida...

- Não se preocupe, Agatha, será algo rápido.

Suas mãos preparam-se para baixar a lâmina até a minha carne, até o meu seio esquerdo, mas então, duas mãos seguraram nas de Blake, detendo-o.

Stevan encarou meu salvador, e seus olhos arregalaram pelo menor dos segundos.

Meu salvador puxou-o para cima, retirando-o de cima de mim, e então, desferiu um forte soco em sua face, derrubando-o longe.

Depois, aquelas mesmas mãos acudiam-me, levantando minha face e meu tronco. E eu encontrei um peito forte no qual pudesse repousar e buscar auxílio e proteção.

Os olhos azuis brilharam ao ver-me bem e intacta.

Christian, ele aparecera para me salvar.

- Perdoe-me, Agatha. – sussurrou ele, seus lábios colados em minha orelha.

Uma risada curta interrompeu meu momento de alívio e paz. Era Stevan, levantando-se. Ele ria baixo e quando se virou, sua face estava desfigurada pelo sarcasmo. Havia algo de engraçado ali?

Ele limpou um filete de sangue que escorria pelo canto de seus lábios. Ele ficou de pé, encarando a Christian sem deixar de rir por nenhum momento.

- Ora, ora, como é mesmo o ditado? Quem é vivo sempre aparece. – murmurou ele, alegremente.

Christian o encarou tenso, eu apenas permaneci confusa.

- Stevan Blake. – murmurou ele de má vontade e parecendo-me enojado. – Pelo que vejo, ainda é um capacho de Ducian.

Stevan sorriu largamente, ignorando seu comentário, parecia haver em seus olhos uma satisfação incontida, algo que eu jamais vira antes. Pela primeira vez, Stevan abandonava a sua fachada calma e normal para assumir uma completamente assustadora e maligna.

- Eu sempre soube que Aidan não teve coragem suficiente para lhe matar.

Meus olhos arregalaram-se por reflexo.

O quê?

- Christian Satoya. – murmurou Stevan, parecendo um pouco lisonjeado por estar na presença de tal figura.

Meus olhos esbugalharam ainda mais e eu não conseguia pensar em mais nada, em mais nada que não fosse a minha mais recente e chocante descoberta. Christian... Satoya?

E eu pensando que as surpresas e descobertas já haviam cessado por hoje... Encarei a face de Christian, e um sorriso de canto brotou em seus lábios. Então, ele era...

- Faz muito tempo que não me chamam assim. – murmurou Christian, e franziu o cenho, preparando-se para a batalha que viria a seguir. Eu ainda não conseguia pensar com clareza, mas que diferença fazia?

Quando diante de mim, dois Mediadores preparavam-se para lutar? Um estava disposto a me matar ali mesmo, e de uma forma bem dolorosa, o outro estava disposto a proteger-me custe o que custasse.

Não, não fazia a menor diferença, definitivamente.


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Notas finais do capítulo

Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh! *surto*
E aí está a outra parte da lenda de Riguran que eu omiti... hehe

Mals pela demora, mas esse dia foi bem atribulado para mim!Hoje saiu o resultado do meu vestibular e...*limpa a garganta*EU PASSEI EM 1º LUGAR!!!!!Obrigada a todos que torceram por mim, e mandaram pensamentos positivos e me deram a maior força! Vlw mesmo gente!!!! ^.^E agora vamos aos esclarecimentos:-O selo da Agatha suprimi todos os poderes dela e a condiciona a forma humana, assim como todos os Elementais.-ele só pode ser rompido de duas maneiras:*uma experiência de quase morte;*um ritual conhecido apenas pelos Devoradores e pelas Sete Tristezas;-ainda temos alguns pontos a serem esclarecidos, então não se preocupem, nada ficará de fora ou será esquecido.-Elementais e Mediadores são opostos mesmo, como devem ter percebido, pois enquanto os Mediadores representam a própria morte e são os guardiões do mundo dos mortos, os Elementais são os portadores da energia da vida.Ufa...Faltou alguma coisa?Se ficou alguma dúvida, pode perguntar, pq eu to que nem doida aqui, saí hoje a tarde e corri atras de documentos, mas não deu em nada e terei que correr segunda-feira de novo...Legal essa música do Nightwish cantada em latim, não?Próximo cap, a luta entre Christian e Stevan e algumas declarações bombásticas!Reviews????Beijos!!!!!