O resto da tarde correu normalmente, tentávamos agir como sempre, sorrindo nos momentos necessários, fingindo se concentrar nas aulas e conversando com os colegas da escola, foi muito doloroso para mim, era como uma máscara esculpida no meu rosto, que escondia meu sofrimento, sofrimento este causado pelo drama da família, pela partida deÁle pelos meus sonhos perturbadores, nada parecia normal em minha vida, mas por sorte, eu conseguiria usar a máscara pelo tempo necessário, ninguém precisava saber como me sentia realmente.Afinal, quem se importaria com a garota louca?? 

Laura e eu combinamos fazer uma reunião para planejar os nossos passos,marcamos nos encontrar na praça da Matriz, a mesma onde estava antes do meu acidente, antes deembarcar em umailusão, agora mais do que nuncatinha certeza que aquelas “viagens” não foram reais, era meu cérebro trabalhando de alguma forma desordenada, fora de qualquer controle.Mas agora minha razão estava no controle, e eu estava disposta a fazer qualquer coisa para ser feliz novamente, para fazer minha mãe verdadeiramente feliz.

No horário combinado fui para a praça esperar ela, era 18h00, tinha algumas pessoas passeando na praça, aproveitando o momento magnífico dopôr-do-sol, para falar a verdade, já fazia algum tempo desdequandoparei para admirar o dia, era uma hora muito bonita, me lembrei de quando sentava com mamãe e papai na varanda de casa, neste horário, apreciando opôr-do-sol,eu costumava confundir com o nascer do sol, parecia realmente uma divisão do dia, como se algo especial estivesseàespreita nesta hora.Por um momento, fechei os olhos e desejei que minha vida mudasse, mudasse completamente, imaginei um mundo onde estaria ao lado de todas as pessoas que amava, um lugar, onde elas não fossem embora, onde elas não me abandonassem...

- Julie?? Você está bem?–disse uma voz ao meu lado, me fazendo dar um pulo de susto.

- Laura? Que bom que você chegou, eu estou bem, só estava aproveitando esse ventinho gostoso – disse, abrindo os olhos para encará-la, ela tinha se sentado no banquinho também.

- O.K., então como vamos fazer? Eu trouxe umas roupas para nós, vamos ficar parecida comAs Espiãs,nooosaisso vai ser divertido–dissecom os olhos claros brilhando de empolgação.

- Bom, acho que não vamos precisar nos vestir como ninjas, isso não é nenhum filme, é real, é muito sérioLaura, estamos investigando sua mãe e meu pai, preferiria que isso nuncaprecisasse acontecer –disse,percebendo como os olhos dela se apagaram um pouquinho.

- Certo,então,como vamos descobrir o que houve entre eles? Você acha que algum deles vai querer nos contar? 

- Espero que sim, primeiramente eu pensei em termos uma conversa franca com sua mãe, acho que ela vai nos contar tudo que precisamos saber, mas ninguém mais pode saber disso, precisamos chama-la em um lugar que ninguém mais vá, por isso, conto com você.

- Mas o que eu devo fazer? – disse com uma cara que mais parecia um ponto de interrogação.

- Convida ela para passar uma tarde com você, tipo algo entre mãe e filha, ninguém vai desconfiar, ela nem vai suspeitar de nosso plano, não sei, tem alguma coisa que vocês costumam fazer com frequência? Algo só entre vocês?

- Pra falar a verdade tem sim, nós sempre saímos para fazer compras, tomar sorvete e ficar o dia todo no salão, é tão divertido, e depoisela sempre me leva pra comer em algum lugar legal–seus olhos estavam saudosos agora, como se tivesse passado muito tempo desde seuúltimodia de mãe e filha.

- Bom, então você vai convidá-la para um dia só de vocês e no final, na parte de jantar, você fala pra ir no hotel dela, que você vai preparar algo legal pra vocês comerem, então ai, eu apareço por lá para entregar o ‘jantar’ e então nós interrogamos ela, você vai matar dois coelhos com uma cajadada só, como dizem por aí.

- Mas se eu que vou fazer o jantar porque você que vai levar? Não entendi.

- Você diz que de manhãzinha você vai fazer o jantar, antes de começar o dia de vocês,aiivai pedir pra uma amiga esquentar pra você e levar nohotel, então, essa amiga será eu, tudo resolvido. – disse com um sorrisão, nosso plano não tinha jeito de falhar, íamos pegá-la de surpresa, tudo sairia perfeitamente.

- Legal, mas não vou dizer a parte da amiga, porque ela sabe que somos amigas, vou falar que a nossa empregada vai levar,assim ela nunca vai desconfiar da verdade – Laura também estava tão empolgada quanto eu, por um momento pensei que fosse pela oportunidade de passar um dia a sós com sua mãe –Maaas, quando será isso? – ela estava atenta a todos os detalhes.

- O que acha de marcar pra semana que vem?Sexta-feira, diga que não haverá problemas em faltar um dia da aula – disse.

- Está ótimo, vou ligar pra ela amanhã mesmo, para não ter desculpas de compromisso, e teremos uma semana para pensar em todas as formas de interrogatório – deu um sorrisinho–Julie, agora eu tenho que ir, papai está esperando para comermos juntos, ele vai pedir pizzae vamos ver um filme juntos – seu sorriso se tornou mais largo e seus olhos brilharam de empolgação, era muito bom ver os sentimentos dela pelos pais, no fundo, torcia para que nossas famílias voltassem ao normal, para que tudo o que estava acontecendo fosse apenas um enorme pesadelo.

Nos despedimos e então voltei para casa. A caminhada era um pouquinho longa, já que eu teria que sair da praça pegar a avenida FranciscoJallese ir retoaté chegar em casa, morávamosno fim da avenida, perto do antigo pronto-socorro,para realizar a caminhadacoloquei meu fone e ligueia música, era umálbumdoSimplePlan, algum barulho para manter meus pensamentos longe da minha consciência, não queriaser assaltada pelos meus medos e aflições, afinal, haveria tempo de sobra para eles durante a noite, infelizmente.