Desligamento escrita por Lena Rico, Ana Valentina


Capítulo 20
Capítulo 19




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/319446/chapter/20

Passaram-se alguns minutos e não ouvi mais nada. Ergui aos poucos o cobertor, apenas uma pequena fresta para que eu pudesse espiar lá fora. Mesmo na escuridão eu conseguia enxergar nitidamente, havia um senhor estanho com uma boneca estranha toda vestida de preto na mão que se parecia com a Laura, de frente com a minha cama.

Ao contrário do que eu faria, descobri a cabeça ergui meu corpo e o fitei lentamente. Ele tinha cicatrizes no rosto, como cortes de faca, olho castanho, cabelos brancos, estava vestindo um casaco vinho, calças pretas e sapatos da mesma cor.

Ele me estendeu a boneca e me afastei na cama recusando-me a aceita-la. Ele se curvou deixando a boneca em uma caixa aberta no chão e saiu com um sorriso assustador pela porta entreaberta do quarto, fechando-a atrás de si.

Levantei da cama e agachei para olhar a caixa de perto. A boneca, pálida, loira, muito semelhante a Laura porém com uma maquiagem preta carregada diferente da que esta costumava usar, tinha embaixo de si um papel parecido com um bilhete. Ergui a boneca cuidadosamente sentindo arrepios e retirei o bilhete de baixo dela.

Abri o bilhete e li a seguinte frase escrita em letra cursiva: “O bem não é completamente bom e o mal não é completamente ruim. O real não existe e o irreal é o verdadeiro“.

Assim que terminei de ler, notei que estava em um lugar diferente. Um quarto exatamente igual ao que eu estava, porém o papel de parede era escuro, havia uma lareira próxima a porta e onde havia a cômoda com a TV, agora tinha um espelho antigo de parede.

Ouvi aquela voz chamar-me novamente, a mesma voz. Ela vinha do espelho, eu gritava para que meus músculos não se movessem, mas eles se moviam fora do meu controle e em direção ao espelho, era como se não fosse eu. Assim que me vi refletida no espelho, me vi com um vestido branco de renda o qual nunca tive, e que mesmo achando lindo, não teria coragem de usar, não nesta vida. Meus cabelos estavam presos num coque frouxo e usava um sapatinho branco com cadarços, algo que também nunca tive coragem de usar, por que meus colegas achariam brega.

Eu ou ela, já não sabia dizer, tocou o espelho e apertou forte o bilhete com a outra mão. Senti uma mão tocar a minha pelo outro lado espelho.

— Venha... venha... – a voz convidou.

Atravessei o espelho e cai do teto em uma sala oval. O chão de piso era preto e branco, mas a parede não tive tempo de reparar... Alguém já estava me estendendo a mão para me ajudar a levantar.

— Você quer mesmo estar com ele por toda eternidade? Teria mesmo coragem de fazer o que é preciso para estar com ele? – perguntou-me o dono da voz, que havia estendo-me a mão.

— Com Álvaro? Sim. O que devo fazer? – perguntei antes mesmo que ele acabasse de perguntar, e reparei que mesmo parecendo não ser eu, ela parecia sentir o mesmo que eu sentia.

— Ache você em você e deixe que as borboletas chorem, não sangre por dentro, quando o que precisa é sangrar por fora... – a voz misteriosa, mas doce e delicada, disse palavras que para mim não faziam sem sentido algum.

— Por que não posso ver seu rosto? – questionei como se esta fosse a única coisa estranha em tudo aquilo.

— Você não tem permissão para ver aquilo que não suportaria olhar... Mas lembre-se, ache você em você e deixe que as borboletas chorem, não sangre por dentro, quando o que precisa é sangrar por fora...

Ouvi passos se aproximarem, uma mão agarrou o cobertor e puxou-o de mim. Levantei-me subitamente ansiando por ar, olhei ao redor assustada, temendo quem quer fosse, mas era apenas minha mãe.

— Eu já te disse para não se enrolar assim no coberto! Você dormiu de janela e porta aberta? Já disse para fechar antes de dormir. Sua vó costumava dizer que espíritos podem entrar por elas a noite e falar com você em seus sonhos sem que você convide-os...

— Sim, estou bem. – disse já respirando melhor e percebendo que tudo no quarto estava perfeitamente normal.

Assim que ela saiu do quarto para se preparar para o trabalho, procurei a tal caixa com a boneca e o bilhete, mas não achei.

Não tive outra escolha a não ser esquecer temporariamente aquele sonho ruim e me arrumar para ir à escola. Como combinado, Laura apareceu para irmos juntas e aproveitei a oportunidade para sanar uma das minhas dúvidas perturbadoras, já que eu tinha tantos mistérios a serem resolvidos, precisava organizá-los de forma a não me perder no meio dos problemas.

— Laura e ai como anda sua família? Tudo bem? – disse, precisando arrancar alguma confissão que fizesse algum sentido.

— Sim, está tudo ótimo, papai está trabalhando muito, ele está sempre viajando, não sei se eu te disse, mas ele é advogado, tem muitas coisas para fazer.

— E a sua mãe? Como anda? – essa era a parte que eu mais me interessava

— Minha mãe??? Bom… Ela… Ela… – Laura ficou tão embaraçada que após um minuto desistiu de tentar

— Laura está tudo bem com sua mãe??? Aconteceu alguma coisa? Saiba que você pode me contar qualquer coisa – precisava mesmo descobrir toda a verdade, mas fiquei muito preocupada com Laura, por um instante aquela garota símbolo da perfeição se transformou em uma menininha preocupada e sem controle.

— Julie, isso é muito embaraçoso, eu nem sei como te dizer, nem eu mesma sei o que anda acontecendo lá em casa, meus pais estão tão estranhos, eles nunca brigavam, mas uns dois meses atrás as coisas mudaram, eles andam brigando muito, e eu nem sei o motivo. Eu não entendo, minha mãe saiu de casa faz umas três semanas, ela está morando em um hotel, diz que é provisório, meu pai fala que eles vão se divorciar, que não aguenta mais ela. Não entendo, eles eram tãão per… perfeitos, mas agora, o que houve?? Porque isso está acontecendo conosco? Eles nem se incomodam em me dar alguma satisfação, é como se eu não fosse parte da família, como se não fosse importante, mas diga Julie, o que você faria no meu lugar? Porque eu não aguento mais, estou morando com papai, mas minha mãe disse que assim que ela se estabilizar eu vou morar com ela, mas eu não sei o que eu quero, papai fica o tempo todo fora, eu fico sozinha com as empregadas, e com a mamãe eu não sei como seria, me diga Julie o que devo fazer. – ela estava quase histérica agora, precisei pensar muito para não magoá-la.

— Mas você não sabe o porquê da separação deles? Acho que este seria o primeiro passo, e depois acho que você poderia ficar com aquele que você melhor se identifica, porque é muito ruim ficar sozinha – pensei por um longo momento, e resolvi abrir o jogo – Laura, eu sinto muito por tudo que está acontecendo com seus pais, meus pais se separaram a seis meses atrás e eu sei como isso pode ser doloroso, mas eles te amam acima de tudo, e se não te contaram talvez pensem que assim você não vai sofrer, mas sabe, tem algo que eu preciso te contar, eu vi sua mãe esses dias e ela parecia bem. Laura, ela estava na casa de meu pai, eles estão na-mo-ran-do – não consegui mais falar nada já estava soluçando, era tão difícil pensar nisso, ainda bem que faltava ainda uns quarteirões antes de chegar no Euphly.

— Minha mãe e seu pai estão namorando??? Isso não pode ser real – disse já entrando em estado de choque, assim como eu havia ficado com a notícia.

Ficamos alguns minutos em silêncio, tentando engolir o choro, já que não poderíamos chegar para a aula com o rosto vermelho e inchado, o que os outros irão dizer?

— Julie, precisamos descobrir o que está acontecendo, eu preciso muito descobrir a verdade e vejo que você também quer isso, vamos fazer um acordo? – Laura disse, parando e estendendo a mão para mim. Não pensei duas vezes para responder, embora tenha tido aquele sonho horrível com um vodu dela, precisaria correr todos os riscos se o final me levasse até a verdade – Sim, temos um acordo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Desligamento" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.