Desligamento escrita por Lena Rico, Ana Valentina


Capítulo 19
Capítulo 18




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Assim que minha mãe chegou do serviço ela veio me ver toda preocupada e cuidadosa. Bombardeou-me de perguntas sobre o hospital e quando ela deu uma pausa aproveitei para desabafar com ela sobre o que houve na casa do meu pai. Logo que toquei no assunto, sua expressão mudou.

— Você não tem de se meter nesse assunto Julie! Você já tem muitos problemas na sua vida. – e saiu subindo as escadas para seu quarto, irritada eu diria, se não fosse por seu rosto que não aparentava a mínima expressão.

Fiquei mais confusa do que costumava ser. Sei que minha mãe não costumava dividir seus problemas comigo e depois da separação ela se fechara ainda mais.

Quem não a conhece direito pode pensar que ela está bem, saindo para trabalhar toda manhã com um semblante feliz e passar o dia todo assim até o momento em que dorme para iniciar outro dia igual ao anterior. Mas na verdade eu que a conheço bem, posso dizer que ela é exatamente como minha vó disse em uma das poucas vezes em que a fui visitar quando tinha cinco anos e fiz minha mãe passar vergonha no meio da rua por causa da birra que fiz para que ela me comprasse um brinquedo com dinheiro que não tinha...

“Sua mãe Julie, é como uma avelã. Tem uma casca dura por fora que a protege, e se você julgar pela resistência da casca dirá que o conteúdo está bom. Mas nem sempre está...”. – disse minha vó após chegarmos em casa me mostrando uma avelã e abrindo-a com um quebra-nozes.

Entendi que mesmo minha mãe parecendo não estar triste com meu comportamento no fundo ela estava. E que se ela guardasse suas dores “assim como a avelã”, um dia ela quebraria. Sei que foi um pensamento idiota este, eu era criança quando bolei a interpretação, mas mesmo assim faz algum sentido.

Fiquei tão triste pelo que fiz que nunca mais esqueci aquela frase. Portanto sei que há algo de errado com minha mãe, mesmo quando ela finge que não há e não poder ajuda-la me deixar mal.

Conversamos tudo isso na sala, ao lado de Danita que estava jogando Candy Crush no facebook e pareceu não dar a mínima para nossa conversa. Fui para meu quarto ligar para Jac pedindo desculpas pelo dia horrível que a fiz passar, mas assim que abri a porta empurrando com a muleta, me deparei com uma sempre-viva na cabeceira da minha cama.

Ál havia estado ali. Peguei delicadamente a rosa e a cheirei seu perfume delicioso, beijei-a e sentei na cama olhando para o céu da janela do quarto como se Ál estivesse lá. Já estava de noite, fiquei de luzes apagadas deitada de “ponta-cabeça” na cama para ver as estrelas pela janela que ficava atrás desta.

As coisas pareciam estar indo por água abaixo desde que Ál havia ido embora, estava com problemas com meus pais e em conflito comigo mesma. Não conseguia entender porque o Álvaro achou que era melhor para mim ele se afastar... Ele era a única “pessoa” com quem eu podia ser como eu realmente era e ainda assim fazê-lo feliz.

Jac era uma amiga surpreendente, mas não tinha certeza se poderia falar pra ela:

— Ou eu falo com um anjo e meus pais querem levar-me no psicólogo de novo por que acham que sou louca.

Passei a noite acordada, por longo tempo olhando as estrelas e imaginando onde Ál estaria... A porta do meu quarto estava entreaberta como eu costumava deixar, assim pude ouvir minha mãe descer, conversar alegremente com Danita, em seguida jantar e levar a garota para casa dos pais, mais tarde vi as luzes se apagarem, ela deveria estar indo dormir.

Ao notar tudo isso sem que ela ao menos viesse ver como eu estava, comecei a questionar-me se o problema dos meus pais não poderia ter sido eu. Lembro que várias vezes meu pai brigou com minha mãe por terem de gastar dinheiro com medicamentos que a psicóloga me recomendava, os mesmos quais eu fingia tomar e jogava fora, dos inúmeros cursos que minha mãe havia me matriculado na esperança de que eu me tornasse mais sociável e por isso não sobrava dinheiro para que eles pudessem fazer a tão sonhada viagem á Campos de Jordão, para poderem namorar a sós como nos velhos tempos... Sim, eu sei, acontece que eu com essa minha talvez loucura mesmo, tenha destruído a vida deles... Mas em momento algum, fui motivo para que ele não tivesse coragem de dizer que já não a amava mais.

Não sei se posso dizer que o odeio, por que ele é meu pai, mas gostaria de nunca mais precisar vê-lo. Lembro que no dia em que minha mãe soube da traição, depois de todos na cidade é claro, e expulsou-o de casa no meio da noite sem que pudesse levar nenhuma roupa, ele tentou acalmá-la dizendo:

“Todo aquele problema da Julie me deixou perturbado. Não fiz isso por querer e não é minha culpa. Se procurássemos algum internato para deixa-la, seria melhor para gente... seria bom pra ela também”. – disse ele no último grito de desespero ao ver-se sem ter para onde ir.

Nunca esperei algo bom de meu pai, mas também nunca havia esperado algo ruim. Minha mãe sempre fui muito forte, mas ao ouvir aquelas últimas palavras contra mim, pude vê-la chorar pela primeira vez em minha frente. Sempre havia pensado que ela fosse como a Mulher Maravilha, mas naquele instante vi que a “casca” poderia estar se quebrando.

Afastei um pouco, eu não chorei, chorava nas primeiras brigas, depois de um tempo me acostumei e pensei que iriam viver o resto da vida assim, brigando, mas logo entendi que dessa vez era diferente.

Assim que compreendi que ele havia traído minha mãe, fiquei muito nervosa, um color diabólico subiu pelo meu corpo, não sei o que pensei naquele instante, mas olhei friamente nos olhos dele e disse:

— Eu nunca te pedi nada na minha vida, tudo o que sempre pedi foi a mamãe. Mas hoje eu tenho algo para pedir a você e espero que faça, já que nunca fez nada. Suma da nossa vida e esquece que sou sua filha!– ele escutou atenciosamente e antes que ele pudesse argumentar bati a porta em sua cara, trancando-a em seguida.

Assim que me virei para minha mãe, ela ergueu a cabeça e disse que não sabia o quanto eu era ruim, que aquilo não tinha nada haver comigo e que eu não deveria odiá-lo por disser tais bobeira sobre mim, que ele não estava pensando com a cabeça. Não sei exatamente, mas me senti idiota, como se estivesse querendo salvar quem não quisesse ser salva, mas interrompi o pensamento rapidamente, era da minha mãe que estava pensando.

Infelizmente, ele nos enviou uma carta dois meses depois após se estabilizar, dizendo que iria entrar na justiça para ter o direito de ver, já que estava ajudando em minhas despesas. Sim, infelizmente também precisamos do dinheiro dele assim que nos deixou, pois minha mãe não trabalhava há um bom tempo para poder tomar conta da casa e cuidar o melhor possível de mim. Graças a Deus uma amiga dela indicou-a para trabalhar na Cavasana e as coisas tornaram um pouco melhor depois disso.

Ouvi alguém me chamar, tudo estava escuro agora, com todas as luzes apagadas. Pensei em ligar o abajur, mas estava um pouco distante e tive medo de sair da cama. Ouvi a voz chamar-me novamente, então num ímpeto rápido para me proteger, cobri todo o corpo com o cobertor que estava ao meu lado, na cama.


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