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Shiro Yukiio
ID: 352335
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  • 04/08/2013


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    "Eu existo. Você existe. Eles existem.

    Eu existo, eu que escrevo, e existe você que lê, talvez. Mas essas palavras não são o meu eu. Não é a mim que você lê. Não se iluda: o meu eu é inacessível. E não digo isso para me vangloriar. É assim, é humano.

    Você me entende? Não. Você vê o meu interior? Menos ainda. Como também eu não vejo o seu, aqui, agora. Não tente. Continuaremos estranhos para sempre.

    O outro. Eu precisava me certificar. Procurei nos dicionários.  E vi que, para eles, também é uma palavra problemática. Em geral, podemos confiar nos dicionários. Mas, no caso, com o outro, esbarramos numa dificuldade. O Petit Robert zomba de nós.

    Outro: pron. (Altrui, 1080; caso regime de outro). Um outro, os outros homens.V.próximo.

    Eles são engraçados! "V. próximo" ! Não podiam ser menos precisos. Realmente não é nada tranquilizador. É preciso procurar em filosofia para se ter menos medo. No dicionário de Armand Colin, temos um arremedo de consolo.

    Outro: 1. Sentido geral: o outro como eu que não é eu, como correlativo do eu. 2. Fil.: em Rousseau: o outro designa o meu semelhante, isto é, qualquer ser que vive e que sofre, com o qual me identifico na experiência privilegiada da piedade. Em Hegel: o outro, dado irrecusável como existência social e histórica, é, numa relação intersubjetiva, constituído de toda a consciência no seu surgimento...

    Dado irrecusável... Hegel diz isso para se divertir.

    Não há solidão maior do que perante os outros.

    Essa solidão é cansativa. Só, só, só, eu estou só. Eu estou só. Às vezes preciso dos outros. Para quê?

    O outro é um mistério e um paradoxo. Ele é, desde sempre, o genitor de todos os seus tormentos. Não se esconda. Na verdade, não é culpa sua. É assim. E, de qualquer modo, eu só existo através de você.

    Eis o por que: o Homo sapiens não pode existir sozinho. É preciso um pai e uma mãe para nascer. Nós somos o produto de um outro. E essa dependência não nos abandona nunca. Ela está em toda parte. A linguagem, a cultura... Tudo vem dos outros. Somos herdeiros constantes.

    E, no entanto, o outro continua a ser inacessível. Eu vejo o corpo do outro, mas nunca vejo o seu espírito. Nunca vejo sua alma, sua interioridade. E a interpretação que eu faço do outro é necessariamente inexata, assim como a que você faz de mim.

    Enquanto o outro continuar a ser outro, seremos vítimas de uma eterna incomunicabilidade. Por mais que se tente.

    A invenção da linguagem é a mais bela confissão da nossa incapacidade em nos intendermos."

    —Eu Mato.



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