Malora escrita por Crica


Capítulo 2
Capítulo 2




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O sol já ia alto quando os Winchester finalmente despertaram.
Sam manteve os olhos apertados, tentando acostumar-se com a luz. Saiu do carro. Estava exausto. Deu alguns passos para esticar as pernas e alongou as costas doloridas com a ajuda das mãos. Dean o seguiu espreguiçando-se num bocejo barulhento. Ambos pararam diante do carro e ficaram ali por alguns minutos a observá-lo.

Dean tomou a dianteira, olhou mais uma vez por baixo da máquina e fitou o irmão com o semblante desanimado.

-E aí? Dá para ajeitar?


-Não sei não. – Dean deu a volta e desceu o macaco – Sam, vai lá e dá a partida. Quando eu disser, acelera.

-O que você vai fazer?

-Vou tentar empurrar. Vai, acelera agora!

Sam seguiu as ordens do irmão, mas não conseguia fazer o carro andar.

-Sam, vê se consegue engatar a ré. Vamos ver se pro outro lado vai .

Novamente, o fracasso.

-Parece que não tem jeito, Dean. –Samuel saiu do carro - Precisamos de um reboque.

-Liga pra algum lugar e vê se consegue socorro. – atirou seu celular para o irmão – Vou tirar nossas coisas do carro e ver se o porta-mala está bem trancado.

Após algumas tentativas inúteis, o caçula aproximou-se e deu a má notícia. Apanhou sua mochila e guardou as coisas que estavam espalhadas no banco de trás. Dean levantou o banco do motorista para pegar a chave do porta-luva e encontrou o celular de Sam. Retirou cartões de crédito e identidades falsas e guardou tudo numa latinha no fundo da mochila.Algumas armas e munição também. Nunca se sabe quando uma caçada pode surgir.Então, melhor estar prevenido. Trancaram o carro e verificaram um mapa. Decidiram voltar até a entrada para Las Cruces. Certamente haveria na segunda maior cidade do estado um serviço de reboque que pudesse ajudá-los.

-Tanta tecnologia e, quando se precisa dela, não tem uma porcaria de uma torre de celular por perto! – reclamou o mais velho, caminhando pelo acostamento.

-Poderia ser pior...

-Não sei como!

-Você está de mal humor,eu entendo, o carro está quebrado, mas não descarrega em mim porque não fui eu quem saiu da estrada, tá?

Dean não respondeu porque sabia que, se desse corda, aquela discussão sem sentido não teria fim e estava com pressa : pressa para conseguir ajuda, para comer alguma coisa, para sumir daquele maldito deserto.

***

Alguns minutos de caminhada e conseguiram carona num caminhão de minério. O motorista, um senhor, aparentemente latino, com fartos bigodes grisalhos, era bastante simpático e conversador. Prontamente ofereceu-se para guiar os rapazes até o serviço de reboques mais próximo, alegando não ser muito seguro abandonar um veículo naquela estrada. Corriam o risco de, na volta, não acharem sequer os pneus.

Jorge Ruarez, o motorista e mineiro, deixou-os na oficina de um cunhado na entrada de La Mesilla, um vale agrícola ao sul da cidade, na região banhada pelo Rio Grande.O mecânico cumprimentou-os com animação após terem sido apresentados pelo cunhado.Ele era um homem baixinho, atarracado, pele muito morena, cabelos crespos curtíssimos e usava uma quantidade exagerada de cordões ao redor do pescoço. Prontamente tomou as chaves do caminhão e sugeriu que os aguardassem na cantina da Flora. Sam concordou e seguiu na direção indicada, mas Dean preferiu acompanhar o resgate da “sua garota”.

Manolo, o cunhado de Jorge Ruarez, examinou o Impala tecendo elogios empolgados ao clássico Chevrolet que deixaram Dean inchado feito um pavão. Mas, em seguida, deu-lhe a má notícia. O eixo dianteiro poderia estar empenado e seriam necessários alguns dias para que pudesse conseguir a peça a ser substituída ou um torneiro que fosse capaz de endireitá-la. Dean ajudou o homem a guinchar o Chevy até a garagem.

O mecânico anotou num pedaço de papel o endereço do hotel La Quinta, onde poderiam ficar hospedados enquanto aguardavam o concerto do carro. Dean agradeceu a ajuda e foi encontrar-se com o irmão na cantina.

Sam não percebeu a aproximação do irmão porque estava intertido com o noticiário da TV local. Dean sentou-se ao seu lado e, pelo sinal de silêncio feito pelo caçula, não disse nada, apenas acompanhou também a narrativa do jornalista que relatava uma série de crimes descobertos na noite anterior. Vítimas de sete povoados próximos foram encontradas mortas na rua sem os olhos e com as unhas das mãos arrancadas. Nenhum suspeito e nenhuma arma foram encontrados no local.

-Esquisito, não acha? – finalmente Sam falou.

-Sinistro. – Dean estava beliscando o sanduíche do irmão – mas pode ser só mais um doido varrido com mania de colecionar pedaços de gente.

-É. Pode ser...- Samuel percebeu o abuso do irmão- Ei! Dá pra ter um pouco de respeito ? Pede um pra você.

Com a boca cheia, Dean levantou o dedo e pediu ao garçom que lhe trouxesse um sanduíche bem grande e uma xícara de café preto.

-O que o mecânico disse? Vai demorar?

-Vai...- Dean engolia enquanto tentava falar. – parece que é o eixo. Pelo menos uns três ou quatro dias. Não é fácil encontrar peças para carros antigos.

-E o que vamos fazer até lá? –indagou o caçula.

-Sei lá.- destruindo o sanduíche com voracidade - Podemos dormir, tirar umas férias, o que não seria nada mal.Você pode até ter tempo pra arrumar uma garota, quem sabe ?

-Lá vem esse papo outra vez... – Sam ficava muito aborrecido com os comentários do irmão a respeito de sua capacidade de arranjar companhia.- Vê se não me enche e acaba logo de comer. Estou louco por um banho e uma cama limpa.

Enquanto mastigava, Dean tirou do bolso o papel com o endereço do hotel e entregou-o ao mais jovem.Sem muitas opções, os garotos aceitaram a sugestão do mecânico, pagaram a conta e seguiram em direção à pousada que ficava perto dali. Segundo as recomendações do novo amigo, a comida era excelente e o ambiente muito familiar.

Decidiram caminhar e não foi difícil encontrar o hotel. Uma placa numa das estradinhas que davam acesso aos vários campos de pimenta indicava a entrada.

***
Passaram por um portão pesado de tábuas grossas e um caminho de paralelepípedos levava até o prédio de dois andares, bastante largo com diversas janelas azuis que se destacavam nas paredes brancas. Ao redor de toda a construção, uma generosa varanda telhada, forrada por lajotas vermelhas e brancas que desenhavam formas geométricas no chão. À frente, uma enorme porta de madeira entalhada. Ninguém à vista. Sam bateu no sininho que estava sobre o balcão que separava o espaçoso hall decorado com cortinas étnicas e móveis rústicos de um cômodo maior.Lá dentro, dezenas de fotos antigas e pratos decorativos espalhavam-se pelas paredes e um grande mapa feito à mão da região, em outros tempos. Dean bateu no sinete, impaciente com a demora. Um rapaz magricela que usava uma gravata borboleta ridícula no colarinho de uma camisa estampada e, um ainda mais ridículo, bigodinho finíssimo apareceu com os olhos esbugalhados, escaneando os irmãos antes de cumprimentá-los.

-Buenas tardes, senhores!

-Gostaríamos de um quarto com duas camas de solteiro para mim e meu irmão, por favor. – Dean foi logo explicando sua relação fraternal antes que viesse a já tradicional e constrangedora pergunta sobre a cama de casal.

-Agora mesmo, senhor. – o rapaz entregou ao hóspede um livro de registros e uma caneta.

Enquanto Dean preenchia as informações e fazia o pagamento, Sam observava curioso as fotografias e gravuras.

-Prontinho, senhores. – conferindo os dados registrados e apanhando um par de chaves no quadro de cortiça da parede.- Por aqui. Vou levá-los até o quarto de vocês. – levantou o tampo do balcão para que passassem para o outro lado.- Posso ajudá-los com a bagagem?

Dean recusou a ajuda num gesto, dando sinal que estava tudo bem com um sorriso agradecido.

Ambos seguiram o funcionário escada a cima. O rapaz destrancou uma porta e entregou-lhes a chave, apontando a direção do banheiro. Antes de sair, entregou-lhes também um folheto plastificado com orientações para o uso dos espaços do lugar e os horários de refeições.

-Bem, acho que é só. Espero que tenham uma boa estadia.

Sam agradeceu e entregou-lhe uns trocados pela gorjeta.

-Ah! – voltou-se sorridente – O café da manhã está incluído na diária mas se desejarem, outras refeições são servidas no salão do restaurante. Temos a melhor encillada da cidade, posso garantir! – saiu.

Pelo som do chuveiro, Dean já se havia enfiado no banheiro.

Sam vasculhou o cômodo espaçoso e claro, seguindo o estilo da decoração do resto da casa. Sentou-se numa das camas largas e viu o campo através da porta de uma simpática sacada. Deixou-se cair sobre a colcha macia e perfumada, com os dedos cruzados por trás da cabeça. Era relaxante respirar aquele ar adocicado e fresco. Adormeceu.

Quando Dean saiu do banho, ainda pingando, viu o irmão largado sobre a cama. Deu um sorrisinho matreiro como se um diabinho lhe cochichasse algo ao pé do ouvido. Aproximou-se e sacudiu o cabelo com as mãos respingando o rosto do outro e despertando-o.

-Como é, porquinho, vai dormir sem tomar banho ?

-Já estou indo. – esfregando os olhos, levantou-se sonolento.- só estava tirando um cochilo. – caminhou até o banheiro com a toalha sobre o ombro. – Dean! O banheiro está inundado, cara!

-Cala a boca e vai logo, Sammy! – pegou o celular no bolso da calça.

-Cara, você não muda! Que coisa! – aparecendo na porta, o caçula estranhou- Vai ligar pro Bobby?

-Também. – Dean sorriu apertando os olhos – não quero perder a hora do rancho.- o sorriso cresceu enquanto programava o celular para despertar.

Samuel sacudiu-se todo daquele jeito que só ele sabe fazer quando está contrariado e fechou a porta do banheiro.

Dean ligou para o velho amigo dando notícias do acontecido e explicando o atraso. Largou o celular sobre a cama, vestiu um short, puxou a ponta de uma rede que estava pendurada perto da sacada e atirou-se nela. Não custou para entregar-se ao vai-e-vem e à brisa fresca que corria àquela hora.

 

***

Logo depois do anoitecer, o celular tocou. Dean levantou-se da rede, tomou o aparelho, fechou a porta para proteger-se da aragem fria e cutucou a perna do irmão. Trocou de roupa e sentou-se numa cadeira para amarrar os cadarços enquanto Sam ainda rolava na cama preguiçosamente.

-Que horas são?

-Quase sete.

-Nossa, dormimos a tarde inteira. - Sam sentou-se na cama com a cara toda amarrotada.

-Eu vou descer para comer. Você vem?

-Claro. Só um minuto. –Samuel pegou algumas roupas em sua mochila e trocou-se também.

Descansados, Sam e Dean ganharam o corredor e a escadaria que levava ao salão de jantar. Um belo lustre de onde pendiam pequenos cristais coloridos e vários pequenos abajures no mesmo estilo estavam acesos. Um burburinho de vozes vinha do outro lado da porta de vidro jateado. O cheiro do jantar impregnava todo o ambiente. Era uma profusão de aromas, ora doce, ora picante, que inebriava os sentidos, estimulando o apetite (não que Dean precisasse de qualquer estímulo em se tratando de comida). O restaurante estava cheio. Poucas eram as mesas desocupadas. Escolheram uma no canto com duas cadeiras e sentaram-se, vasculhando o cardápio. Prontamente o mesmo rapaz da recepção surgiu atrás de um avental vermelho.

-Boa noite, senhores. Vão pedir agora? – abriu seu melhor sorriso.

-Que tal a especialidade da casa? – Dean sugeriu.

-Por que não? - concordou o irmão.

-Excelente escolha. Duas encilladas no capricho. Para beber...

-Duas cervejas, por favor.

-Ok. Volto já. Não demora nada, nada.

Enquanto aguardavam seu pedido, os rapazes observavam clientes e hóspedes com curiosidade. Havia ali gente de todo tipo. Alguns muito bem arrumados como se fossem a uma festa. Parecia o point da região nas noites de sábado. Outros, em grupo, conversavam animadamente, saboreando petiscos. Uns poucos cochichavam nos ouvidos, como namorados, arrulhando.

A refeição chegou pelas mãos de uma moça delicada, usando o mesmo avental vermelho e uma flor no cabelo preso num rabo de cavalo. Depositou as travessas de cerâmica, fumegantes, sobre a mesa. Seus olhos negros cruzaram com os de Dean enquanto espalhava o acompanhamento nos espaços vazios. Ela ficou visivelmente constrangida e ele percebeu, mas inesperadamente, não se aproveitou da situação, deixando-a terminar seu serviço,em silêncio, sem “atacá-la”.

-Dean, está passando mal?- Sam implicou depois que a moça se afastou.

-Eu não. Por quê? - o mais velho já se servia.

-Depois daquela olhada que você deu, pensei que ia partir pra cima da garçonete.

-Não enche, Sam. E vê se come.

 

Samuel não insistiu. 

O rapaz não havia exagerado nem um pouco a respeito da fama gastronômica do lugar. A comida era realmente espetacular. Tudo estava perfeito: das encilladas ao chilli, passando pelas pequenas torradas douradas na manteiga e as batatinhas cozidas com ervas cortadas em minúsculos pedaços. Até Sam, que não era muito de comer, fartou-se.

Depois do jantar, Dean juntou-se a um grupo de senhores numa mesa de pôquer. Um joguinho amistoso, disse ele, tranqüilizando o irmão mais novo. Sam, por sua vez, buscou na estante do hall um livro e acomodou-se numa das redes coloridas da varanda.


***


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