Malora escrita por Crica


Capítulo 3
Capítulo 3




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Manhã de domingo ensolarada. Os irmãos Winchester pularam da cama logo cedo ao som de um sino que repicava ao longe.

Na parte inferior do hotel, não havia viva alma. Todos tinham saído, deixando para trás apenas a garçonete que os servira na noite anterior.

Da mesma maneira, a jovem os serviu o desjejum, em silêncio, evitando encarar qualquer um dos dois.

-Quer saber? Gostei desse lugar. – comentou Dean já na varanda, esticando os braços no alto da cabeça.

-É bem tranqüilo aqui. – concordou seu irmão, sentando-se no degrau da frente da varanda e brincando com uma pequenina flor selvagem que o vento trouxera até seus pés.

-Onde será que foi todo mundo?

-Estão todos na igreja. É domingo. – a moça do restaurante, agora à paisana, respondeu da porta de entrada.

Os dois se voltaram surpresos, já que há alguns instantes, ela os servira sem dizer palavra.

-A maior parte da população da região é latina ou descendente, então, domingo é dia de missa. – continuou ela.

-E você não foi, por quê? – Dean tratou de esticar a conversa.

-Alguém precisava cuidar do lugar e esperar por vocês.

-Nós não queremos atrapalhar. Pode ir, se ainda der tempo. – Sam sorriu – Estamos muito bem e não pretendemos ir a lugar algum.

-Não tem problema.- a garota aproximou-se deles e, finalmente sorriu. Um sorrisinho tímido, mas sorriu.- Eu sou Glória.- estendeu a mão para Sam.

-Muito prazer. Eu sou Sam e ele é meu irmão, Dean. – retribuiu o cumprimento.

-É um prazer recebê-los. – ela fitou Dean, sorriu e baixou os olhos quando ele acenou em resposta.

Dean a observava atentamente. Não podia perceber detalhes, mas alguma coisa muito especial havia naquela mulher. Só não sabia o que. Não tinha nenhuma beleza extraordinária. Era apenas uma garota mais  do que normal, comum até. Ele não sabia como explicar, mas estava perdido naquela moldura dourada que se formava nos contornos dela assim de encontro ao sol, nos largos cachos escuros que voavam com a brisa.

-Você trabalha aqui há muito tempo, Glória? –Sam questionou-a, curioso.

-Na verdade, trabalho no Departamento de Tradições Latino-americanas da universidade, em Las Cruces durante a semana e nos finais de semana, venho para cá ajudar meus avós e meu primo com o hotel.

-Quer dizer que o hotel é da sua família? –Dean meteu-se na conversa.

-Há ,pelo menos, três gerações.

-Mas sempre foi um hotel? - Samuel queria saber mais.

-Não. Originalmente era uma fazenda de gado. Mas com a depressão, muitos fazendeiros abandonaram a terra e foi assim que meu avô a comprou num leilão.

-E você vive com eles, agora?- perguntou o mais velho.

-Desde que meus pais morreram.

-Sinto muito. – adiantou-se Samuel.

-Tudo bem. – seu olhar tornou-se distante outra vez. -Só fui para a cidade depois da faculdade. Mas prefiro estar aqui. É o meu lar, sabe?

Os irmãos trocaram olhares e decidiram mudar de assunto. Sabiam, por experiência própria que a perda de entes queridos não era um assunto muito fácil.

Passaram então, os três, a conversar sobre amenidades. O tempo passou depressa e, quando Glória estava mais à vontade e sorrindo com mais facilidade, hóspedes e funcionários surgiram na porteira, fazendo alvoroço.

Passaram pelos jovens sem sequer notá-los. Falavam alto e todos ao mesmo tempo. Palavras soltas como morte, assassino e sangue chamaram a atenção dos irmãos.

Glória seguiu o grupo abraçada a um senhor de farta barba branca que vestia um terno azul-marinho.

No interior do prédio, ouviam atentos os comentários dos que chegaram a respeito das manchetes do jornal. Novas mortes e mais cadáveres mutilados, incluindo-se nelas, o pobre padre Tomás.O avô de Glória, sentado no sofá de couro falava e gesticulava sem parar. Todos estavam muito agitados e falavam em organizar uma milícia para caçar o assassino já que a polícia não era capaz de fazê-lo. Foi nessa hora que uma senhora muito idosa levantou-se de sua cadeira e bradou: “La Malora, és la Malora!”

Dean segurou o braço de Glória e perguntou:

-O que ela está dizendo? O que é La Malora?

-É apenas uma lenda. – A moça continuou servindo as xícaras de café.

-Eu não falei, Dean? Tem alguma coisa esquisita acontecendo aqui.- Samuel cochichou.

Dean aproximou-se da velha senhora e guiou-a pelo braço. Diante daquele sorriso radiante, a anciã não ofereceu resistência e caminhou com os irmãos e a moça até a varanda.

-Senhora, pode nos contar o que é essa Malora? - Sam pediu

-Ela não fala inglês, Sam. –Gloria interveio.

-E essa agora... – Dean comentou decepcionado.

Glória adiantou-se e explicou à senhora, em espanhol, que os rapazes estavam curiosos por saber sobre a lenda que havia mencionado, ao que ela respondeu afirmativamente.

-Ela concordou em contar-nos a lenda. Vou traduzindo para vocês, ok?- ouvindo o que a velhota dizia - Estela diz que há muito tempo, quando ainda vivia em sua terra natal, ouviu da mãe de sua mãe uma estória que o povo inteiro repetia, sobre uma jovem muito bonita e boa que teve o infortúnio de apaixonar-se pelo pároco de seu povoado.Para a desgraça dos dois, o amor da jovem foi correspondido pelo padre... Um dia, foram apanhados em flagrante. O jovem padre não suportou a vergonha de ser exposto ao vexame e a culpa por ter quebrado seus votos. Matou-se... A moça, depois disso desapareceu. Dizem que foi amaldiçoada, tornando-se a Malora... uma assombração horrenda que ataca aqueles que cruzam o seu caminho nas noites de quinta-feira...

-Caramba, essa é das boas. - Dean comentou.

-...Contam que a mulher amaldiçoada transformava-se em uma mula – Glória continuava a traduzir o relato de Estela-... que vagava pelas ruas do povoado, a galope, pela madrugada... todos ouviam seu choro em meio às batidas dos cascos... e pela manhã... só encontravam os corpos dos que se arriscavam na noite... com os olhos derretidos, sem as unhas... e às vezes, sem os dedos também.

-Gracias, senhora. – Sam agradeceu, saindo para o quintal gramado.

Dean e Glória levaram Estela para dentro e retornaram ao encontro de Sam. Ele caminhava de um lado para outro, intrigado com os detalhes da estória que ouvira.

-Bem, parece que vocês estão mesmo interessados na cultura local, não é? – a moça questionou.

-Tem umas coisas que não se encaixam...- Sam parecia confuso, apertando o lábio inferior – Precisamos de mais informações.

-Olha, Sam, essas lendas são muito antigas. O que exatamente elas têm a ver com esses assassinatos?

-Pode não ser nada... mas ... deixa pra lá. Vocês vão me dar licença, por favor.- o caçula saiu sem maiores explicações, quase correndo.

-O que deu nele? – Glória estava confusa com aquela reação. Sam lhe parecia um rapaz muito tranqüilo e equilibrado – Foi algo que eu disse?

-Não. Ele é assim mesmo.- Dean desconversou - Às vezes Sammy é muito esquisito.

-Bem, está na minha hora.

-Vai embora?

-Vou ajudar o pessoal lá dentro e amanhã bem cedo, volto para a cidade. É dia de trabalho. – a jovem acenou uma despedida ao rapaz e entrou.

Sem ter mais o que fazer, Dean voltou ao quarto, onde Sam estava debruçado no computador visitando sites e mais sites em busca das tais versões para a lenda da Malora.

-Pensei que você ia dar um tempo lá fora. Sabe, bater um papo a sós com a Glória. – Samuel comentou sem tirar os olhos da tela.

-Ela tinha outras coisas a fazer...então...- Dean tirou os tênis e acomodou-se na rede da sacada. – Achou alguma coisa?

-Muita coisa...- o rapaz ligou a pequena impressora e as folhas foram saindo uma a uma com textos e gravuras.- ... a lenda é realmente bem antiga. Diz aqui que tem origem ibérica e que chegou à América através dos conquistadores portugueses e espanhóis... espalhou-se por toda a América Latina, principalmente pelo Brasil, Argentina, Venezuela e México.

-Então estamos lidando com uma assombração “caliente”.- Dean brincou, balançando-se na rede enquanto folheava o jornal que pegara na recepção.

-E bota “caliente” nisso. Ouça: “a malora , ou mula-sem-cabeça, apresenta-se como um animal feroz, com cascos afiados como navalha e que solta fogo pelas narinas ou, sem cabeça e, no lugar dela, uma chama crepitante.”

-Simpático, o bichinho.

-Em todas as versões há referências ao caso amoroso entre uma mulher jovem e um religioso, um padre local. Mas nem todas dizem que o padre cometeu suicídio ou foi morto...

-Bem, maninho, vamos ao que interessa: como se mata essa coisa ? - Dean saiu de onde estava e foi sentar-se ao lado do irmão, à mesa.

-Você pode escolher: primeiro, excomungar o padre fominha antes que ele celebre a primeira missa, depois de ter pecado, é claro; depois, pode-se ferir a besta com um objeto metálico consagrado,virgem e afiado, fazendo-a sangrar ou ainda, se tiver muita coragem e for meio doido, pode saltar sobre ela e retirar-lhe o arreio e o freio da boca.

-Só isso?

O mais jovem respondeu com um gesto afirmativo da cabeça.

-Sam? – pensativo - Como se tira os freios da boca de um bicho que não tem cabeça ?

-Nem me pergunte. – Sam atirou as folhas que segurava sobre a mesa e se balançou na cadeira, estalando os dedos das mãos.- Tomara que a nossa malora tenha cabeça...

-Quer saber? – Dean pulou da cadeira – Esse papo está me deixando com dor de cabeça. Vou ver se a bóia está na mesa.

A tarde de domingo passou com uma animada discussão dos poucos hóspedes que permaneceram na pousada a respeito dos últimos acontecimentos. Os avós de Glória e a velha Estela também estavam no salão.

******************

À noite, os irmãos Winchester misturaram-se aos presentes em busca de informações mais detalhadas. Como se diz, “quando o povo fala, ou foi ou é ou será”. Então, o melhor era ficar de orelhas em pé. Vez por outra, Dean corria os olhos pelo lugar, mas não encontrava objeto de sua busca.

O avô de Glória, Dom Fernando, como era chamado pelos demais, aproximou-se dos rapazes pitando seu cachimbo.

-Então, rapazes, aproveitando a estadia?

-Com certeza, senhor. – Sam respondeu amistoso.

-Não se preocupem com o carro. Está em boas mãos.

-Como o senhor soube do carro? – Dean quis saber

-Ah, meu rapaz, é uma comunidade pequena. Todo mundo sabe de tudo e o Manolo, lá do reboque, é meu sobrinho.

-Que coincidência! - Sam achou graça.

-Que coincidência nada, garoto. Aqui todo mundo tem um certo grau de parentesco. – o homem soltou uma baforada .

-E o que o senhor acha dessa falação toda a respeito dos crimes que vêm acontecendo?

-Eu não acho nada. Deixo isso para a polícia. Eles ganham para esquentar a cabeça, eu não. – outra baforada.

-Mas a Glória disse... – Dean foi interrompido pelo ancião.

-Minha neta anda muito com esse povo por causa do trabalho na universidade. Gente supersticiosa, sabe? Falam demais!

-Mas a Estela contou... – agora foi Sam quem não conseguiu terminar a frase.

-Ela é uma velha caduca! Outra que não sabe mais o que diz e fica repetindo essas bobagens por aí. – o homem levantou-se parecendo irritado.

-O senhor não acredita nas lendas que contam? – Sam fitou-o intrigado.

-Garoto, depois de anos a fio enfiado numa mina de turquesa, dez horas por dia, comendo poeira e torcendo para o teto não desabar na sua cabeça, você descobre que a única coisa sobrenatural na vida é colocar a comida na mesa todo dia e conseguir fugir da miséria. O resto é balela.- saiu enfezado.

-Nossa! Acho que você tocou na ferida dele, maninho.

-É...

-Você viu a Glória por aí? – Dean tomou coragem para perguntar – Ela sumiu.

-Acho que foi a uma vila aqui perto gravar alguns relatos sobre aparições e lendas para o Centro de Tradições.

-E como você sabe disso? – o mais velho levantou uma das sobrancelhas encarando o irmão.

-Ela me disse.

-Disse? A você? Quando?! – agora, as duas sobrancelhas estavam arqueadas e o pescoço levemente inclinado para frente.

-Ah, sei lá, Dean! Não me lembro. – levantando-se – E quer saber? Você deveria prestar mais atenção ao que ela diz em vez de ficar secando o traseiro da garota. – saiu

-Hey! Espera aí! Me explica essa estória direito, Sammy! – Dean seguiu o irmão.

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