Filth In The Beauty escrita por gaara do deserto


Capítulo 1
On a Cage - Part I


Notas iniciais do capítulo

Esta é a primeira parte sobre o Ruki.



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Chapter 01: On a Cage – Part I

 

Isto é sobre mim. Prazer, Matsumoto Takanori.

Estou preso numa gaiola. Ou numa ratoeira.

RA-TO-EI-RA.

Ler Edgar Alan Poe se tornara um Vício de Momento ultimamente. Lia na escola (Perdedor! Mariquinha! Filhinho da Mamãe! Fracote!), no carro, metrô, casa, qualquer lugar.

Lia agora, encostado num poste em frente à Floricutura Hanazuki. Depois da escola, desviando de uma mofada rotina, três da tarde, carros e carros. Hora do almoço. Vício de Momento.

Desta vez, O Corvo. Mantive a descrição desnecessária, óculos escuros e um cigarro entre os dedos, cabeça baixa, um estranho qualquer. Não olhe, continue andando.

Um estranho esperando Honda Himiko. Já decorara o possível.

Três da tarde.

Subindo a calçada depois do almoço, amiga balofa de brincos da Folli Follie. As duas conversando animadas. Cinqüenta passos até a floricultura.

Virei uma folha, duas, o capitulo inteiro. E minha vigília não foi decepcionante. No terceiro parágrafo do capitulo cinco, ela apareceu.

Entretanto eu ainda sou um estranho. E ela, a garota altiva e bonita de roupas simples e claras, um sorriso no rosto magro, longas pestanas batendo a intervalos. O reflexo de algo que me acertara por todos os lados, me sufocando e envolvendo.

Há muito tempo não sinto isso.

48, 49, 50. Entra na loja sem olhar para trás. Há quanto já estou nessa? Um mês e meio para ser exato. Respirei fundo, fechei o livro.

A loja tinha um ar delicado, reincidia à natureza, seiva, estrume e perfume. Era dividida em estandes longos e horizontais, cheios de arranjos de formas multicoloridas. Rosas e copos-de-leite. Cravos e violetas. Flores japonesas, européias, dos mais variados lugares.

E Honda Himiko deslizando para lá e para cá, atenciosa, de volta ao trabalho.

Fingi estar interessado nos lírios.

- Posso ajudá-lo, senhor? – ela chegara até mim, a voz suave, nada hesitante ou agressiva. Só seguindo o roteiro.

- Ah, claro – não sei sorrir, então nem tento. O nervosismo bastava.

- Está procurando por algo em específico? – roteiro, roteiro.

“Sim, você, Honda-san”.

- Talvez. Gostei dos lírios – eu devia estar fazendo a cara de retardado de sempre e ela logo se afastaria.

Mas não.

- Lírios são uma boa – disse, ajeitando os arranjos – Menos mal-intencionados que as rosas – e me encarou nos olhos – São para sua namorada?

Corei. Como se eu tivesse tido alguma.

- São pra minha okaa-san, na verdade.

Ela riu, descrente.

- Que gentil. Não é sempre que se vê isso – comentou, colocando a mão em frente aos lábios. Será que estava no roteiro? Quis crer que não.

- Você gosta de lírios? – disparei, sabendo a resposta.

- Sim, são meus preferidos – ela mostrou-se entusiasmada. Era assim com os lírios. Sempre que não estava atendendo, ficava perto deles. Tinha até a mesma fragrância – Aposto que sua okaa-san vai gostar.

- Também aposto – que não. Minha okaa-san amava as tulipas, mas que importância tinha?

- Então me avise se decidir, senhor – e curvando-se com graciosidade, deu um passo para trás. Mas eu nem precisava pensar.

- Vou levar os lírios – disse-lhe apressadamente.

- Nossa, que rápido – disse, baixinho – Quantos vai querer?

- Uma dúzia – e prontamente começou a escolher as adequadas para o buquê. Observei seu trabalho, o cuidado com que manejava as flores, quase maternal. Feito isto, pediu-me para segui-la até o caixa, onde a amiga balofa organizava fitas de sedas e cartões de presente atrás do balcão.

- Kasumi-chan, me passe a caixa de fitas, por favor.

A outra me olhou de cima à baixo antes de obedecer.

“Também não vou com a sua cara, balofa”.

- Gostaria de mais alguma coisa, senhor? – de volta com o roteiro – Acabamos de receber uma variedade de hortênsias e hibiscos...

- Não, mas obrigado – Himiko organizara os lírios num vistoso buquê com fita de seda amarela e celofone transparente – Fez um belo trabalho.

Ela sorriu e curvou-se em agradecimento.

- Três mil ienes – disse a balofa, quebrando meu glorioso instante. Saquei a carteira e joguei o dinheiro no balcão, irritado.

- Agradecemos a preferência – entoou ela, guardando as notas no caixa de um jeito tedioso.

Himiko me acompanhou até as portas de vidro.

- Tenho um bom dia – desejou quando atravessei a saída. Estaquei, voltando-me para ela. Seu desejo era inútil, verdadeiro ou não, mas me serviu perfeitamente. Por impulso, peguei um dos lírios e lhe ofereci sem dizer nada.  Ela obviamente achou o gesto estranho (Quem não acharia?), mas não o recusou, tomando-o nas mãos e sorrindo.

- Arigatô godaimasu – murmurou, corando.

Eu podia ter dito algo, mas aquele broto de esperança sufocou minha voz e antes que parecesse estranho demais, dei-lhe as costas, descendo a rua, as flores em uma mão, O Corvo em outra.

- Boochan, não vai almoçar? – o chamado da empregada perdeu-se, não lhe dei atenção, subi as escadas, corri para meu quarto e joguei-me na cama, encarando o dossel azul e preto, ofegante.

Os quarenta e cinco dias havia valido a pena. A impaciência, os cigarros, a insônia, nada disso se comparava com o prazer de conversar com Himiko. Tá, não fora uma conversa de verdade, mas ainda assim...

Rolei na cama. Os lírios se espalharam e o perfume deles impregnou-se em meu corpo. Tateei o livro e usei-o como travesseiro.

E mergulhei num sonho incomum e diáfano.

- Takanori... Você é um artista, sabia? – ele abriu o costumeiro sorriso, o sorriso que eu invejava – Isso é... Sombrio... – seus dedos cheios de anéis de prata que usara em uma época para socar rivais de gangue tocaram a tela em que eu trabalhara a tarde toda e o cheiro de tinta fresca ainda era presente em meu quarto e meus dedos.

Mas eu estava contente que alguém apreciasse minhas pinturas.

E esse alguém era Yahiko...

Reabri os olhos, a visão embaçada. A lente de contato do olho esquerdo saíra do lugar durante meu sono. Levantei da cama, o sangue voltando a circular na cabeça, pressionada pelo livro.

E então senti a bile subindo em alta velocidade e corri para o banheiro. Segurei as bordas da pia com força e vomitei, se bem que pouco havia para se vomitar, pois eu nem comera. Sentei no piso frio, respirando fundo.

- Chikusho... – apertei o estômago com a mão. Respire, respire, seu maldito!

“SUA BICHA DEGENERADA!”

Fazia quanto tempo que eu não pensava em Yahiko?

Quanto tempo que os cavaletes haviam sido queimados? A tinta desfalecera e a fumaça subira, carbonizando meus sonhos?

Não sei. NÃO SEI.

Cabeceei contra a parede, abraçando os joelhos.

EU NÃO QUERO PENSAR NISSO.

Então somos amigos, Takanori-san?”

NÃO QUERO. 

“Sim, soa legal. ‘Amigos’ é...”.

NÃO! NÃO! ISSO É... IMUNDO. IMUNDO.

- Takanori, você está aí, querido?

Busquei a voz, horrorizado. Minhas unhas arranharam a porta e o silêncio foi quebrado por minha voz rouca, fraca.

Rastejando. Implorando.

- Estou, okaa-san – limpei o suor do rosto, recoloquei a lente e lavei a boca para tirar o gosto amargo. Ao sair, minha mãe encarou-me desconfiada.

- Andou se drogando, Takanori?

- Hã? – a pergunta estava tão fora de contexto pra mim que me pegou desprevenido – Ah... Não, eu tava dormindo. Não sabia que tinha voltado de viagem... Okaeri, okaa-san.

- Tadaima, querido – disse ela, impaciente – Rika-san me contou que você chegou tarde da escola e não almoçou. E por que tem lírios jogados na sua cama? Já é hora do jantar! – e inesperadamente pôs as mãos no meu rosto, virando-o de um lado para outro, me examinando – O que aconteceu? Está mais magro, mais pálido e com olheiras! Está doente, por acaso?

- Tô normal – garanti-lhe, repetindo a mesma mentira – E Milão?

Seus olhos rapidamente iluminaram-se e um sorriso despontou nos lábios carmim. O corpo empertigou-se com o ar profissional das passarelas e ela me levou de volta a cama, desatando a relatar cada detalhe que pôde se lembrar sobre os desfiles, a cidade italiana, as modelos, roupas e dos aplausos que recebera da platéia pela coleção outono-inverno.

-... E todos aqueles costumes ocidentais às vezes me deixavam tonta! – ela ria e eu fingia interesse, calado – Ah, você tinha que ter visto, cada peça tão bonita que nem sei por qual começar! Tenho certeza que adoraria as roupas da DeG, e também tinha umas grifes independentes com visuais extravagantes que nem esses que você monta, enfim...

Era fácil mantê-la satisfeita. Sem perguntas difíceis das quais nenhum de nós queria ouvir as respostas.

Preferia ser seu boneco, aquele que finge que escuta o que meu pai não faz questão de ouvir. Matsumoto Sayaka era boba, fútil, uma workholic que passava metade do ano criando modelos e roupas e a outra metade viajando para circuito de desfiles.

Duvidava que ainda houvesse algum tipo de contato íntimo entre ela e otou-san, já que não dormiam no mesmo quarto há anos. E, afinal de contas, otou-san estava ocupado demais com sua menina-dos-olhos, sua companhia aérea que “não podia parar, rumo ao progresso!” ou qualquer outro lugar-comum broxante.

Ele era orgulhoso demais. Só lhe interessam as vantagens.

“SUA BICHA DEGENERADA!”

O estômago tornou a se pronunciar, rugindo fraco. A voz de minha mãe falhou e seu monólogo se perdeu.

- Quase que esqueço! – exclamou, batendo na testa – O jantar já deve estar pronto e você deve tomar um banho antes de descer, querido – e deu-me um tapinha na costa da mão – Quero jantar com toda a minha família! – e levantando-se deu meia volta com os saltos batendo no chão e o silêncio arrastou-se de novo.

Que esperança vã, okaa-san.

***

Ele tinha a capacidade de afastar todos os que me atormentavam, fossem alunos, professores, estranhos. Lançava-lhes um olhar feroz, explosivo, de uma mãe que protege a cria.

Eu me sentia seguro. Perfeitamente seguro. Como se a porta da gaiola tivesse sido esquecida aberta e eu pudesse espreitar um outro mundo se desdobrando diante de meus olhos.

Por um breve instante.

- Você é brilhante, Takanori – ele me abraçou ao fim de mais uma amostra de minhas novas telas desajeitadas de fúria – Nunca deixem te dizerem o contrário.

- Arigatô, Yahiko-san – me senti confortado.

O Corvo que espreita a noite por detrás das grades da gaiola.

Mas a porta está aberta, então por que continuar preso?

Por que hesito?

EU NÃO SEI.

- Matsumoto-san, está me ouvindo?

- Gomen ne, sensei – pedi, num murmúrio que eu quase não ouvi.

- Eu realmente não sei o que você tem nessa sua cabeça-oca, mas me faça o favor de prestar atenção na aula! – esbravejava o professor de Química II, o cheiro de perfume barato tão perto que eu recuei.

- Gomen ne, sensei – repeti, entediado.

- Se desculpas enchessem meu bolso, pode ter certeza de que seria um prazer ser seu professor, Matsumoto-san.

As risadas surdas dos outros ecoaram, mas eu estava preparado. Ignorava completamente como todo o resto.

- E então, dê-me a satisfação de saber que estou lhe ensinando algo, Matsumoto-san. Vá até o quadro e resolva as equações de isomeria. Todas elas.

Seu ar arrogante somado ao perfume fétido despertava o que de pior existia em mim.

- Não. – agarrei-me ao tampo da carteira, tremendo.

- Nani? Disse alguma coisa? – ele colocou a mão na concha da orelha, inclinando-se e fingindo surdez.

- Não vou pra porra nenhuma. – reformulei minha negação com a maior grosseria que pude reunir. Claro que eu devia saber que era uma armadilha.

- É, é melhor mesmo que não vá – disse o professor, o sorriso de satisfação de um porco, o perfume barato irritando meu nariz – Em vez disso, vá para o corredor, Matsumoto-san. Castigo.

Bem, é melhor do que nada, pensei comigo, após o pequeno júbilo ter-se ido como uma bolha de sabão que espoca. Dois horários inteiros de silêncio do lado de fora da sala, parado, segurando um maldito balde cheio de água.

Nem sabia que esse tipo de castigo ainda existia. Que diplomacia.

Depois de quinze minutos, larguei o balde e um formigamento se espalhou por meus dedos. Bufei. Filho da mãe pestilento.

A sala da frente tinha painéis de vidro filmado e só o que eu podia ver era meu reflexo estóico encostado na parede, as lentes de contato faiscando com a luz do sol que entrava por uma grande janela no fim do corredor. Okaa-san tinha razão, eu emagrecera, provavelmente por causa das horas perdidas perto da Floricultura Hanazuki. O colarinho do uniforme ficava frouxo ao redor do pescoço e eu sentia que a camisa estava larga ao redor do corpo; o cabelo pintado de ouro branco há alguns meses descia desfiado em torno do meu rosto, conferindo a aparência doentia que eu almejava. KEEP AWAY numa placa amarela envolta de luz néon.

“Será que Honda-san gosta desse estilo?”. Fiquei surpreso comigo. Não era de pensar nessas coisas. Eu podia ser um verme, mas me lixava para a opinião das pessoas, inclusive de meu pai, que gostava de comentar em voz alta o quão orgulhoso estava com SEU FILHO MAIS VELHO QUE ENTRARA PARA A TODAI. Já eu, naturalmente gostava de ser impactante, alimentar meu ego para consumo próprio, pois despertara um sexto sentido para a aparência (herdado de okaa-san, talvez?) que não dizia respeito ao convencional, mas lembrava uma couraça de samurai. KEEP AWAY, BITCH.

“Parece até que você está se esquivando do mundo, Takanori.”

- Ih, olha lá, é o Matsumoto! – instintivamente recuei, mas antes que eu visse algo, alguém me segurou pelos braços e me imobilizou e não adiantava o quanto eu tentasse me soltar, empurrar, chutar, era óbvio que não daria certo. As aulas continuariam dos dois lados do corredor, ninguém perceberia.

Ou se importaria.

- Sabe, Matsumoto, eu e meu amigo estávamos por aí, sem nada pra fazer até que vimos você parado aqui, sozinho... Ah. tadinho do bebê Matsumoto, né? – Veteranos.

Era o que me faltava.

Dois contra um, sem testemunhas.

- Ah, ‘cê tá tão caladinho! – o cara que me segurava riu alto na minha orelha e saliva bateu no meu rosto – Fala aí, tem tido notícias do Yahiko-chan? – o veterano à minha frente segurou-me pelo queixo com força – Acho que não, né? Pra tá deprimidinho esses dias...

Gostaria de dizer muitas coisas, a maioria envolvendo palavrões e as mães daqueles veteranos desgraçados, mas elas ficaram entaladas na minha garganta. Junto com todo resto.

- Vai chorar, Matsumoto? – eu poderia matá-lo, queria desesperadamente isso – Vai chamar o Yahiko-chan?

Cuspi-lhe na cara. Logo paguei o preço por isso, sendo jogado no chão com tudo, batendo a cabeça na parede.

- Que malcriado que você é – os dois aproximaram-se enquanto tentava me levantar – Agora que aquela bicha do Yahiko-chan não tá aqui pra defender o namoradinho, chegou a hora de te lembrar qual o seu lugar, baixinho.

Era o Corvo sendo jogado para o fundo da gaiola por tentar olhar o céu mais de perto. O dono ameaça-lhe cortar as asas...

O impacto dos pés deles contra minha carne já não me causava mais nenhuma dor que eu não esperasse; meu estômago, a área mais visada pelos chutes, retraía-se, conhecedor e paciente de que não adiantava lutar.

E é claro que ninguém daria pela nossa falta. Tanto eu como eles éramos gente odiada na escola, só que quando se tratava de mim, não existia mesmo qualquer distinção.

SOQUEM ESSE ESTRANHO.

BIZARRO.

SOQUEM-NO POR EXISTIR.

UMA, DUAS, TRÊS VEZES.

ELE NÃO SE ENCAIXA AQUI.

DEIXE-NO SER SUA VALVULA DE ESCAPE.

O Corvo sendo acuado pela lâmina do dono.

- Espero que tenha aprendido a lição, teme – o riso pouco me incomodou. Sentia o sangue escorrer do supercílio e do nariz e passei a manga da camisa, limpando os vestígios.

Pus-me sentado, ofegante.

Dêem-se por satisfeitos e se mandem.

- Acho que é o suficiente, Takuto-san – disse o veterano que me segurara, o ar cruel nos olhos pretos feito carvão – Vai que aparece alguém...

- Tanto faz, ninguém vai defender esse bosta – respondeu Takuto, sorrindo-me – Mas ainda tenho mais uma surpresinha – e naquela névoa de dor e humilhação, vi-o segurando o balde que eu deixara de lado.

Fechei os olhos quando o golpe d’água atingiu meu rosto e o balde foi jogado contra minha perna.

- Ja nee, otário – e eu sabia, mesmo molhado e dolorido, que eles haviam ido. SATISFEITOS. A poça ao meu redor era gelada e água pingava dos meus cabelos e se infiltrava por todo o resto.

Uma couraça de samurai furada, é isso o que você é, Takanori.

- O que pensa que está fazendo, Matsumoto-san?! – eu não sei quem falou comigo, mas outra resposta ficou presa na minha garganta.

“Tô fingindo que tô numa lagoa, cretino”.

Cuspi sangue e desmaiei no chão.

***

Eu estava em chamas e as chamas se alastraram, cortando-me... Devia ser o inferno. Até que abri os olhos. Respirei com esforço. Reconheci o lugar. Enfermaria.

- Oh, já acordou, Matsumoto-san? – o rosto prematuramente enrugado da enfermeira assomou diante de mim – Como se sente?

Ela ajudou-me a levantar da maca e senti a quentura esvair-se enfim.

- Tô bem – mais uma vez, a mentira – Que horas são?

- Quase três. - ela cruzou as mãos no colo, voltando a sentar-se em sua cadeira, um ar maternal que me lembrava Honda Himiko – A escola já está fechando, querido. Liguei para sua família, mas seus pais não estavam em casa.

Do final pouco ouvi. Eu perdera um dia inteiro naquele buraco.

- Posso ir? – perguntei, cansado.

- Claro que pode – respondeu, sorrindo – Mas se voltar a sentir dores, tome dois comprimidos de aspirina com meio copo d’água.

Assenti, notando que minha mochila estava encostada ao lado da maca.

- O representante de turma fez a gentileza de trazer pra você – explicou ao ver para onde eu olhava. Peguei a mochila e joguei-a sob o ombro.

- Arigatô godaimasu – agradeci. Falar doía. Arrastei-me até a porta.

- Matsumoto-san, quem fez isso com você?

Sorri internamente, girando a maçaneta.

- E faz diferença?

Como previsto, ela não respondeu.

 

***

Demorei uma semana para reaparecer perto da floricultura e nesse período os lírios murcharam e okaa-san desistira de jantares em família. Ficava reclusa no ateliê e até fazia as refeições por lá. No dia da surra me enchera de perguntas, mas depois desistira.

Todos acabavam desistindo.

Os hematomas remanescentes foram cobertos com maquiagem e não me incomodavam mais. Eu superava rápido esses ataques.

E só tinha Honda Himiko na cabeça.

Tentaria uma abordagem diferente dessa vez. Eu iria à noite, quando o expediente se encerrasse. Himiko era responsável por fechar a loja e eu tinha a sensação de que ela era uma funcionária modelo, diferente da amiga balofa. Mas o que me valia era que eu poderia falar à sós com ela.

Às nove da noite me encontrava no mesmo poste de sempre, o cigarro levado frequentemente aos lábios, mas dispensara O Corvo, pois eu mesmo o era, vestido de preto dos pés à cabeça. Nervoso.  Poucas pessoas circulavam na rua e ao primeiro clique de luz sendo desligada fiquei alerta.

Himiko desceu para a calçada e trancou as portas de vidro da loja, para logo depois puxar o gradil de ferro e trancá-lo também. Aproximei-me alguns passos, ainda longe, atraído pela graciosidade dela, os cabelos soltos, um macacão azul escuro cobrindo-lhe o corpo bem feito.

Alguém chegou na minha frente. Um vulto alto de terno que cobriu-lhe os olhos.

“SURPRESA!”

Ao perceber quem era, ela virou-se e atirou-se em seu pescoço, atacando-o com um beijo esmagador.

O cigarro escorregou de meus dedos.

O Corvo acabara de levar uma flechada certeira, destruidora.

 

 

Ruki-kun

 



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Notas finais do capítulo

Deixem reviews se possível, o coração destas ficwritters agradecem.
Arigatô!



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