A Utopia do Perigo. escrita por Raissa Muniz


Capítulo 6
Pedaços


Notas iniciais do capítulo

Escrevi seis capítulos em um dia e esse é o primeiro, então qualquer coisa que eu tenha deixado passar, me avisem.



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Então a terça feira chegara. Finalmente chegara.

Agora só faltavam três dias para as aulas acabarem... Pelo menos naquela semana. Ignorando o fato que o ano letivo ainda estava no início do segundo semestre, estava tudo bem. Eu continuaria sendo atropelada pelos porcos bêbados que chamo de colegas de classe e ficaria feliz com isso. Afinal, o fim estava tão próximo...

Sim, eu admito que estou parecendo um daqueles loucos que pulam de árvores quando você está tranquilamente passeando pela praça. Mas ao contrário deles, eu só queria noticiar minha felicidade pelo ano ainda estar no segundo semestre. Bem, não foi isso que Leka pensou quando disse pra ela que tudo acabaria logo.


— Acabar? — Ela perguntou no recreio da terça-feira, tentando segurar um salgado e um refrigerante com uma mão só.

— Sim, tipo... Férias. Descanso. — Respondi.

— Pra que quero descansar? Acabei de me livrar do descanso que é ter que passar três semanas no campo. — Falou ela, convicta que férias não eram tão legais como eu imaginava. — Além disso, por que quer tanto que as férias cheguem?

— Não sei. Talvez eu goste de ficar sozinha no meu quarto, ouvindo as músicas da outra época que a tia Ellana coloca para tocar quando está cozinhando. — Respondi, dando de ombros.

— Talvez as coisas ficassem mais divertidas se eu fosse passar uns dias lá. — Sugeriu, oferecendo-se.

— Não, obrigada. Gosto de pensar que as férias formam um período de isolamento do mundo.

— Você é estranha. — Encerrou Leka, finalmente derrubando o seu refrigerante na minha blusa e me deixando mais uma vez com uma cara de lesada.

— Obrigada por isso. — Falei ironicamente.

— Disponha. Você está parecendo que acabou de desmontar daquele porco alcoólatra que passou na televisão. A necessidade de beber é contagiante entre os suínos. — Disse ela, deixando-me mais uma vez com uma cara de tacho amassado.


Caminhei até o banheiro, esperando que ninguém contasse à diretora aquele acontecimento deplorável. Certamente ela me daria uma toalhinha fofinha cheia de ursinhos gordinhos e peludinhos e depois mandaria eu vestir uma camisa reserva dos alunos da quarta série. E seria realmente um arraso eu sair e assistir todas as aulas com uma blusa pequenininha e esticada, com alguns riscos na gola e um “Me chute” bem grande que o último usuário deixara de lembrança.


— Ennie, tenho uma camisa extra na minha mochila. Você quer? — Perguntou Leka, depois que todos já estavam fazendo fila pra ver o estrago. Sim, o pessoal de lá era tão desocupado a ponto de fazer fila pra ver uma nerd babaca com uma camisa ensopada.


— Não Leka, eu quero ficar com essa camisa suja pra lembrar nossa amizade. — Falei ironicamente, mas ela entendeu como um não. — É claro que eu quero! — Gritei após concluir que ela não tinha entendido.


Leka correu entre o aglomerado de pessoas que queriam invadir o banheiro feminino e voltou minutos depois com uma camisa limpa que, ainda bem, caiu bem em mim.


— Valeu. — Eu disse, deixando um sorriso idiota estampar minha face.

— De nada. — Falou ela com vergonha, rindo também.


Depois dali, á noite...

O dia terminara mais uma vez com uma cota de acontecimentos desfavoráveis ao meu ser e a noite chegara como um abrigo para minha alma. Depois de jantar com tia Ellana, fui para meu quarto e abri as janelas, olhando as estrelas e a estrutura das árvores com atenção redobrada.

Não, eu não vou descrever o velho surto emo da miss Ennie que existe dentro de mim. Eu até poderia fazer isso, mas outra coisa chamou minha atenção.

Enquanto meu corpo se recuperava de mais um dia cansativo, minha mente captou um movimento sutil por detrás das árvores e vi de relance uma forma escura desaparecer pela direita, onde o muro do vizinho era mais baixo e descuidado.

A princípio tentei não me preocupar, mas aquilo realmente me intrigara. Levantei e fui até a sala, verificando se tia Ellana estava absorta na sua novela matinal. Tudo certo.

Caminhei até a porta dos fundos e girei a chave, abrindo-a e entrando pro entre as plantas para procurar o desconhecido. Sim, tudo isso pode ser extremamente infantil ou extremamente perigoso, mas não é todo dia que acontece, então...

Estava escuro e as plantas soltavam um odor agradável que me era muito familiar. Caminhei mais para o centro da floresta que minha tia chamava de jardim e pisei em algo gosmento. Olhei para o chão, tentando identificar, mas minha visão não era companheira do escuro.

Abaixei meu corpo e de cócoras, tomei coragem para pegar no troço nojento.

No mesmo momento que a pele fina da ponta dos meus dedos encontrou o chão e, consequentemente o objeto, congelei.

Automaticamente minha mão voltou para mais perto do meu corpo e a limpei na minha roupa.

Aquilo só podia ser sangue, e junto com ele, eu tinha quase certeza que tinha outro pacotinho. Talvez o órgão que cedeu aquele sangue.

Não consegui pensar em ações, com o corpo totalmente imobilizado pelos fatos.

O que aquele sangue estaria fazendo no meu quintal? E o que era aquela forma escura que se movimentava de maneira tão volúvel?




— Tia Ellana... Sangue... No quintal... — Anunciei de forma dramática para minha tia que agora ria das desventuras de um pobre coitado da novela mexicana.

— O quê? O que está falando, Ennie? — Perguntou ela, sem entender.

— Tem sangue no quintal. E outra coisa que eu realmente não sei o que é. Talvez seja um órgão. — Expliquei.

Tia Ellana parou por um minuto e olhou o relógio, como um movimento de rotina. Seu corpo estava como o meu, despreparado para receber tal notícia, mas com a boa e velha força de vontade do ser humano, fomos as duas tentar descobrir que diabos era aquela coisa nojenta que agora sujava o meu quintal.



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