— Mano, o que é que eles querem vindo aqui? — Perguntou Leka após checar se a porta do quarto estava bem fechada.

— Prestar solidariedade à uma aluna e difundir o lema de confraternização da escola, talvez? — Respondi.

— Não faz sentido.

— Já percebi isso.

Ela se jogou na cama, levando as mãos à cabeça. Como nunca conseguia ficar quieta por muito tempo, logo se levantou e foi até a mesinha do computador. Ligou o mesmo e abriu na página dos meus e-mails. Pois é, ela descobriu a senha.

— Olha aqui, um e-mail do Bernardo. — Falou ela com indiferença.

Praticamente pulei em cima de Leka, tentando enxergar o monitor para ler a tal mensagem.

— Sai, sai daí. — Falei impaciente, empurrando Leka com a mão.

— Hmmm, parece que alguém tá apaixonadinha. — Respondeu ela com sarcasmo, se pondo a rir como uma anta perdida.

Fiquei mais uma vez com uma cara de tacho, incapaz de fazer algo à altura para aquele comentário de Leka.

Tentando parecer indiferente, abri o e-mail e me deparei realmente com uma mensagem de Bernardo. Não era brincadeira.

“Oi Ennie,

Bem, acho que você já deve ter percebido que depois de tantos acontecimentos, a cidade maneirou um pouco a maneira que lhe enxerga. Meus pais também estão mais tranqüilos. Não sei se é por pena ou simplesmente por incredulidade que você tenha feito qualquer coisa dessas. Desculpa por todo esse tempo que passei afastado, mas realmente não pude ir contra as regras da minha família. Espero que você compreenda e que esteja bem. Ouvi boatos que a Leka estava passando alguns dias aí com você. Tipo, então é isso, né...? Confio nela e sei que está fazendo o papel de amiga. O papel que talvez eu nunca consiga fazer.

Com carinho,

Bernardo”

Li a mensagem por outras duas vezes para absorver o que estava escrito. Leka balançava a cabeça no outro canto do quarto, escutando música com os meus fones de ouvido. Não percebeu a expressão que eu fiz, nem eu almejava que o fizesse. Não sei definir se naquele momento me senti mais leve ou presa aos acontecimentos. Estava quase esquecendo de todos aqueles fatos macabros que aconteceram no meu quintal. Estava quase esquecendo que era considerada louca e que agora, além de nerd babaca, era chamada de nerd pirada também. Estava conseguindo apagar parte daquele passado — agora tão distante — quando li aquela mensagem de Bernardo. Foi como recapitular algo que há muito tempo eu estava querendo esquecer. Acho que continuar nessa tentativa de definição redundante não vai funcionar pra muita coisa. Já não sei se consigo pensar como antes.