The World Behind My Wall escrita por The Escapist


Capítulo 8
08




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Assim como tinha prometido, Alexandre tentava não se meter na vida da filha, nem nos planos de casamento. Mas ainda era complicado encontrar os dois completamente empolgados com a ideia.

Júlia e Eduardo estavam olhando o jornal; pelo tom da conversa, Alexandre pôde deduzir que eles estavam procurando um apartamento pra alugar.

— Oi, Júlia, oi, Eduardo.

— Oi, pai. — Eduardo se limitou a acenar com a cabeça. — Chegou cedo hoje.

— Por incrível que pareça, eu terminei de atender meus pacientes cedo. Ahm, vocês ainda estão pensando em se casar?

— Pai! Claro que sim, não vai começar de novo, vai?

— Calma, Júlia, eu só queria saber, afinal, alguém vai ter que arcar com as despesas, não é?

— A gente não está pensando em nada grande, só o básicão mesmo.

— Sei.

— Qual é, pai, vai ficar olhando com essa cara estranha?

— Você deveria se acalmar, Júlia. Vocês dois são teimosos, e embora eu não concorde com essa estupidez... — Alexandre disse vagarosamente, e com cuidado, mas Júlia demonstrou impaciência.

— Ah...

— Eu não posso impedir, mas... Eu tenho uma condição...

— Pai, pelo amor de Deus!

— Será que você pode me ouvir? — Alexandre olhou de relance o jornal. — Vocês não podem alugar um apartamento, vocês não podem pagar! Ou será que você pensa que a sua mesada é bastante pra manter uma casa. — Júlia só conseguiu ficar com raiva do pai, ele estava deliberadamente querendo humilhar Eduardo. — Eu só quero que vocês morem aqui por um tempo.

— Como é que é?

— Vamos ser racionais, mesmo que o Eduardo trabalhe e estude, ele não vai conseguir manter o seu padrão de vida, Júlia, e, seria uma mudança muito brusca, eu acho que vocês podem evitar isso. Bom, além disso, os dois devem terminar a faculdade, com calma, vocês podem morar aqui, até que possam se estabilizar financeiramente. — Júlia percebeu o quanto aquilo era difícil para o pai; ele estava simplesmente abrindo mão do orgulho, para que ela ficasse feliz. — O que é que vocês me dizer?

— Bom, poxa, o que você acha, Eduardo? — Eduardo quase xingou em voz alta.

Júlia não deveria colocar em suas mãos. Morar na casa do sogro que declaradamente não gostava dele, não seria nada agradável; por outro lado, era a solução que ele tanto procurava, afinal, sempre ficava imaginado como seria tirar Júlia daquela vida a qual estava acostumada.

— Ah, er, por mim, pode ser, Júlia, quer dizer, se não for um incômodo.

— Não será incomodo para você, Eduardo? — Alexandre perguntou, com o tom frio que sempre dispensava ao futuro genro.

— Não — Eduardo mentiu.

— Então, ótimo, vocês ficam; querida, ao invés de procurar uma casa nova, você pode apenas redecorar o seu quarto; nós podemos trocar de quarto se você preferir mais espaço. — Júlia mal conseguia falar; verdade que sempre sonhou com o pai aceitando numa boa o seu casamento, mas aquela empolgação, era mais que perfeito. Já Eduardo não se convenceu do acesso de bondade do sogro, claro, que ele estava fazendo aquilo para lhe humilhar, talvez ainda tivesse esperança de Júlia cair na real e desistir. Para o inferno com a sua bondade.

— Está tarde, eu preciso ir pra casa, boa noite, Júlia. Ahm, boa noite.

— Boa noite, meu amor. — Júlia acompanhou Eduardo até a porta; quando voltou sentou para conversar com o pai, já fazia dias que ele não demonstrava tanto bom humor.

— Obrigada, pai.

— Pelo que, Júlia?

— Como pelo que?!

— Você não tem que agradecer por nada, filha. Olha, eu sei como é gostar de alguém de um jeito tão forte que a gente não escuta a razão, e eu sei que o que existe entre você e ele é de verdade. Eu queria que você me desculpasse por ter tentado fazer você desistir do seu amor e da sua felicidade, eu fui egoísta, mas eu só tive medo de perder você, querida. Eu só quero que você seja feliz, e se tem que ser com ele, eu vou procurar me acostumar com a ideia. — Júlia abraçou o pai.

— Obrigada, obrigada, obrigada.

Mesmo o desconforto que Eduardo sentia diante do pai de Júlia poderia ser alguma coisa comparada a felicidade dela depois que Alexandre deu a sua aprovação e total apoio ao casamento.

— Júlia, você já contou a sua mãe que vai se casar?

— Vou contar.

— Ah, meu Deus, você vai se casar daqui a dois meses e ainda não contou para sua mãe?

— Calma, pai, eu vou ligar para ela...

— Ligar para ela? Você tá brincando né?

— Bom, não...

— A sua mãe, embora as coisas na nossa família sempre tenham sido diferentes, continua sendo sua mãe, e ela te ama, você não acha que é no mínimo falta de consideração contar uma coisa tão importante para sua vida pelo telefone? — Eduardo que estava jantando na casa de Júlia não pôde deixar de concordar. — Sem falar no fato de que ela nem conhece o seu noivo.

— Acho que eu não posso esperar que ela venha até aqui... — Alexandre fez um gesto de impaciência.

— E que tal você ir até lá, de preferência com o seu noivo para sua mãe conhecer?

— É, é uma ideia também, mas...

— As passagens estão na minha mesa na biblioteca; espero que vocês tenham pelo menos a consideração de dormirem em quartos separados.

— Ha, claro, pode deixar. — Depois que acabaram o jantar, Júlia e Eduardo ficaram sozinhos. — Você não quer ir para São Paulo?

— Desculpe, não é isso, Júlia, é que, o seu pai anda estranho ultimamente né?

— É verdade, mas ele tá se esforçando para levar numa boa; apesar desse jeito mandão, acho que ele está se acostumando.

— Ele já fez alguns avanços, agora ele me chama ele, ou seu noivo, não mais aquele garoto!

— Vocês ainda vão se entender, eu tenho certeza.

— E quando nós vamos para São Paulo?

— Depois de amanhã.

— Legal, preciso contar ao meu pai.

— Você já viajou de avião?

— Não.

Eduardo não estava tão nervoso pra conhecer a mãe de Júlia, afinal todas as situações desagradáveis já tinham acontecido com Alexandre, não poderia ser pior com Cristina. E a mãe e o padrasto de Júlia foram simpaticíssimos com ele. Na hora de contar sobre o motivo da visita, Júlia preferiu conversar com a mãe a sós primeiro. As duas conversaram por mais de uma hora, e quando voltaram Eduardo estava conversando com Wolf. Júlia estava estranha, de um modo que Eduardo não pôde adivinhar o resultado da longa conversa; felizmente a angústia não demorou muito; Cristina acabou com a ansiedade do rapaz abrindo um grande sorriso, e tomando Eduardo num abraço.

— Você é um garoto de sorte, Eduardo.

— Eu sei, senhora.

— Bom, eu não posso deixar de dizer que vocês são bem malucos para querer se casar com essa idade! Eu sei, Júlia, como se eu tivesse moral para falar... Bom, mas eu vou torcer muito pela felicidade de vocês crianças.

Depois da aprovação de Cristina, Júlia e Eduardo passaram a acelerar ainda mais os preparativos do casamento; como os dois preferiram, não houve festa, só o “basicão” mesmo. As famílias e amigos mais próximos foram convidados para a cerimônia religiosa. A lua-de-mel foi apenas um fim de semana em Campos do Jordão, porque os dois ainda não tinham ficado de férias da faculdade.

Nos primeiros dias morando na casa de Alexandre, Eduardo se sentia deslocado, até mesmo intruso. Não era nem mesmo confortável passar a noite com Júlia sabendo que o pai e os irmãos dela estavam a poucos metros de distância, talvez até acordados, mas com os dias ele foi se acostumando. O mau humor de Alexandre tinha diminuído, e eles até conversavam de vez em quando, principalmente nas horas das refeições.

Um dia Alexandre chegou do trabalho na hora do jantar e encontrou Eduardo na cozinha preparando a comida.

— Cadê a Júlia?

— A Júlia foi para uma festa, aniversário de uma amiga dela — Eduardo respondeu naturalmente.

— A Júlia foi pra uma festa sozinha? — Alexandre perguntou incredulamente, no mesmo instante que os filhos entraram na cozinha a tempo de escutar.

— Eh, que é isso, hein? — Bruno foi sarcástico com o cunhado. — Tão pouco tempo de casado e... — Eduardo bateu com a tigela que segurava na pia.

— O que é que tem a Júlia ir para uma festa sozinha?

— Realmente nada demais, Eduardo. Você fica em casa cozinhando enquanto sua mulher vai para a balada; é, parece que eu exagerei demais em me preocupar com o casamento da minha filha.

— Olha só doutor, por que o senhor não guarda o seu sarcasmo ham? Acontece que eu confio na sua filha, na minha esposa; eu não vou pedir que ela deixe de fazer as coisas que ela gosta, e, além disso, eu não fui para a festa com ela porque amanhã eu preciso acordar cedo, porque eu vou pra casa do meu pai, ok?

Eduardo não conseguiu, entretanto, dormir cedo, e ficou acordado até Júlia voltar.

— Como foi a festa?

— Não foi grande coisa sem você, né amor? Mas, a Paula tava super feliz. E por aqui, como as coisas se saíram?

— Bem, seu pai me fez passar por ridículo, só para variar.

— O que ele fez?

— Ele achou um absurdo você ir sozinha para a festa.

— Que besteira, só o meu pai, mesmo! Ah, você vai para a casa do seu pai amanhã?

— Vou, tô morrendo de saudade da Giovanna.

— Eu queria ir com você, mas eu tenho tanta coisa para estudar, três trabalhos para entregar segunda, enfim...

— Tudo bem, você vai da próxima vez.

— Eu sei que você vai acordar cedo, então, não esquece de levar os presentes da Giovanna, tá?

— Você não deveria mimar a minha irmã desse tanto, Júlia.

— Qual é o problema? Deixa de bobagem, Eduardo, já chega de cerimônia, você não acha? Já basta você não aceitar nada de mim...

— Ah, para, vai, eu moro aqui, tenho casa, comida e roupa lavada, tudo na faixa, e ainda sou casado com você, isso já é demais, Júlia.

— Ok, não vamos discutir isso, agora, vamos dormir né?

Ainda demoraria pra Alexandre admitir que gostava de Eduardo, mas intimamente admirava o garoto, um garoto que agia, na maior parte das vezes como um homem. Uma vez conversando com Ricardo, Alexandre disse “você tem um bom filho”. E, a julgar pela felicidade de Júlia, ele não poderia imaginar um rapaz melhor que Eduardo.

Eduardo e Júlia acabaram ficando morando na casa do pai e nem pensavam em se mudar; quem fez isso foram dois dos irmãos; Danilo também se casou, e saiu de casa — não ia se casar e continuar levando ordem do pai, já passava por isso no hospital. Bruno resolveu ir morar em São Paulo, na casa da mãe, e mudar de curso, não tinha vocação nenhuma para arquiteto, talvez fizesse cinema, ou jornalismo, enfim. Só Leandro continuou em casa, mas era como se nem morasse mais lá, por que passava a maior parte do dia dormindo, e as noites, só Deus sabe onde!

Eduardo e Júlia ainda mantêm o velho costume de internet, embora passem menos tempo em frente ao computador, mesmo assim, ainda fazem amigos virtuais, conversam, debatem sobre seus assuntos preferidos. Não poderiam deixar de habitar o mundo que os uniu.


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Notas finais do capítulo

So this is it.