The World Behind My Wall escrita por The Escapist


Capítulo 1
01




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Júlia passava a maior parte do dia em frente ao computador. Assim que chegava da escola ligava o notebook na cozinha e, enquanto fazia o almoço, navegava na web. Ela tinha dezessete anos e estava no último ano do colégio, no ano do vestibular e a sua “mania de internet” deixava o seu pai irritado.

— Você deveria estudar mais e ficar menos tempo na frente do computador, Júlia.

— Pai, minha menor nota esse ano foi 9.5, ok? Portanto, o senhor não tem subsídio para me criticar por nada.

— Eu já disse muitas vezes que não vejo com bons olhos os relacionamentos virtuais e você sabe disso.

— Até parece! Do que jeito que o senhor fala, parece...

— Parece que você é muito ingênua e fala qualquer coisa sobre a sua vida para qualquer pessoa. Júlia, isso é sério, você tem que tomar cuidado.

— Eu tomo.

Mas bastava o pai se afastar, Júlia entrava na internet de novo e ia direto para as páginas do Orkut e dos fóruns de discussão. Seus assuntos preferidos eram automobilismo e livros. Foi no fórum sobre o piloto Michael Schumacher que ela começou a “teclar” — como se diz na linguagem virtual — com Eduardo. Júlia não tinha uma foto no seu perfil virtual, porque o pai a tinha proibido de expor fotos na rede mundial de computadores, e mesmo achando que isso era uma coisa muito ruim ela obedeceu, até por que, embora o pai achasse que ela era uma bobalhona, também tinha suas precauções pra navegar.

Eduardo também não tinha nenhuma foto, e Júlia nem tinha certeza de que ele existia de verdade, mas eles passavam horas diárias no fórum conversando e trocando mensagens, ficaram “amigos” e se adicionaram no MSN — o programa de mensagens instantâneas.

“Acho que eu devo ir dormir” — escrevia Júlia; eram quase três horas da manhã e ela estava conversando com Eduardo desde as oito da noite.

“Tem razão, está tarde” “eu falo com você amanhã?”

“Se meu pai não cancelar nosso provedor, com certeza.”

“Então boa noite, Juh”

“Boa noite, Edu. Bjos”

Júlia achava que era uma grande loucura, se não estupidez, gostar de alguém que ela nem sabia se existia de verdade, mas a cada dia que passava e depois de todas as horas que ficava em frente ao computador conversando com Eduardo, não podia mais negar que gostava dele e não conseguia acreditar que ele estivesse mentindo sobre tudo. Ele já tinha falado bastante sobre sua vida e eles tinham muito em comum.

Eduardo tinha 16 anos, um a menos que ela, e também estava no último ano do colégio, mas ele estudava num colégio público, ao contrário de Júlia; morava com o pai e a irmã de cinco anos, a sua mãe morreu quando ele tinha doze anos; ele ia para a escola de manhã e ficava cuidando de Giovanna à tarde enquanto o pai trabalhava; ele também cuidava da casa e fazia o almoço; gostava de futebol, automobilismo, matemática e informática; ia fazer vestibular para Ciências da Computação.

— Você acha que um dia a gente vai se vê? De verdade?

— Não sei.

— Você acha que isso seria bom?

— Acho que sim.

— A gente já se conhece há quase um ano...

— Edu...

— Que?

— Nada não. Então, você está estudando muito?

— Muito! Pode crer que eu vou dar uma sumida nos próximos meses, eu quero muito passar no vestibular.

— Eu também, meu pai me mata se eu não passar. Se você for fazer a prova no campus a gente pode se ver...

— Marcar um encontro?

— Quem sabe?

— No dia do vestibular? Acho que não é uma boa ideia.

— Por quê?

— Isso pode tirar minha concentração.

— Bobo, por que isso aconteceria?

— Sei lá, você deve ser muito linda...

— Eu não sou nada linda, então, não crie expectativas, ok?

— Nesse caso estamos empatados.

— Quando nós vamos sair disso?

— De que?

— Quando você vai me deixar te ver?

— Quando você me deixar te ver primeiro.

— Você sabe os meus motivos.

— E você sabe os meus.

— Não é possível que você não tenha uma foto no PC...

— Tá me chamando de mentiroso?

— Não, mas... Eu não sei, é tão estranho...

— A gente não precisa ter essa discussão, concorda?

— Claro.

— Vamos falar de coisas mais agradáveis...

— Ok. O que você quer conversar?

— Você já está namorando?

— Você sabe que não...

— Eu sei?

— Você acha que seria capaz de namorar uma garota chata como eu? — Júlia escreveu meio que sem querer e envergonhada, feliz por Eduardo estar a quilômetros de fibra óptica dela e não poder vê-la naquele momento; a resposta dele demorou mais que o normal, e Júlia se arrependeu do que tinha feito. “Que burra”

— Você não é chata, Júlia... E... Olha, eu preciso sair...

— Desculpa...

— Tá na hora de banhar a Giovanna, a gente se fala à noite, beijos. —

Antes que Júlia pudesse responder mais alguma coisa, Eduardo já estava offline. Júlia desligou o computador e foi estudar um pouco de Química. Mais tarde foi preparar o jantar; os irmãos foram chegando e sentando na cozinha, de repente os três perceberam que ela não estava de bom humor.

— O que foi Júlia? — perguntou Danilo, o irmão mais velho; Júlia ignorou a pergunta.

— Cadê o papai?

— Ainda ficou na universidade, ele tinha uma reunião, provavelmente não vem jantar.

— Precisamos falar com ele sobre os ingressos para o GP... — Júlia preferiu mudar radicalmente de assunto antes que os três irmãos começassem a tirar onda com a sua cara.

— É, será que ele vai? Se ele não for a gente pode ficar na casa da mamãe. — Bruno falou meio em dúvida, e a ideia não foi bem aceita pelos três irmãos. Bruno era o terceiro filho, mais velho um ano que Júlia.

— Eu prefiro ficar num hotel... De qualquer forma. — Leandro era o que menos gostava do padrasto.

— Sinceramente eu estou mais preocupada com os ingressos, se ele não for, vai ser ruim de querer comprar ingressos para a gente, vocês sabem como ele é... Além disso, a gente vai ficar três dias em São Paulo, não vai dar tempo para ficar com a mamãe mesmo, nem com o Wolf.

A mãe de Júlia morava em são Paulo com o novo marido desde que ela tinha quatro anos de idade; quando os pais se separaram os quatro filhos ficaram com o pai, e mesmo depois de crescidos não quiseram morar com a mãe. Danilo e Leandro, eram os mais velhos e sentiram mais a separação. Com 10 e 8 anos quando ela foi embora, eles ficaram mais magoados, e sempre acharam que a mãe tinha abandonado a família por causa do novo marido. Bruno e Júlia, mesmo sendo mais novos entenderam e aceitaram muito melhor a partida da mãe e sempre iam passar as férias com ela, mesmo não gostando do padrasto.

Danilo era o irmão mais velho de Júlia, tinha 22 anos e estava fazendo faculdade de Medicina, como o pai; era um rapaz alto e loiro, muito inteligente e o mais paciente da família. Leandro, de 20 anos, era o mais brincalhão dos quatro, estudava Educação Física, mais por que o pai insistia que os filhos fizessem uma faculdade do que por vontade própria. Bruno, apesar de ser um ano mais velho que Júlia, era considerado o caçula da família; não tinha conseguido entrar na universidade no ano anterior e agora fazia cursinho pré-vestibular, era o irmão preferido de Júlia, por que ela sentia como se sempre precisasse protege-lo de alguma coisa.

O pai de Júlia, o Dr. Alexandre, tinha apenas 40 anos e era um homem jovem, para carreira que tinha e para família que tinha. Ele tinha se casado com Cristina, a mãe dos seus filhos, aos dezoito anos. Eles namoravam desde o colégio e Cristina engravidou aos dezessete anos; Alexandre estava no primeiro ano da faculdade, e tinha que trabalhar para sustentar a nova família, já que seus pais, mesmo sendo de classe média, não estavam satisfeitos com o casamento e nem pareciam dispostos a ajudar muito o filho. Alexandre não estava preocupado com isso, amava tanto Cristina que a única preocupação da sua vida era fazê-la feliz.

Eles viviam bem, mesmo tendo algumas dificuldades; Cristina terminou o colégio, com todo o apoio de Alexandre e também entrou na universidade para estudar medicina, mas a gravidez seguinte deixou a situação mais complicada para o jovem casal; Cristina largou a faculdade no oitavo mês de gravidez.

Depois do nascimento de Leandro eles decidiram que seria melhor parar, mas dois anos mais tarde aconteceu um “acidente” e Bruno nasceu; um ano depois, um novo acidente, e Júlia completou a família. Alexandre continuava apaixonado por Cristina da mesma maneira que antes, mas a jornada de estudar e trabalhar nem sempre permitia que ele demonstrasse isso, e ela não tinha mais tanta certeza de sentir o mesmo pelo marido.

Alexandre vivia ocupado, obcecado em ser um profissional bem sucedido e essa obsessão dele pela perfeição foi o início da ruína do casamento. Cristina não estava preocupada que ele fosse um grande médico, queria que ele fosse um bom marido, que lhe desse atenção e aos filhos, e a cada dia que passava se sentia mais desconfortável no casamento. A ideia nem passava pela cabeça de Alexandre, para ele tudo que fazia era pensando em dar o melhor para a família, não podia imaginar que isso estivesse magoando Cristina.

Os dez anos de casamento não tiveram o mesmo gosto para os dois; Alexandre se sentia feliz com a família, amava Cristina e nunca tinha pensado em outra mulher, muito menos em separação; mas Cristina não sentia mais o mesmo por ele. Sentia-se angustiada por ter aberto mão de todos os seus planos e sonhos por causa dele e tudo que tinha que fazer era cuidar da casa e dos filhos dele, e Alexandre só tinha tempo para estudar e trabalhar.

Cristina conheceu Wolf e a ideia do divórcio se tornou constante em sua mente; não queria ser infiel ao marido e não o amava mais, o melhor para ambos seria separarem-se. Alexandre ficou arrasado quando Cristina tocou no assunto, mas depois de pensar muito, acabou aceitando; afinal não poderia obrigar Cristina a gostar dele. Eles moraram juntos por quase um ano, mas separados do ponto de vista conjugal; era por causa dos filhos; Cristina sabia que seria difícil para Alexandre ficar longe das crianças, por que apesar de tudo ele amava os filhos mais que qualquer coisa na vida.

Quando Wolf lhe pediu em casamento, o único empecilho eram as crianças; ela também não queria deixar os filhos, mas não queria fazer Alexandre sofrer, principalmente por que Wolf pretendia morar em são Paulo em breve; ele não se importava se ela quisesse levar os filhos pra morar com eles depois do casamento, Cristina sabia disso, mas sabia também que Alexandre não aceitaria tão fácil. E ela estava certa. Quando fez essa proposta a ele, a reação foi exatamente a que ela esperava. Claro que Alexandre não aceitou.

Os dois conversaram, discutiram, conversaram, até chegar a decisão. Alexandre assinaria os papéis do divórcio sem problemas, desde que ela deixasse as crianças com ele. Cristina aceitou, mesmo sofrendo; primeiro por que podia perceber que as crianças não se davam bem com Wolf e ele não fazia muito esforço para mudar isso, e por que, se elas tivessem que escolher entre o pai e a mãe, Cristina sabia que eles escolheriam o pai.

Depois que se mudou pra São Paulo, ia ver os filhos uma ou duas vezes no mês, e eles começaram a se afastar; Danilo e Leandro, eram piores, mal queriam falar com ela; Bruno e Júlia eram sempre mais carinhosos. À medida que eles cresceram a relação foi melhorando; talvez eles agora entendessem que o fato de ter ido embora não significava que ela amava mais Wolf que os filhos.

No início não foi nada fácil para Alexandre cuidar de quatro crianças sozinho e ainda trabalhar e estudar. Mas ele conseguiu terminar a faculdade, fazer pós-graduação, e se tornar um profissional muito bem sucedido. E além de tudo encontrava tempo para dar atenção, educação e amor aos filhos. Ele trabalha como médico em dois hospitais, uma clínica particular e um hospital público e dá aulas de medicina na universidade federal — Danilo é um dos seus alunos.

Quando o pai chegou em casa, os filhos já tinham jantado; Danilo estava estudando na biblioteca; Bruno estava vendo TV, e Júlia estava no quarto — na certa de frente ao computador. Alexandre nem precisou acender a luz para saber que Leandro estava no sofá “se pegando” com a namorada. O casal nem percebeu a sua chegada e Alexandre pigarreou para informá-los que eles não estavam sozinhos.

— Pai?! Que coisa, chegando assim... Pô!

— Boa noite, Leandro, boa noite, Luísa.

— Boa noite, Dr. Alexandre. — Luísa ficou vermelha, agradecida por Alexandre não ter acendido a luz.

— Bom, seus irmãos estão em casa?

— Sim.

— Com licença, eu vou jantar; Leandro, quando você tiver um tempinho, nós precisamos conversar, ok?

— Ok. — Alexandre deixou a pasta e o jaleco em cima do sofá e foi para a cozinha; estava esquentando o jantar quando Júlia entrou.

— Você deveria pedir, ou melhor, mandar o Leandro parar com aquilo!

— Eu sei, eu já falei com ele sobre isso.

— Se fosse eu... Eles ficariam falando... — Alexandre estremeceu com a ideia de encontrar Júlia e um namorado... — Eu esquento para você, pai.

— Obrigado, querida. — Depois que esquentou o jantar do pai, e deixou ele jantando, Júlia voltou para o quarto, para a frente do computador, esperando que Eduardo estivesse online, mas ele não apareceu, e logo ela desistiu de esperar, tinha prova de Matemática no dia seguinte, e precisava dormir cedo. Desligou o computador e foi para a cama.

Passou mais de uma semana sem que ela falasse com Eduardo outra vez; Será que ele tinha ficado magoado com aquela bobagem que ela tinha dito? Mas, por quê? Eles já tinham falado sobre isso outras vezes, ele já tinha falado sobre isso outras vezes! Claro, como eu sou burra, claro que o Eduardo ficou chateado! O problema era que eles já tinham concordado que um namoro virtual não seria legal e eles seriam apenas amigos. Ele deve até ter uma namorada...

Júlia já estava praticamente conformada em perder Eduardo, e começando a acreditar que o pai estava certo — relacionamentos virtuais não são legais — quando um dia, ao ligar o computador viu o ícone que representava Eduardo verde, o que indicava que ele estava online. Júlia hesitou um momento. Estar online não significava que ele queria falar com ela, afinal, eles não se falavam há mais de uma semana e ele nunca tinha ficado tanto tempo sem dar uma notícia, uma mensagem nem nada!

Enquanto Júlia pensava, Eduardo foi mais rápido, e logo a janelinha de conversa estava piscando no canto da tela. Por alguma razão que ela não sabia explicar, o coração disparou. Não seja ridícula, Júlia, repreendeu a si mesma. A janelinha piscava insistente, deveria responder; clicou e leu a mensagem de Eduardo.

— Oi...

— Oi... Tudo bem?

— Aham, estou bem, e você? Estava com saudade...

— Eu também, estou bem, e estava com saudade. O que aconteceu?

— O caos! Primeiro o meu PC deu pau, não presta mais pra nada, eu estou tentando consertar, mas preciso de um HD novo, e, pra completar a Giovanna ficou doente e eu tive que ficar no hospital com ela.

— Ah, que pena; mas ela está bem?

— Sim, agora ela está bem, já está em casa.

— Que bom.

— E você, que tem feito esses dias?

— Hum, nada demais; estudando muito; acho que eu vou pra casa do meu primo amanhã.

— Legal; eu vou estudar também, preciso revisar a matéria. Bom, eu vou precisar ir agora...

— Tudo bem; a gente vai demorar a se falar de novo?

— Acho que sim, por que eu vou ficar bem ocupado, e dependendo do computador da escola.

— Onde você está agora?

— Numa lan.

— Sei.

— Ei, Júlia... Lembra o que você me perguntou naquele dia? — Ah, merda!

— Lembro...

— Bom, sabe, a minha reposta, é sim, claro que eu seria capaz de namorar uma garota chata como você. J

— Você é muito bobo, Eduardo.

— Bom, o bobo aqui precisa ir, beijo.

— Tchau.

Júlia ficou tão feliz com a volta de Eduardo que até sonhou com ele — embora não fizesse ideia de como ele fosse. Poderia ter alguma esperança, afinal Eduardo morava na mesma cidade, mesmo longe, era a mesma cidade provavelmente eles iriam para mesma universidade, mesmo que para cursos diferentes. Era muito provável que até o fim do ano eles se conhecessem pessoalmente. E não era Eduardo o garoto mais legal e inteligente que ela conhecia? Se ele não fosse um gato, não seria um problema; então, qual era o problema em ter esperanças em relação a ele?

Como Eduardo tinha previsto, eles se falaram menos nos dias seguintes; mais ou menos uma hora por dia, e nem era todos os dias; era um relacionamento estranho e completamente novo. Não era apenas amizade, mas não poderia ser um namoro sério. O combinado era que se conhecessem alguém na “vida real”, aquela relação não seria um impedimento para seguir. Certo. Mas Júlia não estava de modo nenhum interessada em conhecer alguém na “vida real”, o que ela queria de verdade era conhecer Eduardo pessoalmente.

— A Júlia tem um namorado — Leandro disse provocativamente quando a família estava sentada à mesa do café da manhã. Júlia sentiu o rosto vermelho, detestava essas brincadeiras do irmão, principalmente quando o pai levava a sério.

— Júlia? — Alexandre perguntou à filha que estava de cabeça baixa, querendo matar Leandro.

— Não tenho namorado nenhum, pai.

— Tem sim, um namorado na internet. — Bruno e Danilo começaram a rir.

— Idiotas!

— Júlia?

— Isso é mentira desse idiota, pai.

— Aquelas mensagens melosas no seu Orkut não são mentiras.

— Você anda fuçando o meu Orkut?

— Que eu saiba o Orkut é público.

— Meu Deus, Leandro, como você é infantil, garoto.

— Infantil é você, que fica namorando na internet.

— Cala a boca.

— Parem, vocês dois, parem de se comportar como crianças. Júlia, o que a gente já conversou sobre isso não serviu de nada pra você?

— Pai, não é nada do que você está pensando.

— O que é então? — O telefone tocou e Alexandre se levantou pra atender.

— Muito obrigada, Leandro, você facilitou muito a minha vida.

— Aí, eu não sabia que era segredo; tá no seu scrapbook para qualquer pessoa ver, maninha!

— Então você tem mesmo um namorado na internet, Júlia? — Danilo falou com ar zombeteiro, e trocou um risinho crítico com os irmãos;

— Olha, eu não preciso que vocês fiquem rindo de mim, ok?

— Qual o nome dele? Gato do MSN? Felipe_17?

— Gostoso carente...

— Boa, Bruno! — Júlia não respondeu às brincadeiras sem graça dos irmãos, e depois eles perceberam que ela estava a ponto de cair no choro, pararam de fazer piadas. — Júlia...

— Vai para o inferno, Danilo, todos vocês, vão para o inferno!

— Calma, garota, oh, precisa dar chilique também? — Alexandre voltou para a cozinha e percebeu a discussão entre os filhos.

— Júlia, a gente precisa conversar sobre isso.

— Por favor!

— Você está passando dos limites; essa mania de internet já está extrapolando o limite do tolerável. Vocês três podem ir andando ou vão se atrasar para a aula.

— Partindo do princípio que o meu professor ainda está em casa...

— Danilo!

— Ok. Se alguém quiser carona, me siga. — Danilo, Leandro e Bruno saíram.

— Eu preciso ir para a escola, pai.

— Não, Júlia, a gente vai conversar, agora. Olha, eu tenho tentado ver o seu comportamento como normal, coisa de adolescente, mas, não é mais possível.

— Não me faz parecer uma pessoa doente, por favor.

— Você passa o dia inteiro na frente de um computador, Júlia, você não tem uma vida social, você não tem amigos.

— Eu tenho amigos, sim.

— Eu estou falando de gente, de carne e osso e não de uma máquina!

— Pelo menos a “máquina” me entende.

— Entende? O que? Você é muito boba, ou muito teimosa! Você acha que é grande coisa ficar falando da sua vida e dos seus problemas para uma pessoa que você nem sabe se existe? Você acha mesmo que é legal confiar em alguém que não existe?

— Você nem conhece o Eduardo.

Você não conhece o Eduardo! Droga, Júlia, essa pessoa que você acha que tem dezesseis anos é um pédofilo, será que você não entende isso?

— Pai, eu... Poxa, eu sei que existem pessoas más na internet, mas, não é o caso... Também existem pessoas boas.

— Você não pode ter certeza, na dúvida é melhor evitar.

— Quando eu conhecer o Edu...

— Quando você o que?

— Ele vai fazer vestibular pra federal, a gente combinou que se a gente passar...

— Não se atreva a querer conhecer essa pessoa!

— Pai...

— Eu te proíbo. — Júlia nunca gostava de brigar com o pai; ela fez uma cara de choro. — Eu só quero o seu bem, Juh, você não entende?

— Entendo, pai.

— Se você tiver um namorado, e ele for de carne e osso, e a gente puder saber a respeito dele, da família dele, eu não vou me incomodar, eu juro para você. Mas isso eu não aceito, Júlia, de maneira nenhuma. — Júlia pensou em justificar, dizer que sabia bastante sobre Eduardo, mas preferiu deixar morrer o assunto; Alexandre não entenderia, nunca confiaria em alguém que ele não pudesse olhar dentro dos olhos. — Eu quero que você seja feliz, seja jovem, divirta-se, aproveite a sua vida e não perca todas as horas parada na frente de uma máquina, deixando o mundo passar lá fora. Será que você pode fazer isso por mim?

— Claro.

Júlia não queria e nem precisava criar um problema a mais com o pai; se as coisas acontecessem como ela esperava que acontecessem, logo que Alexandre conhecesse Eduardo e visse o quanto ele era inteligente, legal, responsável e tudo — e de verdade — ele também ficaria encantado e os problemas estariam resolvidos. Até isso acontecer ela poderia pegar leve em relação ao tempo em frente ao PC, estudar mais, passar mais tempo com os amigos “de carne e osso”, passar no vestibular, enfim.

— Me dá uma carona?

— Júlia, eu amo muito você, minha filha.

— Eu sei, papai.

— Se alguma vez eu magoar você, é por que eu estou tentando fazer o meu melhor. — Júlia sabia, afinal, não foi ele quem criou os quatro filhos sozinho?

— Papai, o senhor é o melhor pai do mundo e não vai me magoar; me desculpe por não ser uma filhinha tão boa, ok?

Júlia não voltou a mencionar o nome de Eduardo dentro de casa, embora fosse verdade que a relação deles se tornava mais forte a cada dia. Como era possível gostar tanto de alguém? Júlia se perguntava. Tomava cuidado em não deixar os recados dele expostos para que um dos irmãos visse e começasse o suplício! Com os problemas de Eduardo em acessar a internet, já que o PC dele continuava quebrado e ele estava sem grana para comprar um novo, eles passavam menos tempo “juntos”, além disso, ambos estudavam para o vestibular.

Júlia e Bruno iam para a casa de Sérgio, primo deles, para revisar a matéria com ele, já que Sérgio também ia fazer as provas e era uma espécie de gênio. Saía com as amigas da escola, foi para o aniversário de Mariana — Gustavo, primo dela, que era um gato lhe paquerou, mas Júlia não quis ficar com ele. Fazia tudo que o pai queria que ela fizesse, ou seja, levava uma vida normal, de adolescente de classe média, mas nada se comparava a quando estava com Eduardo; os poucos momentos eram tão intensos e pareciam eternos.

Os recados de Eduardo eram tão carinhosos, apaixonados mesmo, Júlia não poderia nem mesmo conceber a ideia de que ele não existisse.

— Eu não vejo a hora de te ver, de verdade...

— Meu pai acha que você é pédofilo!

— Ahahahahahaha sério?

— Sério...

— Você já disse a ele que eu sou mais novo que você?

— Eu bem que tentei, mas não tem negociação, ele não acredita em ninguém que ele não possa ver.

— Ele não acredita em Deus?

— É diferente.

— Você acha que eu sou pédofilo?

— Claro que não!

— Ah... Por acaso, você tem mesmo dezessete não é? J

— Claro que tenho, faço dezoito no fim do ano.

— Acho que o pédofilo na história é você...

— Acho que isso não é engraçado.

— Me conta como foi o seu dia...

— Eu cuidei do filho do Sérgio por que ele teve simuladão. O Diogo é um fofo, e nem me deu trabalho...

— Então, você já decidiu pra que vai prestar vestibular?

— Eu me inscrevi pra administração na federal, mas acho que eu não vou passar.

— Claro que vai...

— E você?

— Eu vou fazer informática... Ciências da computação.

— O Sérgio também vai fazer. Meu irmão vai fazer arquitetura.

— Bom, eu já vou, Juh; preciso cuidar da Giovanna. Beijos :)


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