Capítulo 51 - Detenção...detenção por todos os lados

  Encerradas as aulas após o intervalo, não tivemos muita escolha a não ser almoçar na escola e enfrentar nossa punição de duas horas de detenção. Pelas regras da escola, alunos em detenção devem permanecer numa sala separada das 13 horas às 15 horas. Nós até poderíamos tentar fugir, mas se nosso nome não estivesse anotado na presença da detenção, correríamos risco de receber uma suspensão ou outro tipo de punição. Em suma, estávamos condenados a encarar uma punição pedagógica no estilo americano...bom, pelo menos era coisa de país desenvolvido, né? Algum glamour tinha...

 - Ainda não acredito que precisamos passar por isso - reclamava Demi, enquanto tomava um suco natural na hora do almoço - Ter que ficar na escola por algo que nem fizemos...

- Parece que não temos escolha...aqueles caras estão mesmo dominando tudo - fala Wilson, um pouco menos animado do que de costume. Até ele não estaria satisfeito com esse tipo de coisa.

- Aqueles monitores...acho que agora entendo quando dizem que a caneta é mais poderosa que a espada - comentei.

- Bom - Karina entra na conversa - Isso depende...se você for Percy Jackson a caneta É a espada

- Olhando por esse lado - falei pensativo.

- Embora eu não seja tão fã dele...não consigo levá-lo a sério quando vejo personagens como o Kratos lutando contra deuses gregos - continua Karina, sem mudar a expressão ou tom de voz (se é que ela muda isso alguma vez na vida).

- Então você joga God of War? - perguntei.

- Ainda preciso terminar o 3, mas é um ótimo jogo

- É um dos meus jogos preferidos também e...

- Gente, vamos focar! - fala Demi - Isso é sério! Precisamos achar um jeito de denunciar o abuso daqueles caras!

- Denunciar o quê? - Jonathan se aproxima de nós , com uma voz cínica e provocativa - Acham mesmo que estão em condição de falar alguma coisa como alunos delinquentes que são?

- Não somos delinquentes! - retruca Wilson - Somos uma gangue, mas não delinquentes!

- Não importa..o fato é que estão junto dos alunos delinquentes na sala de detenção! Para nós, são alunos que precisamos ficar de olho! - ele termina.

- O que veio fazer aqui? Só rir da nossa cara? - fala Demi.

- Não, pelo menos não SÓ isso - diz ele, pegando uma batata frita do prato de Demi - Vim assegurar que irão para a sala de detenção às 13 horas. Faço questão de levá-los lá

- Muita gentileza sua ... - ironiza Demi

- Já está na hora...vamos lá - fala o monitor, realmente adorando o que estava fazendo. Jorjão não parecia muito satisfeito com isso.

- Ei, ei...ainda não terminamos de comer

- Já comeram o suficiente, meus caros. A lei precisa ser cumprida, doa a quem doer

E quando ele diz isso, ele quer dizer doer na gente. Nos levantamos relutantes e seguimos em grupo na direção da sala da detenção. Bem ou mal, parecíamos mesmo uma gangue de escola, embora eu ache que esse seja o único momento de nossas vidas onde pareceríamos com uma. No meio do caminho, senti uma ponta de esperança..era...era a diretora Silvia! Se conseguíssemos chamar a atenção dela...ainda bem que Wilson pensou o mesmo que eu.

- Ah! Diretora! Diretora Silvia!

A bela diretora estava conversando com alguém da coordenação, quando ela se vira e olha para nós, sendo escoltados por Jonathan. Ela se aproxima.

- Wilson? É você? - ela pergunta.

- Diretora...nós fomos vítimas de uma injustiça e...

- Wilson...que decepção - ela diz, antes que Wilson pudesse dizer alguma coisa.

- Decepção? - ele pergunta. Eu já comecei a sentir que estávamos ferrados de vez.

- Ouvi dizer que vocês se envolveram em uma briga. Não esperava isso de você, Wilson

- O quê? Espere, diretora...foi só um mal entendido e...

- Tivemos vários testemunhas, Wilson. Jonathan me contou tudo.

- É mentira, diretora! Eles estão abusando do poder e...

- Diretora - Jonathan interrompe - Infelizmente nosso dever fala mais alto que nossas preferências pessoais. Também simpatizo com Wilson, mas ele se envolveu numa briga com alunos ainda mais problemáticos. Não podíamos fechar os olhos para isso. Entendo que achem isso abuso de poder, já que nunca devem ter se envolvido em algo assim...mas infelizmente parece que tudo tem uma primeira vez

- Entendo, Jonathan - fala a diretora, sorrindo simpaticamente, o que contrastava muito com a posição sempre rígida dela - Você parece mesmo um rapaz responsável. Conto com você para manter a disciplina nessa escola

- Pode deixar comigo, diretora

- Até mais

- Até

Se minha boca pudesse abrir mais, abriria. Como alguém pode ser tão cara de pau? Mas parece que nossos argumentos e apelos eram inúteis. Só nos restava ir para a sala de detenção e cumprir nossa pena de duas horas. A sala de detenção parecia uma sala de aula comum, mas sua localização era bem escondida, ficava no fim do corredor mais deserto do prédio e parecia abandonada, ao menos, não me lembro de nenhuma classe que ficasse naquela sala. Mesmo assim, parecia bem cuidada. Tinha tudo que uma sala de aula comum costuma ter. Carteiras enfileiradas, um quadro e...o professor que tomava conta. Era o...professor Fonseca? O mesmo professor de História que mediou o debate das chapas? É...era ele mesmo. Estava sentado, com uma cara de tédio, lendo um jornal.

- Professor...carne fresca. Nossos próximos alunos problemáticos - fala Jonathan.

- Ah...mais desses... - ele recebe a caderneta de Jonathan - Hmm...Wilson Abadias, Daniel Luz, Karina Martinez, Demétria Gomez e Jorge Amaral. Certo. Podem sentar por aí...copiem esse texto do quadro e usem o tempo para pensar no que fizeram ou adiantar suas tarefas.

Quando ele falou por aí, fazia sentido. Olhando para a sala vimos um número grande de alunos. Arregalei os olhos. Não pensei que fossem tantos alunos detidos. Não tínhamos escolha a não ser sentar mais separados. Tentei sentar próximo de Demi, mais no meio. Karina se senta num lugar na frente. Wilson acaba tendo que se juntar ao fundo e Jorjão, no meio da sala, um pouco mais para o meio. Desses, o que teve mais problemas foi Wilson.

- Ah, olha só quem tá aqui...a pessoa que começo tudo isso - fala Abelardo, o líder baixinho dos alunos metaleiros delinquentes, olhando para Wilson praticamente com fogo nos olhos.

- Ah...vocês...e aí? Como é que tem passado desde o intervalo, pessoal?

Mas Abelardo e os amigos dele não pareciam muito a fim de conversa.

- Fica na miúda aí, novato...os veteranos é que dominam aqui

Os outros (inclusive eu) começam a olhar amedrontados. Mas Wilson não tinha muita noção de perigo, como bem sabemos.

- Veteranos? Mas entramos em detenção no mesmo dia

- Mas chegamos aqui dez minutos antes de vocês! Somos veteranos! Vai ficar na miúda ou...

- Ei, vocês aí...silêncio! - grita o professor. Abelardo bufa.

- É, Abel, vamos deixar para decidir o que fazer com ele depois que sair daqui - fala Solano, o amigo dele.

- Verdade...estamos com várias ideias - diz ele, mostrando alguns desenhos no caderno com bonecos palitos que pareciam muito com o Wilson...e seria menos assustador se eles não estivessem em cenas de enforcamento, decapitação e outras violências gratuitas. Wilson engole seco, mas seu medo é interrompido pela chegada de mais alunos.

- Profs, mais alunos - diz Deisy, outra monitora.

- Mais ainda... - o professor coça a cabeça 

- Foram pegos portando tesoura com ponta. Todos sabem que só usamos tesoura sem ponta para atividades escolares - explica a garota.

- Mas só por isso... - diz o professor, mas ele permite a entrada - Tudo bem. Entrem logo.

E mais uns cinco alunos entram na sala. Conforme o tempo passava, com Wilson cada vez mais pressionado por seus vizinhos de carteira, vimos cada vez mais alunos entrando. Mais seis, depois mais três, depois mais sete, enfim, chegou uma hora que a sala estava cheia.

- Professor... - fala Montanha.

- Ah, não! Não são mais alunos, são? - fala o professor - Não cabe mais ninguém nessa sala

- Não, não é um aluno - diz o grandalhão

- Então...

- É um professor

- Professor Denis?! - Demi e eu falamos em uníssono. Professor Denis era o único professor que apoiava nosso grupo (ele parecia se identificar muito com a gente). Ele entra coçando a cabeça. Será que ele ia tomar conta da sala agora?

- Ah, ele veio trocar de lugar. Ótimo. Precisava ir ao banheiro. Isso aqui é mais chato que aplicar prova.

- Na verdade... - professor Denis coça a cabeça. Nisso, ouve-se outra voz. Era outra professora.

- É tudo culpa sua, Denis! - era a professora Joseane. Um tipo de amiga de infância do professor.

- Culpa minha? Você que trapaceou apontando atrás de mim dizendo que viu um aluno lendo a edição 34 do Homem Aranha, a única que não tenho! Se aproveitou do meu ponto fraco!

- Eu teria vencido mesmo sem ter feito isso! - retruca a professora. Aqueles dois disputavam praticamente tudo.

- Os professores foram pegos apostando corrida...como mau exemplo aos alunos, não podíamos deixá-los impunes

- Droga... - fala Joseane.

- Espera aí - pergunta Demi - Tá dizendo que professores também podem ir para detenção?

- As regras não restringem a detenção apenas para alunos, pelo que lemos...a menos que mudem isso, acreditamos que também são sujeitos a punição. Manda eles para dentro!

- Isso é ridículo! - comentei. Foi o suficiente para Montanha ouvir e interpretar mal.

- Contra as regras da escola, colega? Acho que terei que aumentar seu período de detenção

Nisso, Beto chega com outras garotas

- Tem mais lugar aí, gente? Peguei essas meninas lendo a revista "A Tremida" nas dependências da escola...e estavam lendo dando risadinhas dessa foto! Um rapaz sem camisa! Material impróprio!

- E onde diabos tem uma regra que proíba isso? - pergunta o professor Denis.

- Não é permitido andar sem camisa na escola, então, materiais assim também são considerados impróprios pela monitoria - fala Beto.

- Ah, sim...falando nisso - chega Deisy - Peguei esses alunos vendo vendo esse catálogo!

- É só um catálogo de jogos! - fala um deles.

- E por que tem essa moça de regata, mostrando a barriga? - fala Deisy - Preservamos a moral e os bons costumes aqui, querido!

Naquela altura, a sala de detenção já estava mais do que lotada. Não demora muito para os alunos começarem a ficar de pé, sentar no chão, e sempre chegavam mais.

- Nunca pensei que fosse entrar em detenção mesmo sendo professor - comenta Denis, ao nosso lado.

- A lábia desses caras é incrível - fala Joseane - Eles até ameaçaram contar para a coordenação...desgraçados

As palavras "autoridade de professor" pareciam não caber naqueles dois. Velho...sem comentários. Essa é a única escola do universo onde pode acontecer algo assim. Em um momento, a coisa tava tão feia que a sala poderia ser comparada a um metrô em horário de pico. Como eles podem mandar tanta gente para a detenção?

- Professor...professor, cadê o senhor? - pergunta Jonathan.

- Ah, não! Não são mais alunos, são? - grita o professor Fonseca, lá do meio da multidão.

- Mas, professor! - grita Jonathan - Eles foram pegos roubando vegetais na Colheita Feliz na sala de informática. Não podem sair impunes por uma atitude dessas!

- Isso já é absurdo demais e...

- Céus! O que é isso! - ouve-se um grito da diretora Silvia. Ela finalmente percebe que alguma coisa está errada.

- Diretora Silvia? - fala Jonathan - Não se preocupe, estamos mantendo tudo sob controle

- Mas...porque tantos alunos aqui?

- Não só alunos - fala o professor Denis

- Diretora, você tem razão. Essa escola precisa de disciplina. Estamos monitorando tudo da melhor maneira possível

- Vocês...vocês enlouqueceram? Eu queria disciplina, mas não uma escola vazia. Tirando os alunos que estão em aula agora, praticamente não tem ninguém na escola

- Acontece que o grau de indisciplina nessa escola está extremamente alto, diretora. Apenas nós podemos acabar com isso!

- Vocês...ai, não acredito! Vou analisar todos os casos e ver o que vocês estão fazendo...- ela pede a caderneta de Jonathan e arregala os olhos - Vocês...vocês deteram o professor Denis e a professora Joseane?!!!

- Estamos aqui! - diz Joseane, tentando se fazer ouvir.

- E...deteram alunos que estavam usando caneta claras demais

- Isso pode afetar o olho dos colegas e influenciar negativamente no aprendizado, diretora - justifica Deisy, ali, ouvindo a conversa.

- Grrrrrrr!!!! - a diretora começa a ficar nervosa - Vocês...eu achei que fossem mais maduros, mas vocês só tornaram as coisas uma palhaçada completa! Ouçam todos! Saiam dessa sala e considerem suas punições inválidas! - ela grita - Esses monitores não entenderam nada do meu projeto!

- Diretora, diretora - reclama Jonathan - Não pode dar uma ordem desse teor sem mandar um comunicado pela coordenação. Está mexendo nas regras. Isso é motivo para detenção e...

A diretora parece ficar realmente nervosa. Aquela era a Quistis, quer dizer, a diretora Silvia que conhecíamos...

- EU FAÇO AS REGRAS POR AQUI! - ela grita - Jonathan! Você e seus amigos terão uma longa conversa comigo e vocês...bem...eliminaremos as regras de monitoria escolar por tempo indeterminado até eu repensar todo esse projeto. Tsc...melhorar a disciplina é mais complicado do que pensei

 A sala é dispensada. Tente imaginar a saída do metrô da Sé. É...foi algo parecido.

- Oba! Já tava morrendo de fome! - fala Jorjão, que ficou realmente quase duas horas sem comer (uma eternidade para ele).

- Legal, heim, Daniel? - fala Wilson, passando correndo por mim - A diretora finalmente percebeu que aqueles caras estavam errados

- É, mas...por que está com tanta pressa?

- Bem...preciso ir mais cedo...até!

- Volta aqui! A gente te pega, Wilson! - grita Abelardo, junto com seus cúmplices, ainda com sede de vingança. Mas Wilson consegue sair rápido. Tudo parece ter voltado ao normal.

- Ufa! Que doideira, né? - fala Demi, quando as coisas finalmente conseguem se acalmar.

- Não é? Acho que agora finalmente teremos um pouco de paz - falei.

- Estranho você falar isso - comenta Karina - Amanhã é um novo dia...e Wilson com certeza vai ter uma nova ideia

- Oh...por que você tinha que me lembrar? - retruquei.

Seja como for, Jonathan e seus cúmplices levaram uma bela bronca e uma advertência por abuso de poder (a diretora até que foi boazinha). Os metaleiros se acalmaram no dia seguinte, mas, por via das dúvidas, nossa gangue ainda preferiu se reunir na biblioteca. Que outras ideias Wilson teria?

- Bem, amigos - ele fala - Já que o programa de monitoria escolar não deu certo segundo a diretora...o que podemos fazer para elevar a popularidade do nosso grupo? Aceito sugestões!

Eu praticamente caio com a cabeça na mesa. Se a primeira semana já foi esse sufoco, imagina como serão as outras? Oh, vai ser um longo semestre....