Amanhecera na Pousada Funbari. Uma garota, com o olhar triste e distante, se encontrava lavando a louça do café da manhã. Tinha cabelo claro e bem comprido e estava vestida com um longo vestido preto. Logo após o desjejum, mandara todos os habitantes da pousada a algum afazer, começando pela feira. Seu desejo era o de ficar sozinha. Sozinha com seus pensamentos. Sozinha com seu pressentimento...

Aquele dia estava se aproximando. Ela sabia que aquelas duas pessoas iriam voltar. E ela pressentia que eles estavam muito próximos. Não havia se preparado para esse acontecimento. Apesar de saber que estava vivendo apenas uma ilusão que logo iria acabar, nunca havia se preparado para a verdade. A verdade doía. Doía demais no coração de Tamao.

Agora ela já havia se acostumado com o pequeno Hana. Tinha criado o menino como se ela fosse sua verdadeira mãe. Para isso, começou a agir da mesma forma que a Anna. O seu fingimento era quase perfeito. Sua maneira de agir e seu jeito de se vestir quase podiam enganar todas as pessoas à sua volta. Mas, bem profundo em seu olhar triste, dava para perceber a inocência de uma menina pura e sonhadora.

"Pura e sonhadora". Fora por isso que passara a viver nessa ilusão. Ela admirava a Anna. Admirava a sua força. A sua beleza. O seu mistério. A sua frieza. A sua doçura. Enfim, admirava a personalidade da itako. Em todos esses anos que a menina estivera longe, ela, Tamao, pudera ter o prazer de representar a itako.

Porém, não era apenas a personalidade da Anna que fazia com que Tamao quisesse estar em seu lugar. O que a menina mais queria era ser a esposa de Yoh Asakura. Seu amor por Yoh sempre permanecera forte em seu coração. Seu pequeno fingimento fez com que ela pudesse acreditar, mesmo que seja apenas por algum momento, que ela era de verdade a senhora Asakura.

Era egoísta de sua parte querer uma vida que não fosse a dela. Mas, por outro lado, o pequeno Hana era muito importante para a Tamao. Ele era o filho de seu querido Mestre Yoh. E, com o passar dos anos, ela criou um grande afeto pelo menino. Não queria que o garoto crescesse sem os pais. Seu fingimento também serviu para dar um ar maternal na infância de Hana. Ela tentou ser exatamente como a sua verdadeira mãe, para ele não sentir a ausência da Anna.

Como seria difícil para ela se deparar com a verdade... O mais difícil seria encarar Hana e lhe contar sobre seus verdadeiros pais. Não sabia que reação o menino poderia ter. Tinha medo de que a reação dele fosse a pior possível. Tinha medo de que ele a odiasse. Por isso, adiaria mais um dia essa conversa. Pensaria na melhor forma de conversar com o menino. Uma forma em que ele entendesse os seus motivos. Uma forma em que ele a perdoasse.

Quando aquelas duas pessoas voltarem, ela poderá seguir a sua vida. Poderá realizar o seu sonho. Ser uma cantora japonesa de sucesso. Não que esse fosse seu verdadeiro sonho. Seu maior sonho era impossível. Outra pessoa já o estava vivendo. Mas, ela ficava grata por Yoh ter essa pessoa em sua vida. A Anna era o maior motivo da felicidade do garoto. Quando tudo estiver resolvido, ela, Tamao Tamamura, também seguiria a sua vida e tentaria ser feliz...

Depois de deixar a pousada arrumada como sempre fizera, Tamao se recolheu ao seu aposento. Não queria ser perturbada nesse dia. Não queria que sua aparente tristeza denunciasse o seu desespero. Deixou na porta um bilhete de "Não perturbe" e se manteve trancada em seu quarto o resto do dia, olhando pela janela, distante da realidade com seus pensamentos...

Tamao só voltou à realidade de madrugada, lá pelas três da manhã. Não tinha dormido nada e nem sabe se conseguiria. Mas, iria tentar, afinal os seus pensamentos só lhe causavam tristeza. A solução para a sua tristeza era uma boa noite de sono. Logo amanheceria. Ela tinha que levantar bem disposta para o dia que viria a nascer. Seria o dia da revelação.

Resolveu passar no quarto do Hana. Aproximou-se do menino sem fazer o menor ruído, para que ele não acordasse. Dormia como um anjinho. Ela adorava ver o menino dormindo. Aquela cena trazia um grande sorriso em seus lábios. A inocência do garoto a lembrava muito de Yoh. E, sua determinação, a lembrava muito de Anna. Hana era um lindo menino. Tamao sabia que ele sempre seria motivo de orgulho para seus pais.

Beijou levemente o rosto do menino e ficou parada por algum tempo dando uma última olhada nele. Era a sua despedida, por isso vieram lágrimas aos olhos da garota. Sentiria muita falta do conforto que o pequeno lhe trazia. Sentiria falta de ser chamada de "mamãe". Sentiria falta de ser a pessoa mais importante na vida do menino. Como sentiria falta...

— Boa noite, pequeno Hana. Espero que você nunca se esqueça de mim...