Too Close escrita por Kirara-sama


Capítulo 9
História




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            Acordou com uma dor de cabeça terrível. Não sabia onde estava, mas também nem fazia questão de descobrir, já que ainda se encontrava com o corpo parado e os olhos fechados. Porém se sentia muito confortável, pois sua cabeça repousava em um travesseiro e seu corpo recebia o calor de um manto. Aquilo só aumentava sua preguiça. Lá fora a chuva não parecia cessar e um irritante “pling pling” de goteira se instalava na caverna, produzindo um eco certamente incômodo. Um ventinho frio ás vezes fazia com que escondesse o nariz embaixo da coberta improvisada.

            - Acho que ela tá acordando... – Alguém falou. Não era um simples alguém. Conhecia aquela voz, mas parecia tão baixa e distante... Sua percepção estava tão abalada que não conseguia discernir o que se encontrava perto ou longe. A última coisa que se lembrava era de um raivoso cavaleiro desferindo um Impacto Explosivo com precisão e força. Depois disso era tudo mergulhado em profunda escuridão.

            Resolveu abrir os olhos. No início não conseguia distinguir nada ainda, pois sua visão estava embaçada. Quando se acostumou com a pouca claridade, analisou melhor a caverna. Era alta e algumas pedras que compunham suas paredes eram toscas e escuras. Musgos e liquens cobriam muitas partes do teto e poucos troncos secos tombados nos cantos. Algumas poças eram formadas devido à chuva incessante lá fora. E duas sombras disformes eram projetadas nas paredes por causa de uma pequena fogueira crepitante. Uma dessas sombras se aproximou e colocou a mão em sua testa.

            - A febre baixou... – A garota sussurrou baixo. Não sabia se era um sussurro realmente ou a falta da presença total da consciência fazia com que a fala dela se distorcesse no ar. Uma voz masculina resmungou algo ao longe, mas não deu para saber o que era. Também não tinha interesse. O toque da jovem era tão quente e reconfortante que quase caiu no sono novamente. Porém tinha que levantar, pois não era do seu feitio relaxar tanto assim.

            - Oh! Não deveria levantar-se ass... – Sua fala foi interrompida por uma mão em seu pescoço. Não sofria nenhuma pressão, pois a mercenária ainda estava muito fraca por causa da batalha. Com calma, baixou a mão assassina. – Ainda está enfraquecida. Devido à chuva, você e Shiroi-kun tiveram uma febre um pouco alta pela tarde toda. Resolvi cuidar de vocês, mesmo que o Auky não quisesse concordar com isso. – Catherine falou cada sentença um tanto quanto mecanicamente. Parecia acostumada a dizer aquele tipo de coisa.

            - Por Loki! Que soneca gostosa! – O baderneiro sentou-se na cama improvisada com tamanha naturalidade que parecia até ter se esquecido da batalha que ocorrera antes. Depois de alguns segundos, o rapaz virou o rosto e encarou os outros três, que tinham uma enorme gota descendo na testa. – Que foi? Tem alguma coisa na minha cara? – Shiroi ficou um tempo pensando, passou a mão no rosto para ver se tinha algo nele e só então caiu a ficha para ele. Pigarreou ruidosamente e voltou a encarar os outros aventureiros. Catherine parecia um pouco pálida. Lynne estava com boa parte do corpo coberto pelo manto. E, sentado de pernas e braços cruzados, mais ao longe, Aukyner fitava o rapaz de cabelos grisalhos fixamente. Quase todo o torso do cavaleiro estava coberto por ataduras e no rosto havia um singelo band-aid. Sua expressão não era uma das mais amigáveis.

            - Então! – A loirinha levantou-se em um pulo, batendo as palmas das mãos uma vez para quebrar o clima pesado. – Que tal todos nós irmos para Hugel? Vai ser divertido! – Aukyner simplesmente quis voar no pescoço da amiga. Quem em sã consciência iria propor algo tão sério assim na condição deles? Se bem que Catherine nunca teve todos os parafusos no lugar...

            - Por que eu iria com vocês? – Lynne indagou, ainda meio zonza. A palma que a sacerdotisa provocou doeu-lhe nos ouvidos, por causa do eco produzido.

            - Vejamos... Ah! Vou citar o motivo de todo mundo! O Auky vem junto porque ele é meu amigo, e sozinha eu não conseguiria nada. Você viria junto porque quer derrubar o rei e me matar, é bem simples. E o Shiroi... – Catherine se aproximou dele, parando apenas quando se ajoelhou perto de suas costas. – Tem coisa mais linda que essa?! – As bochechas do pobre arruaceiro eram puxadas pelas mãos gélidas da jovem. O rapaz abriu um sorrisinho pervertido ao sentir os seios da garota roçar em suas costas. Realmente, ela não tinha todos os parafusos no lugar.

            O cavaleiro sentiu a cólera subir-lhe até a cabeça. Não sabia desde quando e nem como sua colega e o baderneiro haviam criado tanta intimidade. Tudo bem que ela era sempre mais extrovertida, mas aquilo já era um exagero. Apesar de querer pular no pescoço do rapaz assediado, resolveu ficar no lugar, calado e indiferente.

            A garota de cabelos róseos parou para pensar um pouco. Realmente não era tão má idéia...

            ~*~

            - E então? Já pegou? – Uma sombra sibilava para outra, tentando não ser ouvida pelo eco do local. A mesma se escondia atrás de uma grande rocha, e não parava de movimentar-se.

            - Pegar? Pegar o quê? – A outra, que também se mexia, sussurrava confusa. Não sabia por que sussurrar, mas se o primeiro sibilara, não era para a conversa ser ouvida de maneira alguma.

            - Como assim pegar o quê?! Falando assim até parece que não sabe do que estou me referindo... – A primeira falou com um muxoxo. Parecia ter ficado emburrada com alguma coisa que sua acompanhante falara, ou com algo que ela esquecera de falar.

            - Eu... Realmente não sei do quê está falando. Eu não lembro de ter pegado nada antes de vir aqui... – Parou de se mexer. Parecia procurar alguma coisa nas algibeiras, perguntando-se do que poderia ter esquecido. Seu dinheiro estava todo ali. Procurou entre as roupas. Também não faltara nada. Mas não sabia pelo quê procurar. Deveria ter pegado algo no caminho talvez?

            - Aquilo! Santa inocência... – A figura misteriosa puxou sua acompanhante e apontou discretamente, ainda por detrás da rocha, alguma coisa. Um sorriso bobo nasceu em seus lábios ao ver melhor aquilo. Quem prestasse mais atenção na expressão da antiga sombra, agora semi-revelada pela fogueira, poderia até dizer que ela estava babando.

            - ARRUACEIRO DEPRAVADO! – Sua acompanhante não parecera ter gostado do que era apontado. Para reprimir a devassidão do amigo, e o olho gordo também, deu-lhe um soco. – É CLARO QUE NÃO! TENHO CARA DE QUÊ? DON JUAN?! – Ralhou com o outro. Ao ver que o rapaz ia responder, cortou-o. – Nem responda! Ela já me disse isso! – Aukyner saiu detrás da rocha, já vestido e bufando de raiva.

            - Mas Auky... Admita que são bonitas... – Logo atrás do cavaleiro, surgiu o arruaceiro com a mão no olho, choramingando. – São... São... Grossas, roliças, branquinhas e parecem ser muito macias. Isso é o que aparenta ser por baixo da cinta-liga... Sem ela... WOW! PAREI! – Shiroi desviou por muito pouco de outro soco. Ainda bem que seus pensamentos não foram tão longe, senão o rosto todo iria ser magoado pelo golpe.

            O moreno voltou para perto da fogueira bufando. As duas garotas pareciam confusas com tamanho estardalhaço produzido pelos rapazes. Catherine, curiosa como sempre, logo iria perguntar sobre o ocorrido, mas Aukyner levantou a mão, pedindo para que ela não perguntasse. A pobrezinha iria morrer de vergonha.

            ~*~

            Finalmente o sol raiara. Somente depois de dois dias de chuva intensa, o astro mor resolveu aparecer. Meio tímido, por detrás de nuvens nebulosas ainda, mas aparecera. Toda a planície de Juno havia sido totalmente irrigada pelo temporal anterior. As árvores e arbustos, por mais secos que fossem, pareciam um pouco mais vivos, devido à água que ainda restava em suas folhas. Aos poucos, alguns monstros começaram a sair de seus esconderijos. Os Bodes se aproveitavam da nova refeição refrescante enquanto algumas Plantas Carnívoras tentavam, em vão, evitar serem essa refeição. Quatro jovens também faziam de tudo para não serem surpreendidos por monstros selvagens, mas apesar da atenção, todos eles pareciam bem satisfeitos com o novo cenário.

            - Cara! Ainda bem que choveu. Imagina andar nessa planície com aquele calor infernal? Só de pensar nisso até sinto calor. – Um arruaceiro falava contente pela mudança de tempo. Este equilibrava uma Maçã de Guilherme Tell na cabeça.

            - E você consegue ficar feliz apenas com isso, Shiroi? Deprimente você... – A mercenária do grupo, de curtos e róseos cabelos comentou com desdém. Apesar de muito bonita, a jovem carregava na cabeça Asas de Demônio e Orelhas Malignas. Certamente aquilo lhe conferia um visual assustador.

            - Parem, parem vocês dois. Não o provoque Lynne. Logo vão começar a brigar... De novo. – A sacerdotisa jovial aparava a briga com uma gota de nervosismo descendo pelo rosto. Ao contrário da mercenária, a loirinha possuía Asas de Anjo e Orelhas de Anjo para enfeitar a cabeça. Apesar do clima anteriormente pesado entre ela e a moça de cabelos róseos, parecia que tudo passara junto com a tempestade. Ambas tinham mais em comum do que podiam imaginar.

            - Cath tem razão, temos que conservar nossas energias, porque não sei quanto tempo iremos levar até chegarmos à cidade... Isso é... Se ela existir. – O cavaleiro, que parecia ser o mais velho e experiente do grupo, suspirou. Sobre os cabelos morenos, um Elmo riscado emoldurava seu rosto junto com duas belíssimas Barbatanas de dragão.

            - Pensa positivo uma vez na vida Auky! – A loirinha ralhou com o cavaleiro, que achou graça da maneira com que a jovem falara com ele. Logo a sacerdotisa agarrou seu braço, fazendo um biquinho emburrado. Desde pequena ela era assim. E o moreno sempre ficava levemente ruborizado com a ação dela. Nunca se acostumara com aquilo.

            ~*~

            Depois de quase um dia inteiro de viagem, o grupo resolveu parar para descansar. O dia já estava no fim e a noite já engolia os poucos raios de luz que ainda remanesciam do sol poente. A caminhada fora longa, e os monstros também não ajudaram em nada. Diversas Moscas Caçadoras e Encouraçados apareceram no caminho, atrasando os aventureiros. Mas fora isso e as quedas de Catherine no chão – indo com o rosto direto ao solo, claro -, a viagem fora tranqüila.

            - Eu não agüento mais andar. – Reclamava a sacerdotisa, massageando um dos pés. Os quatro estavam sentados em volta de uma fogueira pequena, enquanto esperavam a carne assar.

            - Então... Como se conheceram? – O baderneiro pergunta, curioso sobre o passado da loirinha com o moreno. Só de pensar no que os dois fizeram juntos já o fazia ficar com certos ciúmes.

            - Ah! Nos conhecemos no exame de espadachim. – Catherine sorriu nostálgica. Shiroi e Lynne se entreolharam, com uma gota na cabeça. Exame de espadachim... Quem imaginaria?

            - É. Por mais estranho que pareça, a Cath queria se tornar espadachim. Eu ia todo dia lá para o local do teste para falar com o meu instrutor. E todo dia eu via a Cath saindo derrotada do Exame. No começo eu até achava engraçado...

            - Você achava engraçado porque sempre dizia que mulheres não serviam para serem espadachins, isso sim! – A loirinha protestou, ficando emburrada novamente.

            - Continuando... Depois de umas duas semanas, era sempre a mesma rotina. Eu chegava para treinar e via-a entrando para fazer o Exame. Quando eu estava saindo, ela também estava indo embora, sempre com a roupa de aprendiz dela. Até que eu tomei coragem e fui perguntar por que ela queria tanto se tornar espadachim, já que tinham inúmeros testes mais fáceis...

            - E eu disse que era porque eu queria proteger os mais fracos! – Catherine levantou o braço em uma pose heróica. – O Auky bem que tentou me ajudar a passar no Exame, mas ele me mandou desistir depois de eu reprovar tanto. Antes de brigar com ele, sugeriu-me que eu me tornasse noviça. Eu poderia ajudar muito mais pessoas com o poder divino do que a força da espada.

            - Depois que a Cath virou noviça, quem me ajudou mais foi ela. E o mais irônico foi que ela se tornou sacerdotisa mais rápido do que eu virei cavaleiro. Se não fosse essa loira aqui... Eu nem estaria vivo uma hora dessas... – Aukyner completou um pouco amargurado, talvez por alguma lembrança triste que ocorrera naquele instante.

            - Bom... Er... É melhor dormirmos. – A jovem de olhos azulados afaga levemente os cabelos do cavaleiro para consolá-lo enquanto fala. – Shiroi-kun se importaria de ficar vigiando por umas duas horas? Aí trocamos de turno... – A moça sorriu docemente.

            - De maneira alguma, farei isso com o maior prazer! – O arruaceiro sorriu galanteador para a rapariga.

            - Muito obrigada. – Ainda sorrindo, a sacerdotisa retira de dentro da mochila três mantas e entrega uma para a mercenária e outra para o cavaleiro, que logo se afasta, vira de costas e aparenta dormir. A garota suspira com a atitude do amigo, mas boceja, se ajeita na cama improvisada de frente para a fogueira e adormece.

            Aquela noite fora tranqüila... Mas o pior ainda estava por vir.


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