Um Verão Inesquecível escrita por GiullieneChan


Capítulo 15
Capítulo 14




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/91731/chapter/15

Um Verão Inesquecível

Capítulo 14

Madrugada em Southampton.

Uma carruagem finalmente chegava ao seu destino, ao se aproximar da propriedade da Viscondessa de Chanttél. Agatha dormia com a cabeça apoiada no braço de Aldebaran, que havia coberto seu corpo delicado com seu casaco, protegendo-a do frio. Ele mesmo não conseguia dormir, apenas velando o sono dela.

-Se te preocupas tanto com o destino da jovem, porque não se casa com ela quando voltarmos a Londres?-perguntou Afrodite, se preparando para descer assim que a carruagem parasse.

-E acha que deixariam que um estrangeiro com a pele escura como a minha se casasse com ela?-respondeu com certo tom de tristeza que surpreendeu Afrodite. - Eu já conheci o preconceito contra minhas origens latinas, meu amigo. Não sou bom para uma dama inglesa, segundo já me disseram várias famílias.

-Uns idiotas!-resmungou Afrodite.-Se o conhecessem, saberiam que além de ter posses e um título em sua terra, é um homem honrado e de valor. Se quiser, eu intervenho junto à família da senhorita Hazelmore para pedir sua mão em seu nome.

-Obrigado, meu amigo.

-Bem.-a carruagem finalmente parava.-Enquanto eu nos apresento a criadagem, você desperta a sua dama.

Afrodite desceu caminhando até a porta dos fundos batendo na porta com insistência. Não demorou muito e um criado apareceu com expressão mal humorada e sonolenta.

-Sou o senhor Bergman.

Ao se apresentar a expressão do criado mudou, abrindo a porta e ordenando a cozinheira, que também fora atraída pelas batidas, a acordar os demais e ajudar o lorde com a bagagem.

-Eu o levarei aos seus aposentos, milorde.

-Eu e meus amigos.-avisou Afrodite indicando Aldebaran e Agatha.-Providencie um quarto adequando a dama. Não me importo de dividir um quarto com meu amigo.

-Certamente, mas não temos tantos quartos. -o mordomo parecia apreensivo e olhou para a cozinheira em busca de solução.

-Em meu quarto há uma cama a mais, a dama pode se hospedar comigo e com a senhorita Helena. -avisou Lucy que chegou a cozinha com um roupão, os longos cabelos numa trança e segurando uma lamparina. -Olá, sejam bem vindos.

-Milady Lucy! Sentimos se a acordamos.-disse Aldebaran sem graça.

-Não me acordou.-respondeu com um sorriso.-Eu vim pegar mais um pouco daquele pão do jantar que estava delicioso!

-Milady não deveria comer tanto!-avisou a cozinheira.

Agatha deu uma risadinha, achando a jovem proprietária da fazenda muito simpática.

-Tem certeza de que não vai se incomodar comigo em seu quarto, milady Lucy?-Agatha de repente se lembrou que não tinha mala, nem roupas, nada para aquela ocasião.-Eu...não vim preparada.

-Como assim?-olhou curiosa.

-Ela fugiu de casa. E se escondeu no alto da carruagem.-explicou Aldebaran.

-Que perigo!-exclamou a cozinheira.

-É porque eu não queria ser forçada a me casar com um homem horrível!-apressou-se em defender-se.

-E fugiu? Que coragem!.-respondeu com um sorriso.- Eu posso providenciar tudo o que precisa. Tenho dezenas de vestidos e roupas para te emprestar, perfumes, sapatos...não se preocupe! Helena e eu ficaremos muito felizes em ter mais alguém para conversar até altas horas.

-Helena?-perguntou Afrodite com certa curiosidade. -Por acaso não seria Helena Vernon?

-Sim!-respondeu com um sorriso.-A conhece? Oh, que pergunta tola! É amigo do senhor Giovanni, o guardião dela, é lógico que se conhecem!

Lucy pegou na mão de Agatha para levá-la ao seu quarto, conversando sem parar sobre o baile que haveria e pedindo para contar a aventura de ter fugido de casa. Afrodite olhou mortalmente para Aldebaran que disfarçava olhando as panelas limpas na mesa.

-Você sabia!

-Hã? Sabia o que?-se fazendo de desentendido.

-E não me contou que ela estava aqui!

-Ela quem?

-Seu...-e virou-se para o mordomo.-Meus aposentos, sim?-virou-se para Aldebaran.-Eu ainda te mato!

X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X

Na manhã seguinte...

Annely descia pelas escadas do andar superior de sua casa, levando várias roupas para serem lavadas e olhou curiosa para a porta aonde a sua irmã atendia a um mensageiro.

-Quem é, minha filha?-perguntou o bom doutor, tirando os olhos do livro.

-Um mensageiro, papai. É um convite!-exclamou a moça toda eufórica, abrindo o envelope e lendo o seu conteúdo.-Para o aniversário da Viscondessa, haverá um baile!

-Imaginava que seríamos convidados.-o senhor sorriu.

-Preciso arrumar meu vestido! Ainda bem que comprou aquele vestido para mim, papai!-Luna subiu eufórica para o quarto, passando por Annely.-Não é fabuloso?

-Não vai ao baile, filha?

-Mesmo que eu quisesse, não tenho um vestido para usar em um baile, papai.-Annely colocou as mãos na cintura.

-Tenho certeza que sua irmã e a senhora Kemple vão te ajudar nisso.-disse o pai voltando a ler o livro.-Não vamos fazer essa desfeita a Viscondessa, que é uma amiga querida. Nós vamos!

A jovem suspira resignada subindo até o quarto da irmã que já retirava um belo vestido verde-esmeralda do guarda-roupa para arrumá-lo, com a ajuda da governanta.

-Finalmente posso estrear o meu vestido de baile!-dizia eufórica.

-Annely querida. Agora vamos ver o seu vestido para que eu o lave e passe. -disse a senhora Kemple.

-Eu...não tenho vestidos de baile.-disse sem graça.

-Oh, céus...é mesmo!-a governanta leva a mão a boca.

-Annely nunca quis participar de bailes antes...-Luna ficou mortificada.-E agora?

-Eu não vou ao baile, apenas isso.-respondeu erguendo o queixo.

-Mas é claro que vai!-disse a mulher e depois ela sorri.-Eu já sei!

Ela corre ao quarto que ficava no fim do corredor, o local aonde guardavam objetos usados e antigos da casa. Logo ela voltou trazendo um vestido de seda azul nos braços, cuidadosamente preservado.

-Que lindo!-exclamou Luna.-Mas meio fora de moda.

-É porque este vestido era da mãe de vocês.-respondeu para o espanto das garotas.-Ela o usou no primeiro baile em nossa cidade que participou. Eu me lembro bem daquele dia, pois estava lá. Ela era tão linda!

-E ficou mais linda neste vestido!-dizia o doutor Hopkins aparecendo com um sorriso nostálgico.-Eu me apaixonei por sua mãe nesse baile, nesse vestido.

-Senhor Hopkins...eu pretendia reformar o vestido para que Annely o usasse no baile.-a idosa parecia nervosa.-Não fique com raiva por ter pego o vestido da senhora Hopkins.

-Não estou bravo, senhora Kemple.-ele sorriu e olhou para Annely.-Acho que ela ficaria feliz se você o usasse, querida. Vocês são muito parecidas, o vestido ficará perfeito em você.

Annely ficou boquiaberta, não sabia o que falar ou fazer. Tocou o vestido da sua mãe, sentindo o tecido em seus dedos e deu um pequeno sorriso.

-Acho que teremos que fazer um decote maior.-ela comentou.-Luna, tem luvas que combinem com o vestido?

-E fitas também.-disse a menina entusiasmada.

X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X

Na Fazenda.

Agatha desceu acompanhada por Helena e Lucy para o desjejum, e ficou espantada ao ver quantas pessoas estavam hospedadas no casarão. Sorriu ao ver Aldebaran entre elas e sentiu que sua nova amiga Helena, que havia lhe emprestado um belo vestido rosa, estancou logo atrás dela.

Helena olhava para Afrodite, que levantou-se da mesa cumprimentando-a com todo cavalheirismo. Ela corou aceitando sentar-se a frente dele da enorme mesa.

O Visconde estava na ponta da mesa e saudou os amigos recém chegados, em seguida virou-se para Agatha.

-Não se preocupe, senhorita. Escreverei à sua tia dizendo que está a salva e sob minha guarda. Quando voltarmos a Londres a levarei para casa.

-Mas eu...eu não se quero voltar.-disse sem graça.

-Mas deve!-disse a Viscondessa.-Querida, queira ou não sua tia é sua responsável.

-Mas providenciarei que ela não resolva seu futuro sem lhe consultar.-disse-lhe Kamus.-É o mínimo que posso fazer por uma amiga.

-Obrigada, milorde.

O reverendo, que tinha como passatempo preferido unir jovens casais, via naquelas pessoas tão diferentes um desafio a sua altura. Precisaria mais que um simples esbarrão para que aqueles casais se entendessem. E precisava começar com a quebra do gelo instaurada por alguns deles.

Por isso se dirigiu a Baronesa sentada ao seu lado.

-Deve ser difícil cuidar de tantas meninas, não é milady?

-Não é tão difícil como imagina, reverendo Malloren.

-Mas, soube que as educou muito bem para enfrentarem a sociedade!-sorrindo.

-Sim, principalmente a lidarem com os tipos de homens depreciativos que poderiam encontrar em suas vidas.-falou olhando para Saga com um sorriso que foi correspondido com o mesmo sarcasmo.

-Mas, que tipos são esses homens depreciativos?-perguntou Giovanni, piscando para Vanessa que fingiu não ter visto.

-O tipo de homem que não convém.-respondeu Vanessa.

-É mesmo? E como eles são?-voltou a perguntar.

-Tipo...os que assediam mulheres em tavernas, por exemplo.-dando um sorriso.

Shaka pigarreou, os demais que já conheciam a história do mal entendido riram, com exceções de Helena envergonhada pelo primo e de Saga que pareceu curioso com o assunto.

-Senhora Baronesa. Que tipo de homens são estes?

-Há três tipos de homens.-começou a relatar a baronesa enquanto passava creme em uma fatia de torrada.-Os cavalheiros, as bestas e as bestas que se fazem de cavalheiros. Os cavalheiros sempre a respeitarão e é o homem ideal para qualquer dama. As Bestas são homens grosseiros, sem modos, brutos. Esses não importa o nível social, pois já vi um açougueiro ajudar damas em apuros com presteza e um conde tão bruto que quase usou de violência com a esposa na frente de uma igreja. Mas as Bestas disfarçadas...esses são perigosos!

-Besta disfarçado de cavalheiro?-Saga deu um meio sorriso.-Como assim?

-Veja bem.-ela depositou a torrada em um pratinho e deu um gole no chá antes de continuar.-É aquele que usa uma falsa imagem de cavalheirismo para ingressar na sociedade, numa família. Ele é um pouco difícil de reconhecer, pois e disfarçam bem, mas logo mostram quem são. É aquele que lhe lança olhares lascivos, tenta passar a mão em você quando dançam, agarra quando estão a sós com uma dama e a beija mesmo que proteste.-ela sorriu ao dizer isso ao perceber que ele ficou incomodado.

Todos os homens presentes disfarçaram imediatamente, alguns dando leves tossidinhas, outros pedindo para a pessoa ao lado pegar algum alimento. Mu deu uma risadinha discreta diante do constrangimento dos convidados.

-Eles se disfarçam bem, tentam enganar com sorrisos e galanteios, até mostrarem quem são realmente.-falou fitando Saga.

Houve um incômodo silêncio quebrado por Aiolos que pigarreou, atraindo a atenção de alguns presentes.

-Talvez a senhora exagere.-falou Aiolos.

-Talvez sim.-ela sorriu.-Talvez não.

-Bem.-disse a Viscondessa mudando bruscamente de assunto.-Tenho o prazer de comunicar que farei um baile para comemorar meu aniversário.

As moças presentes ficaram eufóricas, menos Agatha e Ludmila que imaginaram que não possuíam vestidos adequados para um baile. Lucy sussurrou a nova amiga que possuía vários vestidos de bailes e emprestaria qualquer um para ela, o que deixou Agatha respirar com alívio.

-Eu emprestarei um vestido, Ludmila.-sussurrou Inis a amiga que sorriu grata.

O sorriso de Ludmila parecia ter iluminado seu rosto, Shura não conseguia desviar o olhar da jovem. Custava imaginar que aquela menina na qual envolveu em um engodo para lubridiar o testamento de seu pai e garantir sua herança, hoje era uma linda moça. Antes ela era apenas uma vaga lembrança, um nome em uma folha de papel, agora estava diante da real Ludmila. Uma dama cuja beleza traria orgulho a qualquer homem.

-Está interessado?-Giovanni o cutucou apontando com o olhar para Ludmila.-Esqueça! Apesar de ser uma simples moça, ela tem uma guardiã ferrenha. A caçadora de “Bestas”.

-Não se refira assim a uma dama, “Máscara da Morte”. -Shura disfarçou, retribuindo a provocação.-Está incomodado dela ter te descrito fielmente em seu exemplo?

-Meu amigo...são nós, as Bestas, que as mulheres amam!

-Está agindo como um cafajeste ao dizer isso.-suspirou Shura.-Aposto que não iria aprovar um cavalheiro igual a você, perto de sua prima.

-Jamais permitiria que alguém como eu se aproximasse dela.-respondeu sorrindo.-Por isso já escolhi quem vai desposá-la.

-Quem?

-Ele.-apontou discretamente para Afrodite.-Só não sabe ainda.

-Você e suas idéias.-suspirou Shura.-E pare de provocar a senhorita Vanessa. Ela já destruiu dois de seus casacos evitando seus assédios.

-Você verá, até o baile ela estará implorando por meus beijos.-um pouco de creme atinge seu rosto.

Ele olha para Vanessa, quase fulminando-a com o olhar, e esta apenas sorri falsamente.

-Desculpe, milorde. Foi sem querer.

X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X

Os três dias que precediam ao baile transcorreram sem qualquer novidade. Com a fazenda tão cheia de convidados, e a super vigilância de Igor e da Baronesa fizeram com que as Dawes não ficassem a sós em nenhum momento, o que Malloren percebeu.

O reverendo notou que alguns convidados, tantos o amigos do Visconde quanto as damas, pareciam ter seus próprios segredos. Mas bem, quem não os tem? Até mesmo ele tem seus próprios.

Mas finalmente, a noite do baile havia chegado...

Na residência dos Hopkins, o bom médico olhava orgulhoso para suas filhas. O vestido de seda azul-clara que fora reformado pela senhora Kemple e por Annely rapidamente, abria-se sobre um forro de tafetá branco bordado com minúsculas flores rosa e azuis. As mangas, bem curtas e franzidas, revelavam os braços esguios de Annely. O decote, redondo, destacava o pescoço gracioso.

— Então? Ficou bom? Estou bonita? — Ela deu uma volta sobre si mesma e olhou para o pai e para a irmã, que estava em um elegante vestido rosa de cetim.

-Lindo!-exclamou Luna batendo palmas.

-Acho essas flores ridículas!-Annely suspirou.

-Não diga bobagens, está linda! Não está papai? Porém acredito que cores vibrantes lhe seriam mais apropriadas. Vermelho, talvez.

- Vermelho? Tem certeza?

-Está linda!-o médico pegou as mãos da filha mais velha.-Com os cabelos assim cacheados...está igualzinha a sua mãe. Ela ficaria orgulhosa, minha filha!

-Obrigada, papai.-ficou emocionada, lágrimas vieram aos seus olhos.

-Não vá chorar, senhorita!-a senhora Kemple limpava o rosto banhado em lágrimas com um lenço.-A maquiagem. Oh! Minhas meninas estão lindas!

-Falta o toque final, minhas filhas!-o médico pegou duas caixas de veludo e entregou cada uma a uma das filhas. O que as diferenciavam eram as cores das fitas de cada caixa.-Foram os únicos presentes que pude comprar para sua mãe. Nunca tivemos luxo, como bem sabem.

-Riqueza não é tudo.-afirmou Annely.

Annely e Luna abriram as caixas e soltaram expressões de surpresa. Luna possuía uma tiara de brilhantes e Annely um belo colar de safira.

-O seu Luna, foi de sua avó e eu presenteei sua mãe quando nos casamos. E Annely...-o médico virou-se para a filha, pegando o colar e colocando nela.- Quando você nasceu, eu juntei todas as minhas economias e comprei esse colar para a sua mãe. Estava muito feliz com a linda filha que ela me dera.

-Papai...quer nos fazer chorar.-disse Luna, já experimentando a tiara.

-Obrigada, papai.

-Bem, vamos? Não queremos chegar atrasados.-falou o médico e cada filha segurou um dos braços do pai acompanhando-o.

Para Luna, aquele baile seria a realização de um sonho e claro, rever o jovem e belo estrangeiro, amigo de Kamus, ao qual sua irmã vivia suspirando pelos cantos.

Do lado de fora, Annely pode ver que as pessoas de famílias mais tradicionais da pequena cidade estavam também subindo em carruagens para irem ao baile.

Notou porém uma carruagem, aonde várias malas eram descarregadas, em frente a pousada de Madame Jane e uma bela mulher de cabelos negros e usando um sóbrio vestido azul entrava. Imaginou quem seria a hóspede, mas agora tinha em mente outras coisas, como por exemplo...voltar a ver Kamus novamente. Ajeitou as luvas longas e se preparou para o que o destino lhe reservava.

X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X

Kamus desceu até o hall do casarão e alisou a manga do paletó. Observou os convidados que haviam chegado e já interagiam com os hóspedes da casa.

-Benedict.-chamou o mordomo de sua avó.-Todos já desceram?

-Não, milorde. As damas ainda não desceram.

-Por que mulheres demoram tanto a se arrumarem?

-Não castigue Benedict com um de seus olhares ferozes. - Milo surgiu ao seu lado rindo.-Acredito que quando elas descerem valerá cada segundo de espera. Por que está tão irritado?

-Não estou irritado.

-Nervoso?

-E por que eu estaria nervoso, Milo?

-Por nada. Afinal, você é a inabilidade em pessoa.

-O que deseja, Milo? - Kamus ajeitou a gravata diante do espelho pendurado na parede próxima.

-E preocupado com a aparência...-Kamus o olhou severamente.-Eu não desejo nada.

Nesse momentos as damas desceram todas pela enorme escadaria na direção do salão de festas. Conversando muito, ansiosas por aquele momento. Como possuíam belezas distintas e eram atraentes, foram alvo dos olhares dos jovens rapazes que residiam em Southampton. Ansiosos para convidá-las a dançar.

-Vamos, os convidados nos esperam.-falou Kamus, servindo-se de uma taça de champanhe.

X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X


Desde que chegara a Southampton Ikki era tratado como um simples criado, por isso era proibido de entrar nas dependências dos patrões e por isso não teve muitas oportunidades de ver Carla. Igor o designou para cuidar dos coches e carruagens que chegavam, ajudar as damas e cavalheiros a descerem.

Mas desejava mesmo era estar com Carla. Estava imaginando, naquela bela noite, como ela estaria.

Certamente bela para o baile. Como gostaria de poder usar roupas ocidentais adequadas e usar seu verdadeiro título para se impor entre os ingleses afetados e cortejá-la.

Entre seu povo, gozava de terras, riquezas e privilégios. Era um nobre no Japão, não apenas um guerreiro. E como os samurais estavam se tornando uma casta em extinção, se dedicou a cuidar dos bens da família e do irmão mais novo.

-Shun...aguente mais um pouco. Voltarei a tempo para te salvar.

Foi quando o som de mais um convidado se aproximando chamou sua atenção. Ele observava a chegada do coche com o doutor Hopkins e suas filhas. O coche de molas quebradas sacolejou na entrada jogando lama nos outros já estacionados. Os cavalos suavam e o cocheiro mal continha a satisfação.  Quando se aproximou para cumprir suas obrigações  foi afastado com uma cotovelada por um dos cocheiros que haviam chegado antes.

-Afaste-se suas patas! Um amarelo como você não devia tocar em nossas mulheres.

Ikki sorriu de lado e rápido demais para os demais criados perceberem, atingiu o nariz do cocheiro fazendo-o recuar com as duas mãos sobre o rosto, tentando em vão estancar o sangue.

-Meu nariz! Você me atacou!

-Eu não fiz nada, senhor!-defendeu-se com ar inocente.

-Jeff!-Annely apontou na portinhola.-Como pode acusar esse rapaz? Ele não fez nada! Eu não o vi sequer se mover diante da sua grosseria!

-Mas...mas...ele me atacou.

-Está chamando minha filha de mentirosa, Jeff St.John?-acusou o médico.-Volte para o coche do prefeito e cuide dos cavalos dele. Francamente, se intrometendo no trabalho alheio.

Ikki com mesura ajudou Annely a descer presenteando-a com um sorriso educado, e em seguida foi a vez de Luna que corou levemente achando-o bonito.

-Obrigado, senhor.-disse o japonês fechando a porta do coche.

-Cuide por favor do meu cavalo, meu jovem.

-Certo, senhor. - disse fazendo um gesto positivo e  subiu na carruagem.

-Rapaz simpático.-comentou o médico acompanhando as filhas para a casa principal.

Ikki afastou-se dos criados e demais cocheiros que esperavam do lado de fora, parou perto de uma árvore aonde Dohko o aguardava.

-Tem certeza que vai comigo até a cidade?

-Se tem alguém que pode ameaçar a família de Carla, sim.-Ikki estreitou o olhar.-Acha que este homem foi o que roubou meu imperador?

-Provavelmente. Quando fui a cidade comprar provisões, tive certeza de ver Sutclife saindo de uma loja.-comentou subindo na carruagem e ficando ao lado de Ikki.-Quero confirmar aonde ele está e o que quer por aqui.

-E vão me levar!-uma voz feminina determinou.

Os dois homens olharam para trás aonde viram Inis, em um belo vestido de festa amarelo, os observando com as mãos na cintura.

-Certamente que não.-afirmou Dohko.

-E por que não? Eu lhe disse que não deixarei aquele patife perto da minha família.

-Primeiro, não está vestida adequadamente para nos acompanhar.-Dohko começou a enumerar os motivos.

-Me troco rápido!-respondeu a jovem.

-Segundo. Não temos tempo. Temos que ir rápido e devolver o coche antes que seu proprietário queira ir embora.

-Eu não vou atrasá-los.

-Terceiro. Não é uma missão para uma mulher. Pode ser perigoso!

-Que desculpa mais sem nexo, senhor!

-Vai ficar!-ordenou Dohko.-Não quero que corra riscos desnecessários.

Assim determinando, Dohko e Ikki voltaram ao seu caminho, apressando para realizar essa missão.

-Ah...esses argumentos não me convencem!-disse erguendo as saias para correr para dentro de casa.

X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X

A mansão estava iluminada e havia sido decorada segundo a última moda, embora com exagero. Cores brilhantes, mobília em demasia, enfeites dourados em profusão, tudo para homenagear a aniversariante. Kamus imaginou que o excesso de enfeites chamativos seria suficiente para deixar uma pessoa com dor de cabeça. Nunca gostou de festas exageradas.

A Viscondessa vestia com elegância um belo vestido dourado e belas jóias a adornavam. Ela se dirigiu ao senhor Hopkins que havia chegado.

- Dr. Hopkins! — Lady Dupont o recebeu com um sorriso. — Que prazer contar com a sua presença em nossa humilde festa!

-Milady, é um prazer!

-Suas filhas estão lindas!-ela demorou o olhar sob Annely que a cumprimentou com educação com uma reverência.-Fiquem a vontade, por favor!

-Obrigada, milady.-o olhar de Annely percorreu o salão.

-Está procurando meu neto?

Ela piscou aturdida.

-Eu... Não!

A Viscondessa bateu com o leque no braço Annely, dando um sorriso.

-Ele está com os amigos, escondido em um canto do salão tentando evitar a todos. Mas creio que gostará de vê-la.

Annely ficou rubra de vergonha, pedindo licença para se afastar acompanhada por Luna caminhando em direção ao salão de baile, passando por uma porta dupla mantida aberta por dois criados. Olhou para as pessoas que andavam pelo salão, passando a circular por ele, olhando as pessoas com interesse.

Foi quando o avistou. Belo e imponente observando com a companhia de alguns homens, os casais que dançavam. Sentiu a boca seca e se escondeu atrás de um vaso. Achou que não sentiria nada ao vê-lo, mas não conseguia controlar o tremor em suas pernas. Por que ele tinha que ser tão bonito?

X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X

Amanda não parava de observar Kanon, estava tão lindo de paletó azul. Queria conversar com ele sem muitas formalidades, pois desde que chegara não tivera nenhum momento a sós com ele e se sentia frustrada. Deu um suspiro furioso. Será que jamais dará seu primeiro beijo com ele?

-Está corada, senhorita.-afirmou Malloren ao se aproximar da jovem que tocou o próprio rosto.-Está sentindo-se febril?

-Eu? Não, Reverendo. O salão está muito quente!

-Então a senhorita deveria caminhar um pouco nos jardins. Está uma noite agradável lá fora.

Amanda concordou e saiu discretamente para fora. Nesse momento, Kanon percebeu o que ela fizera e imediatamente saiu por uma porta lateral para encontrá-La. Malloren sorriu.

Em outro ponto do salão, Julie procurava aflita por Inis e Amanda. Havia perdido de vista as duas e imaginou o que poderia ter ocorrido. Não poderia pedir ajuda de Igor, já que ele ajudava com a organização da festa junto aos criados do Visconde.

-Procura alguém, milady?-Malloren se aproximou, perguntando.-Parece aflita!

-Oh, Reverendo. Por acaso o senhor viu Amanda ou Inis?

-A senhorita Inis subiu para os quartos, acho que foi se refrescar. Mas acho que vi a senhorita Amanda na Biblioteca.

-Obrigada, senhor.-e foi rapidamente para a Biblioteca.

Chegando lá, foi logo abrindo as portas e entrando, fechando-as atrás de si. Levou um susto ao ver Saga deitado displicentemente sobre um divã, erguendo-se rapidamente ao vê-la.

-Aonde está, Amanda?! Ande, fale logo!-foi logo ordenando.

-Eu não sei.-respondeu Saga, se servindo do conhaque do Visconde.-Vim para cá para fugir de um bando de velhas que queriam dançar comigo.

-Não sei se deveria acreditar em sua “sinceridade”.

-Acredite no que quiser. Eu prometi que não faria nada para discutir com a senhora novamente. Mas...-enfatizou erguendo o dedo.-...ainda vou casar Amanda com Kanon.

-Só sob o meu cadáver!-Julie lhe deu as costas, pronta para sair, mas a porta estava trancada.-Mas, o que?

Ela forçou em vão.

-O que foi, milady?

-Está trancada! Aonde estão as chaves?

-Como poderei saber aonde estão as chaves?

-Quero que abra essa porta agora!

Saga pegou na maçaneta, tentando abrir. Não conseguiu. Usou a força, bateu na porta para chamar a atenção. Nada.

-Essa sala é afastada do salão. Não vão nos ouvir.-ele comentou colocando uma mão no queixo.

-Então saia pela janela e chame ajuda!

-Notou que estamos no andar superior? E estou usando meu melhor traje, não vou saltar pela janela.

Julie abriu a boca para argumentar, não acreditando no que ouvia.

-VOCÊ!-ela apontou para ele acusadoramente.

-Eu?

-Sei que isso foi obra tua!

-Não sei se notou, Baronesa. Eu sou um vigarista sim, mas não um mago que se tranca numa sala e larga a chave do lado de fora!

-Hunf!-furiosa lhe deu as costas, cruzando os braços.

-A propósito.-Saga voltou a deitar-se no divã.-Este vestido verde ficou muito melhor que o seus cinzas ou pretos, milady.

Ela corou com o comentário, virando o rosto para que ele não visse. Estavam trancados, sozinhos!

X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X.X

Annely tentou se manter incógnita durante o baile, mas fora alvo dos olhares de um rapaz que conhecia desde criança. James Smith, trabalhava com o pai criando cavalos, era abastado e sempre demonstrou ter interesse em Annely, exatamente por ela não ser como as outras meninas da sociedade.

Ele atravessou o salão, o jovem loiro de olhos claros, com um sorriso chamando-a para dançar a próxima valsa. Annely pensou em recusar, mas ver Kamus cercado por algumas mulheres fez seu sangue ferver e aceitou prontamente o convite.

Kamus tentava se desvencilhar das jovens da cidade que queria a sua atenção com toda a educação e polidez. E não acreditou quando viu um casal que dançava no meio do salão. Não conhecia o rapaz, mas a mulher era Annely Hopkins.

Ela então aceitou o convite da sua avó? Admitiu até que estava atraente e bonita. O vestido azul-claro ressaltava os cabelos castanhos. A intrigante faixa de cabelos brancos brilhava e dava um toque especial ao penteado. Sem a menor dúvida, ela estava linda!

Enquanto ele a observava, o rapaz disse algo a Annely que riu. A descontração a deixou com aparência mais jovem e encantadora.

Não consegui desviar o olhar da linha do  pescoço e dos ombros, graciosa e elegante. Seu acompanhante comentou alguma coisa, e ela parou de sorrir, a preocupação tomando conta de seu semblante.

Sobre o que conversariam? O que ocorrera?

Os músicos pararam de tocar e os casais se separaram. Kamus atravessou o salão até alcançar o jovem casal que deixava a pista. Ele apareceu de súbito diante deles, não conseguindo esconder que o fato de James segurar a mão de Annely o incomodava.

-Senhorita Hopkins, que surpresa.

-Ah, é milorde.-respondeu séria.-Deseja alguma coisa?

-Vim porque a senhorita prometeu dançar comigo.

Annely fitou os casais que haviam começado a dançar uma quadrilha. Havia muitos anos tivera péssimo resultados quando tentara dançar.

- Milorde, não lhe prometi coisa alguma.

- Pois a senhorita está enganada.- O sorriso de Kamus foi arrasador. - Vamos?

Ela não teve tempo de reagir. O Visconde segurou-a pelo cotovelo e escoltou-a até a pista de dança.

-O que quer com essa cena?-ela perguntou furiosa.

Kamus olhou para trás. James já conversava com outra mocinha.

-Não deve falar mais com ele.

-Milorde, está me proibindo de fazer alguma coisa?

-Quero apenas que dance comigo.-puxando-a.

Annely esforçou-se para prestar atenção aos passos e fitou o Visconde. Por que ele a deixava tão nervosa? Estava acostumada a tratar com pessoas tão arrogantes, mas ele...ele sempre a desnorteou.

-A senhorita deveria parar com isso.

-Parar com quê?

-De olhar para mim como se quisesse descobrir algo em mim.

-Milorde está imaginando coisas.-disse-lhe tentando não errar os passos de dança.-Nada em você me interessa mais.

-E com que autoridade afirma isso, senhorita?

-Por saber que milorde não tem coração.

-Eu sabia que a resposta não me agradaria.

-Eu não queria dançar nem conversar. Milorde forçou-me a fazer isso.

-Eu também não queria dançar - Kamus declarou, sorrindo e com um brilho perturbador nos olhos azuis. - Mas eu não posso permitir que nenhum homem dance com a senhorita. Quero-a só para mim.

Annely corou até a raiz dos cabelos, chegando a tropeçar errando o passo e esbarrando em um outro rapaz quase derrubando-o. Desculpou-se e fitou o rosto de Kamus. Que homem mais arrogante, excêntrico e tolo!

-James nada fez para que interprete o papel de ciumento!

-Não? Por que o canalha segurou sua mão por tanto tempo?

-Porque somos amigos desde crianças.

-Mesmo assim, não quero que ninguém mais a toque daquela maneira!

Ela fitou-o.

-Não temos nada, milorde, posso recomeçar minha vida e firmar compromisso com quem desejar.

A expressão de Kamus transformou-se.  Lábios estreitados e olhos que queimavam. Annely recuou. Ele agarrou-a pelo cotovelo e conduziu-a para uma saleta adjacente. Um local que permitia certa privacidade.

A orquestra iniciava uma valsa alegre e os casais começaram a rodopiar.

-O que pensa que está fazendo? Meu pai está aqui. Ele ficará furioso com você.-Annely arfava ligeiramente.

-Ele está conversando com minha avó e o Reverendo Malloren que nem sequer nos notou.

-O que quer comigo? Já lhe disse que não quero nada com vossa senhoria!

Kamus cerrou os punhos. A música e os murmúrios de conversa pareciam longínquos. Estava com a atenção centrada da mulher mais teimosa do mundo. De queixo erguido, ela o fitava, desafiadora.

-Agora, se me der licença.-ela avisou querendo sair dali.

Kamus não se conteve. Segurou-a pelo braço e virou-a de frente para ele. Ela engasgou, enrubesceu e olhou ao redor. Temia que alguém entrasse ali e os vissem. A imaginação do Visconde levou a imaginar Annely em sua cama, com os cabelos soltos no travesseiro e... Sentiu uma reação imediata do próprio corpo.

Kamus teve necessidade de beijar a severa e teimosa Annely. Não ali, em público. Não pretendia ficar com a canela machucada. Mas era impossível ignorar a provocação. Aproximou-se. Suas pernas tocaram nas saias dela.Queria provar-lhe quem dominava. E certamente não era ela.

-Milorde, tenho apenas uma coisa para lhe dizer. Nunca subestime uma mulher que esteja magoada com um homem. Quero o senhor longe de mim!-o empurrou com ambas as mãos.

Ela virou-se, atravessou o salão por entre os convidados e saiu. Finalmente! Annely havia saído do casarão em busca de ar puro. Ainda sentia-se tonta pelas palavras de Kamus, pelo seu calor quando dançavam, pelo perfume...

-Oh, Céus...-se abanou, o que sentia não era desejo, dizia a si mesma, e sim irritação.-Não acredito no que eu disse!

Caminhou saindo pelo jardins, indo até próximo ao curral aonde alguns cavalos pastavam soltos apesar de ser noite alta. Não eram os puro-sangue do Visconde e sim os usados em trabalhos pesados. Mas isso não importou a moça que os observava.

-Vocês sim são felizes...não se decepcionam com as pessoas...-falou caminhando até a entrada do estábulo.

Dali a instantes estancou diante da entrada com o coração batendo em descompasso e a boca seca. Ele estava bem ali, observando-a.

-Por que fugiu?-perguntou direto.-Não terminei de conversar com você.

-Não gosto de...confusões. Estávamos expostos e eu estava a ponto de chutar-lhe a canela.

-Você? Justamente a mulher que colocava para correr todos os seus pretendentes?-ele sorriu.

-Por favor, não. -Ela pressionou a têmpora. -Não me faça lembrar disso. É constrangedor...- e sabia que um Visconde jamais casaria com uma mulher que promovesse esse tipo de comportamento.

-Não está sendo dramática?

-Não está sendo muito calmo?

-Calmo? Eu queria chamar aquele garoto para duelar por ter dançado com você.-ele exclamou.- Eu... Vamos voltar e conversar melhor?

-Aqui está bom.

-Podem nos interpretar mal se nos virem aqui, Annely.-e nesse breu não conseguia ver o rosto dela e estava odiando isso.

-Duvido que venham aqui e...não quero mais ser o alvo dos olhares daquelas mulheres da cidade. Pareciam que tinham visto uma...coisa.

-Elas estavam pasmas porque nunca a viram tão linda! E sabem que jamais chegariam aos seus pés.

Annely ficou sem palavras diante do que ele lhe dissera. Kamus quando ficava a sós com ela, era mais gentil, sorria mais e sedutor até demais. Mas diante das pessoas, da sociedade era frio, sisudo, distante...e preferia que ele fosse mais como o homem diante dela.

-Estou cansada.-desviou do assunto.-Queria ir embora, ams Luna está se divertindo tanto que não quero atrapalhar. Eu estou cansada...

-Da festa?

-Desse seu jogo.

Annely recriminou-se por estar contando aquelas coisas a Kamus. Mas não podia evitar os lamentos. Tudo era tão confuso... e tão triste... De repente, a tensão acumulada nos últimos dias, de anos, explodiu. As lágrimas começaram a deslizar. Os lábios tremiam.

Santo Deus, não queria chorar! Não naquele momento! Não diante de Kamus! Não conseguiu impedir os soluços que se encadeavam, incontroláveis. Escondeu o rosto entre as mãos e entregou-se a um pranto convulsivo.

Kamus sentiu uma enorme culpa naquele instante. Como podia fazê-la chorar. Quantas vezes a fez chorar por sua causa nesses anos. Abraçou-a com ternura. Esfregou-lhe o ombro e encostou o rosto nos cabelos sedosos, esperando a crise passar.

Annely possuía uma estranha capacidade de desnorteá-lo. Fora uma loucura beijar Annely em seu quarto enquanto era “hóspede” do bom doutor. Se as pessoas soubessem do que fez, no quarto dela sem que o pai estivesse presente, iria manchar sua reputação para sempre.

A mesma loucura teve ao se despedir dela. Por outro lado, a loucura fizera sentido. Era perturbador concluir que repetiria o gesto de beijar aquele boca com a maior tranquilidade. Não importava as consequências, o sabor dos lábios de Annely compensava qualquer problema. Não entendia como poderia ter-se tornado um homem sem raciocínio lógico, desprovido do mais leve senso comum...bastava sentir seu perfume.

Encostar o rosto nos cabelos perfumados de Annely acalmou-o, mas a proximidade deixou-o ansioso. Um fato que acontecia desde que a voltou a encontrá-la novamente.

Aos poucos as lágrimas de Annely diminuíram e os soluços cessaram. Pôs as mãos no peito de Kamus e endireitou-se.

-Desculpe-me — ela murmurou, com os longos cílios ainda brilhantes pela umidade.

Kamus só pensava em provar novamente aquela boca carnuda.

-Imagine eu, chorando na sua frente. Deve estar se divertindo.-ela sorriu nervosa.

-Jamais faria isso. Me ofende dizendo isso.

-Se eu te chamasse de orgulho e inflexível não estaria te ofendendo? Iria ser a verdade.-sorriu.

O Visconde espantou-se com a audácia de Annely. Ela era capaz de insultar com um brilho nos olhos e com um sorriso sensual.

-Posso jurar sobre a sepultura de minha mãe que não sou orgulhoso nem inflexível — Kamus afirmou, convicto.

Annely o fitou e depois gargalhou com vontade, fazendo Kamus se arrepender de ter sentindo qualquer sentimento de pena ou culpa que tivesse tido agora por ela.

-Não minta que é feio.-ela lhe disse ainda rindo.

Jamais alguém o destratara daquela maneira, Kamus tentou mostrar-se severo, sem conseguir. Nenhum pensamento sombrio lhe ocorria diante de criatura tão adorável de nariz vermelho pelo choro e de olhar brilhante. Perplexo uma verdade veio a sua mente.

Ela era a mulher ideal para ser sua esposa. Sempre fora. Annely era a única mulher com quem se podia ter uma conversa interessante, nunca se sentia tedioso ao seu lado. Ela não discutia apenas frivolidades, mas era culta, inteligente, vivaz.

- Talvez a senhorita tenha defeitos graves.

Annely ergueu o queixo.

-Aparentemente, não.

Ele deu um sorriso, apesar da irritação.

-A senhorita é bem corajosa.

-E milorde é impertinente.

-E milady possui uma língua ferina.

Kamus observou-lhe as linhas suaves do rosto, a silhueta voluptuosa, os lábios sensuais. O calor fez seu sangue disparar e, por instinto, ele se aproximou... mais um pouco... Annely arregalou os olhos, porém não saiu do lugar. Nervosa, agarrou as saias do vestido de baile.

O Visconde abraçou-a pela cintura, levantou-a e a pressionou contra a porta cerrada do estábulo. Ela assustou-se, mas em instantes agarrou-o pela nuca e colou seus lábios nos dele. Kamus beijou-a com uma paixão que não imaginava possuir.

Ele desceu as mãos pelo seu corpo, acariciando cada curva, erguendo suas saias para sentir o calor da pele de suas pernas, subindo pelas coxas até apoiar-se nos quadris erguendo-a e encaixando-se entre as suas pernas. O baile, seus convidados, as incertezas foram esquecidas. Tudo o que importava era o calor daquele corpo contra o seu, os braços que lhe apertavam o pescoço e os lábios tentadores...

Ah, como a desejava! Mais do que a qualquer outra. Quando seus lábios desprenderam dos dela e ouviu um gemido de protesto de Annely sua excitação aumentou. A boca de Kamus começou a explorar seu rosto, a curva de seu pescoço arrancando suspiros dela. Umas das mãos que segurava em seus quadris subiu até seu seio, apertando sobre o tecido da roupa. Ela arfou.

-Jesus!!-gritou a Viscondessa.

Annely e Kamus abriram os olhos, por um instante ficaram imóveis sem se soltar.

-ANNELY!-berrou o Dr. Hopkins.

Ambos se viraram, Kamus soltou Annely que por pouco não caiu ao chão, pois as pernas tremia. Foi amparada pela mão do Visconde que a segurou firmemente pelo braço.

Diante deles estavam a Viscondessa com uma expressão de assombro, o pai de Annely que estava vermelho e parecia que teria um ataque a qualquer momento, e Adam Malloren que fingia uma expressão de assombro.

-O QUE SIGNIFICA ISSO?-berrava o doutor.

-Acho que eles estavam tendo um momento de intimidade, senhor.-respondeu Malloren.

-EU SEI DISSO!-respondeu gritando o médico.

-P-papai...eu posso explicar eu...-Annely tentava dizer ajeitando os cabelos, o vestido.

-Que vergonha, minha filha...que vergonha! O nome da nossa família vai para a lama! Sua irmã será proscrita antes mesmo da maioridade!

-Senhor, está exagerando.-afirmou Kamus.

-E o senhor cale-se!-ordenou o médico.-Seu...destruidor de reputações! Seu libertino!

-Acalme-se, Dr. Hopkins!-disse a Viscondessa se abanando.

-Como me acalmar?!

-É preciso!-determinou a idosa.-Não vamos causar alarde que irá gerar mais constrangimentos a sua filha e ao nome das nossas famílias!

-Ninguém irá constranger Annely ou a nossa família, vovó.-disse Kamus com tanta determinação que os olhares se voltaram para ele.

-O que disse?-indagou o médico.

-Milorde?-o reverendo instigou.

-Kamus?-Annely o olhou apreensiva.

-Não temos escolha.-ele virou-se para a jovem.-Vamos nos casar.

Continua...


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Um Verão Inesquecível" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.