Soul corria o mais rápido que podia, enquanto seus olhos buscavam a silhueta da parceira na fraca iluminação das ruas. Queria planejar o que diria a ela, mas estava ansioso demais para isso. Por estar correndo sem olhar para frente, não percebeu quando um rápido vulto surgiu na mesma direção, mas em sentido oposto, em uma esquina, e os corpos chocaram-se bruscamente. Ambos foram arremessados para o chão. Sentindo uma dor no traseiro pelo impacto, a face da arma se contraiu. O xingamento que ia escapar pelos seus lábios morreu quando a outra pessoa, tentando se reerguer, o colocou para fora primeiro.

- Mas que merda! - Exclamou a artesã. Não tinha o costume de dizer palavrões, mas aquele dia estava sendo uma exceção a tudo. - Segunda vez que isso acontece em questão de pouco tempo! - Ela completou, enquanto colocava a mão sobre o joelho esquerdo, onde escorria um filete de sangue. A surpresa ficou estampada no rosto de Soul, enquanto os lábios tremiam, como se estivesse buscando palavras em algum lugar desconhecido.

- M-Maka... - Sussurrou, por fim. O sangue da artesã, que estava quente pela raiva, gelou. Ela queria ver o parceiro imediatamente, mas não imaginava que seria tão rápido assim. E nem de uma forma tão patética. O rosto delicado tornou-se avermelhado.

- Você não deveria ficar correndo no escuro. - Maka ficou se sentindo uma idiota com o próprio comentário. A palma mão que antes estava sobre o joelho dirigiu-se até a franja dourada, e comprimiu a testa, cansada.

- Nem você. - Retrucou Soul, com um sorriso nervoso. Ele se levantou, sem tirar os olhos da silhueta feminina sentada no chão. Como iria iniciar a conversa? Ele devia ter planejado isso antes de sair correndo feito um louco.

- Precisamos conversar. - A voz dela saiu trêmula, mas decidida. Os olhos vermelhos transpareceram alívio, era a única coisa que ele queria. Soul se aproximou, estendendo uma das mãos.

- Sim. Vamos para casa. - Ela mordeu os lábios, encarando a mão pálida que lhe fora estendida. Envolveu-a, hesitante, e se levantou com o auxílio dele.

As mãos continuaram unidas, embora não houvesse mais necessidade. O único som que podia ser ouvido durante o caminho eram os ruídos dos passos em sincronia. Ambos pensavam sobre tudo que havia acontecido naquele dia. A insanidade, se estivesse em algum lugar, provavelmente fora vencida pelo cansaço.

Ao atravessarem a porta de entrada da casa, Soul trancou a porta atrás de si. Não queria ser incomodado de nenhuma forma, ainda mais por Blair. Mas como a gata tinha a capacidade de invadir a casa alheia quando bem entendesse, ele fez uma prece para que Patty decidisse distrair a felina a noite toda. Nem que depois ele tivesse que pagar o preço por toneladas de sorvete.

- Acho que vou ficar com fobia da palavra “correr” depois de hoje. – Maka comentou, retirando os sapatos sem o auxílio das mãos. Em seguida, sentou-se de forma despojada no sofá. Por fora, parecia estar calma devido ao cansaço, mas por dentro era como se uma bomba estivesse prestes a explodir.

- Nem me fale... – Soul, além dos sapatos, retirou também a jaqueta, ficando apenas com uma camisa preta. Soltou um suspiro antes de sentar-se ao lado da parceira. Estava feliz por ela não rejeitar sua companhia, aparentemente.

- Acho que... – Maka tomou coragem para iniciar, enquanto dobrava um dos joelhos sobre o sofá. – Antes de começar tudo, você só precisa me responder uma pergunta. Só ela irá esclarecer muita coisa. – As maçãs do rosto da loira ficaram chamativas pelo tom avermelhado. Soul apenas concordou com um aceno de cabeça, aguardando a questão. - Soul... você gosta da Blair? – Ela finalmente encarou o parceiro. Os olhos rubros aparentaram surpresa, mas logo retomaram a seriedade.

- Não, não gosto. Pra mim ela é só uma gata que gosta de provocações... – Ele respondeu sinceramente, retribuindo o olhar fixo. Não encarava sua relação com Blair nem em forma de amizade. Maka mordeu os lábios, fugindo dos olhos vermelhos. Lembrou-se da noite anterior à avaliação.

- Não sei dizer se você está sendo sincero... – A voz da loira saiu melancólica. Os olhos ardiam, mas ela se segurava para não derramar nenhuma lágrima. Soul não suportou aquela dúvida. Diminuiu a distância entre ambos e colocou as mãos nos ombros da parceira, forçando-a a ficar de frente para ele. Nos brilhantes olhos esmeralda, lágrimas apenas aguardavam um traço de fraqueza na artesã para correrem pelo rosto corado.

- Por que não? – Ele apertou os dedos sobre os ombros finos. – Me responda, Maka! O que faz você pensar que eu gosto da Blair? – A loira levou as mãos até o tórax do parceiro, segurando fortemente a camisa dele. Tentou empurrá-lo uma vez, mas Soul não permitiu e ela não tinha força o suficiente para continuar tentando. Quando finalmente a voz trêmula decidiu colocar para fora a verdade, duas das lágrimas presas escaparam pelas orbes esverdeadas.

- Porque eu vi vocês dois se beijando na noite anterior à avaliação! – Ela revelou, finalmente. Com a surpresa de Soul, a artesã conseguiu livrar-se dos braços dele. Mas não se levantou do sofá. Agora que finalmente eles estavam esclarecendo a história, ela não fugiria. Aguardou, com um gemido baixo por conter as lágrimas, a resposta da arma. Os olhos rubi piscaram diversas vezes, perplexos. Agora tudo estava claro em sua mente. Um sentimento de culpa alastrou-se pelo seu peito, embora ele soubesse que não era o verdadeiro culpado. Pelo menos não totalmente. Desviou seu olhar, focando-o nas próprias mãos, sobre as pernas.

- É, realmente, esse beijo aconteceu. – Ele disse, rouco. A loira sentiu como se uma faca entrasse em seu coração, mas pelo menos estava satisfeita por ele não ter tentado desmentir. – Mas... – Ele continuou. – Pode parecer ridículo se eu falar dessa forma, porém é a verdade: Foi a Blair quem iniciou tudo, aproveitando-se de um momento de fraqueza minha. – Maka iria fazer um comentário irônico, mas seus lábios foram cobertos pelo dedo indicador da arma. – Eu estava chateado por algo que aconteceu diversas vezes naquela semana, mas não disse nada a você para não atrapalhar seus estudos. Não queria que brigássemos. Naquela noite, Blair invadiu nossa casa, pra variar, e tentou me beijar. Acabei cedendo, mas me arrependi logo depois e a mandei ir embora. Pensei que aquilo ficaria apenas como uma memória ruim, mas no dia seguinte acabou transformando-se nesse problema... – Ele levou a mão até a própria testa, jogando seus cabelos para trás. Maka ficou em silêncio por um bom tempo. Pelo olhar do parceiro, ela sabia que ele estava dizendo a verdade. Passou as costas da mão direita pelo rosto, retirando os últimos traços de lágrimas.

- Bem... o que aconteceu naquela semana que o deixou chateado? – Ela tentou repassar mentalmente tudo o que havia acontecido nos últimos dias. Se fosse um motivo realmente forte, perdoaria o parceiro pela fraqueza. De fato, todos sabiam que a felina sempre estava atrás dele, mesmo sendo rejeitada. Soul abaixou um pouco o rosto, que adquiria um tom semelhante aos seus olhos.

- Você decidiu dar aulas particulares para o Chrona. – Ele mordeu os lábios. – Sei que você já disse várias vezes que ele é seu amigo, sei que não é nada maneiro eu ficar sentindo ciúmes por causa dele. Mas eu sinto, não consigo suportar a imagem de vê-los juntos. E hoje, mais cedo, ao vê-la nos braços dele... aquilo me tirou do sério. – Ele confessou, massageando as têmporas para disfarçar a vergonha.

Maka, depois de todas as lágrimas e dor, sentiu vontade de sorrir. Aliás, de começar a rir. Enquanto ela se despedaçava de ciúmes por Blair, Soul passava por uma situação semelhante, por causa de Chrona. Todo esse tempo os dois sentiam o mesmo, e os meios poderiam ser diferentes se apenas um dos lados tivesse coragem o suficiente para expressar o que sentia antes. De toda forma, a artesã suspirou aliviada. A confusão havia acabado, e o resultado poderia ser apenas um.

- Soul... – Ela disse, com um sorriso surgindo nos lábios. – Eu abracei o Chrona sim, mas tenha certeza que nada passou de uma demonstração de amizade. Ele apenas tentou me consolar, já que eu estava triste por causa... daquilo. – Ele acenou com a cabeça, concordando. – A única pessoa que eu amo de verdade é você. Há muito tempo. – Ela começou a rir, sentindo todo o peso sair de cima de seus ombros. Pela primeira vez, o pensamento de que aquele dia era maravilhoso estava pairando em sua mente.

Soul foi pego de surpresa pela confissão, seguida por risadas. Arqueou uma sobrancelha, incrédulo, mas ao olhar para o belo sorriso de Maka, todos os seus receios desapareceram. Na sua mente, apenas as últimas palavras da loira existiam. Não havia mais Chrona, muito menos Blair. Haviam apenas Maka e Soul, uma artesã e uma arma, parceiros, amantes.

- Eu imaginei tantas vezes dizer isso primeiro pra você... mas acho que a ordem não influencia o resultado. – Ele comentou, com um sorriso. – Eu te amo, Maka. – Disse, por fim. Segundos depois, sentiu o rosto da artesã encostar levemente em seu ombro. Inclinou seu corpo sobre o sofá, envolvendo a parceira pela cintura fina. As pernas se entrelaçaram, e Maka permitiu que seu corpo relaxasse sobre o corpo do amado.

- Acho que amanhã podemos faltar a escola. – Maka comentou, enquanto uma de suas mãos acariciava os cabelos prateados da arma. Soul concordou de leve, com um aceno de cabeça.

- Mas você não está preocupada com as suas notas? – Ele passou o dedo indicador novamente pelos lábios da loira, mas dessa vez com outra intenção.

- Hm, dessa vez não. Dizem que sete é o número da sorte, e agora eu concordo completamente. - Ela beijou a ponta do dedo pálido. – Mas só dessa vez. Um sete é o suficiente, pelo menos na escola. – A “Maka nerd” estava de volta. Soul soltou uma sincera risada, antes de finalmente tocar os lábios da artesã com os seus, iniciando um beijo ávido, como se fosse uma divertida luta pelo controle. Não havia mais nenhum conflito.