Artífice escrita por Arkytior


Capítulo 4
Valeur


Notas iniciais do capítulo

EDITADA EM 13/10/2010

Ao contrário do capítulo anterior, este foi até bem fácil e rápido de escrever, tendo quase tudo feito ontem e hoje. Troquei de beta nesse capítulo, já que queria que fosse postado com rapidez. Então, obrigada, kathvmc3!



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IV – Valeur

         Era uma sexta-feira nublada. Às seis horas da manhã, Éclair visitou a hospedaria onde dormia Giselle. Ainda não confiava na moça: poderia cumprir a promessa de chegar à loja no horário combinado, mas também poderia causar problemas na pensão. Perguntou à recepcionista sobre o comportamento desta.

         “Não, senhora. A hóspede da qual você está falando apenas jantou e dormiu” foi a resposta recebida. Indagou sobre bebida alcoólica, e a recepcionista alegou não ter visto Giselle beber nada na noite anterior.

         - Ótimo. Não precisa chamá-la. Muito obrigada pela informação. – Éclair dirigiu-se até o mancebo para pegar seu chapéu, quando fora interrompida:

         - Senhorita, se não se importa... Qual a sua relação com essa moça? – Logo se arrependeu de ter perguntado, ao perceber o olhar de desprezo de Éclair perante a questão.

         - Nenhuma. – Disse em tom severo – Apenas foi à minha loja pedir ajuda. – “Funcionária incompetente, com pretensões de saber mais da vida alheia do que lhe cabe. É a desgraça da classe baixa”, pensou. Seria péssimo se fosse iniciado um rumor de que mantivesse um relacionamento amoroso com uma moça abaixo de sua classe, ou pior, estivesse pagando uma prostituta. Afastaria os clientes ricos. Vestiu sua capa e seu chapéu, para logo depois sair da pensão sem despedidas, não dando tempo para a recepcionista continuar com perguntas ou pedir desculpas.

         Não queria voltar para casa, então decidira andar um pouco pela vizinhança até chegar o horário. Conhecia pouco do bairro, já que passava os finais de semana trancada em seu quarto, estudando e aplicando magias às suas mercadorias. Mesmo com o tempo ruim, esse passeio seria compensador. Seguiu os trilhos do bonde para não se perder. Aos poucos, as escolas, residências e pequenas lojas davam lugares a prédios mais altos, hotéis e restaurantes, quase todos fechados. Lembrou-se de quando comprou seu apartamento – a descrição dizia que era próximo do centro da cidade, e estava correta. Percebeu várias carruagens estacionadas num lugar em especial. Curiosa, Éclair resolveu conhecer tal estabelecimento: um café, extremamente movimentado para tal hora da manhã. Decoração austera, com painéis de carvalho, estantes, livros e jornais. Madeira brilhante e limpa. Todos os funcionários e clientes eram homens, o que lhe fez virar alvo das atenções. Ignorou as bravatas dos cavalheiros e dirigiu-se solene ao balcão:

         - Uma xícara de café e dois pãezinhos de ervas, por favor.

         Recebeu seu pedido junto de um sorriso levemente malicioso do jovem que a atendera, que não retribuiu. Só entrou no café para alimentar-se e descobrir o motivo de tamanho movimento. Deixou de lado sua irritação com a atenção não solicitada e prestou atenção em algumas conversas.

         “Parece que Babin anda tendo problemas com suas fábricas. Já foram dois incêndios...” em uma mesa. “... venha comigo, sei onde estão as melhores mulheres do país!” em outra. Alguns senhores apenas liam os jornais da manhã em silêncio; outros, livros. Prestou mais atenção em uma mesa de canto, ocupada por jovens bem vestidos, próximos à sua idade.

        “Ótimo dia para visitarmos o clube, não é? Vamos aproveitar os últimos momentos antes da temporada, quando ficará lotado.”

         “Concordo plenamente, Desmarais. Chamarei mais alguém, além de ti e Laurent?”

         “Bertrand? Afinal, ele quem conseguiu nossa admissão...”

         Éclair demonstrou-se ainda mais interessada na conversa dos rapazes após a menção do nobre, além de ter descoberto o motivo da popularidade do café: visitantes afluentes. Recordou de sua irritação com a recepcionista da pensão de minutos atrás. Bem, hipocrisia é o serviço que o vício presta à virtude, não era este o ditado? Certamente não seria de tão ruim saber mais sobre seu cliente mais rico. “E belo”, algo que não admitiria tão cedo.

         “Oh, Lorde Bertrand. Não estava pensando em chamá-lo, mas já que citou esse fato tão importante, devo convidá-lo de qualquer maneira, meu amigo”

         A última fala do jovem fez com que o passado refinado de Éclair viesse à tona, repleto de intriga e fofoca para aqueles que lhe eram considerados amigos. Sorrisos forçados, insultos velados, falsa modéstia. Já conhecia todos os artifícios. A hesitação saída dos lábios de um deles era tentadora, o mistério sempre a encantou.

         - Bom dia, companheiros. – Uma voz efusiva, masculina e com um leve tom de gracejo invadiu o café. Reconheceu-a como a do próprio Lorde Bertrand, que acenou com a cabeça para o grupo de colegas e sentou no banco ao lado de Éclair.

        - Bom dia para a senhorita. – Sorriu discretamente, num misto de sedução e coquetismo, algo planejado, porém de aparência espontânea. – És bem ousada de visitar um local onde apenas freqüentam homens.

         - Oh, bom dia, lorde Bertrand. – Sorriu de maneira simpática, com intenções de atraí-lo para a loja novamente – Para ser sincera, é a minha primeira visita a este café. Estava passeando pela cidade antes de chegar. Daqui a alguns minutos voltarei à Anémone e abrirei a loja.

         - Sinto muito por isso. – Lucien achava ultrajante o fato de uma mulher rica ter de trabalhar. Acreditava piamente que os Vert estavam desesperados por dinheiro, para permitir que sua filha trabalhasse fora. – Que sua situação melhore.

         - Não se preocupe, senhor. Minha loja está indo bem, em parte por sua ajuda. – Desconfiou desde o princípio de que o nobre achasse que a família estava falida. – Minha família também. Mantenho contato constante.

         - Se é assim, fico feliz. – Achou estranho, o que refletiu em sua expressão. Se a família estava bem e as relações continuavam amigáveis, por qual motivo Éclair largara o conforto de sua vida? Mulher interessante, sem dúvida. – Senhorita Vert, se não for pretensão demais de minha parte, poderia me explicar o motivo de vir para a capital?

         - Como posso começar... – Riu discretamente. Era óbvio que o rapaz tinha uma visão ultrapassada acerca da condição feminina, mas pelo menos não a tratou como uma herege ou algo parecido. Além do mais, seus olhos cinzentos combinavam muito bem com os cabelos louros ondulados na altura do pescoço e sua pele clara...

         Ignorou seu devaneio e continuou com sua resposta:

         -... Concluí meu curso na faculdade e não quis desperdiçar o conhecimento adquirido. Além do mais, quero ser reconhecida por mérito próprio, não apenas como “herdeira dos Vert”, “filha de milionários” ou expressões parecidas. – Ao terminar de responder, alguns homens próximos à dama claramente estavam surpresos, seus olhos demonstrando o choque.

         - Um grande objetivo, sem dúvida, minha cara. – Apesar de não ter mentido, Lucien sentiu uma necessidade de proteger Éclair dos males da cidade grande. Para ele, a moça era como uma bela flor de estufa, incapaz de sobreviver a um ambiente cruel por muito tempo. Deveria introduzi-la rápido aos círculos da aristocracia, onde encontraria um lugar melhor para viver, entre outros motivos. Porém, seria discreto, para não ofender o gênio aparente da dama.

         - Fico feliz por compreender. Lorde Bertrand é um grande homem. Mas mudando de assunto, gostou das cartolas? – Não queria expor demais de sua personalidade a um desconhecido, logo, voltou sua atenção para negócios. Lucien poderia lhe ser muito útil nesse aspecto.

         - Foram o assunto de todos os lugares que visitei. Magníficas. Recomendarei a loja a meus pares. – “Ótimo”, Éclair pensou. A visita da nobreza seria a melhor coisa possível para sua loja. Daria um ótimo rendimento e sugestões muito mais precisas para sua nova invenção.

         - Visite minha loja mais vezes, se possível. Trarei coisas novas na temporada. – Sorriu do mesmo modo manipulador que Lucien. – Com licença. – Levantou-se e pagou pelo café. Vestiu sua capa e estava pronta para ir trabalhar, quando o nobre a interrompeu:

         - Como um bom cavalheiro, devo lhe transportar até onde deseja. – Exibiu sua grande carruagem, porém esta não causou nenhum choque ou encanto a Éclair.

         - Obrigada, mas não será necessário. – Sacou sua varinha furtivamente.

         - Mas eu insisto!

         - Transfero!  - Desapareceu do café, deixando Lucien atônito. Concluiu que deveria usar essa magia mais vezes, dada sua praticidade.

         Éclair surgiu em frente à porta de sua loja, com Giselle já presente, coberta por bandagens, mas com um ar mais saudável, dado pela boa alimentação da pensão. Naturalmente, tomou um grande susto, ficando paralisada e mal conseguindo gritar, num efeito similar à magia de paralisação que sofrera no dia anterior. – Então você cumpriu sua palavra e veio, Martin.

         - Sim... – A garota tremia – O que quer que eu faça, senhora?

         - Ajude-me com a loja por hoje. Depois iremos a outro lugar. – Desenroscou a bengala e abriu a porta com elegância, repetindo sua coreografia matinal de trabalho, com as luzes acesas e seu armário contendo seus pertences pessoais. A adolescente apenas seguira Éclair para detrás do balcão, sem a menor idéia do que fazer, algo facilmente solucionado:

         - Tire o pó das prateleiras, limpe o chão e vá até o estoque retirar as mercadorias das caixas. Não quebre nada. Os materiais estão apoiados na prateleira do canto. – Giselle nada fez exceto obedecer a Éclair; esta era severa e tinha um ar arrogante, mas ao menos não a violentou até o momento. Iniciou seu trabalho varrendo o assoalho da parte aberta ao público enquanto os clientes não chegavam.

***

         O chão de mármore e o teto em alto-relevo indicavam tratar-se de um estabelecimento de alta classe. Em meio ao luxo, mesas de bilhar entretinham os rapazes aristocratas.

         - Bertrand, quem era a senhorita do café? Já faz algum tempo que você não sai a passeio junto de uma dama, meu amigo. – Bolas de marfim rodavam sobre a mesa.

         - É verdade, rapaz. De nós, você é o que possui mais presença. Planejando algo? – Nenhum movimento na mesa.

         - Desmarais, Laurent, Gravois, aquela adorável dama de olhos azuis e cabelos soltos é a herdeira da família Vert, de Brille. Seu nome é Éclair. – Lucien deu uma tacada precisa, levando três bolas vermelhas aos cantos da mesa. Sorriu e respirou fundo de maneira sarcástica. Sem dúvida, Éclair poderia resolver alguns de seus problemas.


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Notas finais do capítulo

Artífice já ganhou sátira e fanarts!

Por kathvmc3:

http://jackpalance.tumblr.com/post/1213056470/episodio-8000-jack-the-raeper-again - Sátira do capítulo 3

http://i9.photobucket.com/albums/a97/lanzelotti/muitoplanejamentopoucaao.jpg - Rascunho da Éclair. Ainda não acredito que ela desenhou algo do tipo em 15 minutos!

Muito obrigada pelos presentes!



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