O temperamento de George me deixava um pouco assustada durante os primeiros meses de casados, Ele era sempre sério. Talvez, até um pouco mais sério, além do que seria o normal para um homem de negócios.

Certa tarde, junto com Cassandra, decidi fazer algo que ele gostasse. Certa vez, ouvi ele comentando com Nikolai sua preferência por bolos, especificamente os de chocolate. Pedi a ajuda à nossa empregada. Afinal, eu nunca tinha posto os pés numa cozinha — muito menos, posto a mão na massa. Lembro do desastre que foi aquele dia, mas o resultado foi compensador.

— Cassandra, sabe se o George está em casa?

— Está no escritório, e pediu pra não ser incomodado.

— Ótimo! Você pode me ajudar a fazer um bolo de chocolate?

— Menina, por acaso você já cozinhou alguma vez?

— Não, nunca. Foi por isso mesmo que pedi sua ajuda. — disse eu a Cassandra com um sorriso radiante.

— Está certo, só espero que nenhum dano culinário seja causado. — completou ela, com um tom e sorriso marotos.

Eu não sabia por onde começar. Ela, por sua vez, organizou todos os ingredientes na bancada, para facilitar o meu lado.

Cassandra tinha em mãos um livro antigo, com um pouco de poeira — certamente, herdado de minha tia-avó Eunice. Ela ia me indicando a ordem e a quantidade dos ingredientes.

Do outro lado da bancada, um pequeno frasco de vidro chamou minha atenção, como se estivesse a espiar a mim, furtivo. Dentro dele havia um líquido avermelhado, um pouco espesso. Perguntei à Cassandra o que seria.

— Cassandra, que o que tem naquele frasco de vidro pequeno?

— É molho de pimenta

— Ei, ele pode ser colocado no bolo, igual aos caramelos de chocolate apimentados que certa vez comi na confeitaria do Sr. Victor!

— Menina, não se mistura esse tipo de ingrediente ao chocolate, deve ter um gosto intragável!

— Mas o Sr. Victor vende, e não tem gosto ruim não.

Ela olhou a mim com certa desconfiança, e acrescentou:

—Duvido que  dê certo. Você pretende mesmo arriscar, minha cara?

— Ora, se o George gosta de arriscar naquela, como chamam? Lembrei, Bolsa de Valores. Bem, se meu marido gosta de se arriscar na Bolsa de Valores, por que não arriscar aqui numa coisa bem mais segura? O que acha?

— Bem, Eugenee, se você tem certeza do que quer, vá em frente, então. 

— Obrigada.

— Se eu fosse você, eu não poria pimenta no bolo.

— Pois eu vou colocar.

— Certo, então.

Nesse instante, eu já tinha ido buscar o dito cujo. Dei a volta na bancada, já com o frasco em mãos. Daí eu o destampei, e despejei o molho na massa do bolo

— Isso vai ficar ótimo! — disse, um pouco excitada.

— Vai ser um desastre... — disse ela, receosa.

Cassandra é um pouco ‘certinha’ demais com relação à culinária. Você viu? Quase que ela acaba com meus planos.

— Agora mexer tudo, untar a forma e... por último... Ah sim, por último o fermento. Pronto! Agora é só ir ao forno.

— Eu não quero nem ver...

— Não se espante. Essa vai ser a minha primeira de muitas obras de arte culinária. Será que George vai gostar?

— ... — silenciou a empregada, diante da determinação da jovem patroa.

Na verdade, ela tinha outras tarefas pela frente, então fiquei acompanhando de perto, esperando o bolo assar. Estava ansiosa. Mais ou menos 40 minutos depois, tirei o bolo do forno. Bom, ele não havia crescido. Parecia mais uma bolha estourada do que propriamente um bolo, mas o aroma estava bom. Depois disso, esperei esfriar, o tirei da forma e o cortei em fatias. Feito isto, chamei pela minha ajudante.

— Cassandra, venha até aqui! Já está pronto!

Não consegui conter a emoção. Chamei minha governanta aos gritos.

— Menina, fale mais baixo, George pode escutar e se zangar!

— Tudo bem, tudo bem. Agora, prova um pouco.

Ofereci a ela um pedaço do bolo. Cassandra o analisava como se fosse um ser de outro planeta e, por fim, deu a tão esperada mordida.

— E então?

— Eu nunca tinha provado algo parecido, está simplesmente...

— Por favor, me diga logo, está me deixando ansiosa!

— Simplesmente divino!

— Ah eu sabia, eu sabia! Agora vou levar algumas fatias pro George, será que ele vai gostar?

— Certamente que sim, George gosta muito de bolos de chocolate, e esse molho de pimenta deu um sabor diferente, especial.

— Obrigada Cassandra, você é um gênio!

— Que é isso, menina? A idéia foi todinha sua!

— Mas eu não teria conseguido sem a sua ajuda e o apoio moral.

Rimos por uns dois minutos, daí preparei uma bandeja com algumas fatias de bolo e um pouco de leite quente.

— George, querido, posso entrar?

— Eugenee, claro, entre.

— Eu estava preparando um bolo pra você, saiu agora pouco...

Coloquei a bandeja numa mesinha desocupada, George veio até ela, sentei junto à ele.

— Você mesmo que fez?

— Sim, euzinha. É claro que Cassandra me acompanhou, foi me dando alguns toques, mas... Eu nunca tinha pisado meus pés na cozinha pra fazer algo.

George comeu o bolo, também fez uma cara estranha ao vê-lo

— E então?

— Tem algo aqui...

Comecei a me assustar.

— O gosto está... diferente...

Meu coração dava sinais de que ia saltar até a garganta

— Um gosto exótico.

Ai meu Deus

— Muito bom, o que você colocou aqui?

Me senti mais que aliviada

— Bom, eu me inspirei nos caramelos da doceria do Sr. Victor. Eles são de chocolate com recheio de pimenta, e não era ruim, de jeito nenhum.

— Fez bem, para sua primeira experiência está ótimo.

Falou George, e sorriu logo em seguida. Não me contive de alegria. Levantei-me da cadeira e me atirei em seus braços. Beijei-o em seguida. Ele ficou espantado com a minha reação. Percebendo o que havia feito, me desculpei, afinal eu nunca tinha me lançado, literalmente, nos braços de um homem. George apenas riu da minha atitude e logo voltou a apreciar o bolo. Com a permissão dele, eu me retirei da sala. E ainda com o coração acelerado. E um sorriso vitorioso.

Eu havia conquistado o paladar do meu marido.