Cripta - o Silêncio das Gárgulas escrita por Pedro_Almada


Capítulo 2
Capítulo 2




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Capítulo 2

 

            - Está começando, Olaph.

            O céu estava cobrindo a cidade. Uma mulher, distante de qualquer olhar curioso, ocupava o teto de uma igreja gótica, construção de séculos passados, ainda fortemente erguido, resistindo ao tempo. Resistência essa que estava para cair, em ruínas, como todo o resto.

            Ela caminhou até a torre-leste, uma construção cilíndrica adornada por cabeças de gárgulas inexpressivas. Exceto uma, que parecia sorrir com discrição.

            - Temo por essa cidade – uma voz masculina soou. Vinha de um vulto escondido nas sombras, protegido pelas asas de concreto da gárgula sorridente.

            A jovem mulher tinha uma longa cabeleira negra, olhos azuis cintilantes e lábios carnudos, uma figura que poderia ser o atrativo de qualquer rapaz, se não fosse sua cicatriz do lado esquerdo do rosto, seu moletom largo, um capuz preto e tênis all-star sujos. Ela caminhou até a figura de pedra.

            - Não tema por esse lugar. – disse ela, mostrando todo o seu desprezo no tom de voz - Nenhum deles merece sua compaixão, Olaph.

            A voz na pedra se calou.

            - Você sabe, Olaph... Quando ela chegar, vai querer tirar satisfações.

            Houve um curto momento de silêncio.

            - Odeio aquele Sentinela – disse o vulto, enfim – Nunca sabe quando parar com suas atitudes estúpidas. Quebrar o coração de Lorelai daquele jeito... É quase um suicídio.

            - Foi exatamente o que ele disse... – murmurou ela, pensativa.

            O vulto se moveu, contendo um acesso de raiva. Não queria se desabrigar da penumbra.

            - Você... Você falou com ele, April? – gemeu ele, furioso – Não acredito que tenha feito isso! Falar com um traidor... Isso é...

            - Ora, Olaph! Não me venha com sermões! – ela se queixou, gesticulando os braços com veemência – Você sabe que, cedo ou tarde, esse dia chegaria! Chad só... Apressou as coisas.

            - Chad? – a voz sibilou, ríspida. O homem havia se levantado – Não acredito que tenha se tornado tão íntimo daquele Sentinela idiota, April!

            O homem deixou que a luz da noite banhasse seu corpo. Alto, magro, o rosto fino e pálido. Usando um sobretudo de couro e luvas de seda, ele permitiu que seus olhos castanhos vivos fosse exibidos, revelando para April um olhar de profundo rancor.

            - Não me olhe assim, Olaph. Lorelai logo estará aqui. Precisa pensar em um jeito de convencê-la a não nos matar. Depois disso, você pode dar o sermão que quiser, ok?

            - Você é estúpida e inconseqüente, April! – ele bradou – Não aprendeu nada do que eu te ensinei? Esse mundo é sujo, é cruel! Os amigos do Sentinela são inimigos de Lorelai! Você não percebe? Ela te seguirá! E seguirá a mim, por ser o seu tutor!

            - Hei, pare de falar! Cruzes, cara chato! – ela debochou, virando-se e encarando os movimentos apressados abaixo, nas ruas – Escuta... Consegue ouvir? É o mundo. Esse é o mundo que vivemos. Se Lorelai quer descer e invadir o que é da nossa jurisdição... Bem, vamos chutar o traseiro branco dela e mostrar que...

            - Tola, tola! Tola! – Olaph urrava agora, em completo desespero – Você, realmente, acha que pode fazer algo contra ela? Eu devia ter ouvido Simmas. Você não estava pronta para isso... Nunca esteve.

            - O que? Acha que eu não sou boa o bastante? Meu pai não acreditava em mim, Olaph... Mas você...

            Ela se aproximou, vagarosamente, enquanto a telha já muito gasta estalava abaixo de seus pés. A cicatriz rosada em seu rosto brilhou levemente, evidenciando ainda mais os seus olhos cor de céu sem nuvens. Era como uma gota de verão em uma tempestade como aquela que estava por vir.

            Olaph estremeceu. Sentiu o passo da jovem em sua direção, sabia o que ela pretendia. Queria desviar, ele também queria. Tanto quanto ela.

            - Você sempre acreditou em mim, Olaph... – suas delicadas mãos envolveram o rosto macio do homem desconcertado – Isso significa muito pra mim.

            Antes que qualquer resposta pudesse ser dita, um outro clarão cruzou o céu, como o rugido de uma fera grotesca.

            April fitou o céu em completa surpresa. Ou talvez fosse medo.

            - O que foi isso? – ela perguntou, mas algo em seus olhos dizia que já sabia a resposta.

            - Lorelai... – murmurou Olaph – ela não está vindo sozinha.

            O homem fitou as gárgulas da torra. Agora, todas estavam rindo, como hienas famintas petrificadas.

            - Merda! – ele gemeu – está trazendo Klaus e o bando.


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