Capítulo 19 – Na calada da noite

A High Wing pousou sem muitos problemas em Disney Castle. Lilian se espreguiçou quando descia da nave. Olhou em volta e o local estava calmo e vazio, como sempre.

Ainda era manhã, e aparentemente cedo naquele mundo.

- Bem, eu devo ir reportar ao rei. – começou Riku, tomando a frente do grupo em direção ao castelo. – Tentem descansar dessa missão todos vocês. Não sabemos quando vamos partir novamente.

O grupo assentiu enquanto ele se afastava.

- Bem, eu estarei na High Wing. – disse Vaan. – Aquela luta sobrecarregou o sistema de canhões da nave.

- E eu irei à biblioteca do castelo. – falou Lilian em seguida, como se lembrasse de algo. – Preciso saber de algumas coisas.

Zack apenas ficara em silêncio, mas não questionou nada sobre o que a amiga faria. Lilian foi correndo para o castelo, até desaparecer de vista. Ele respirou fundo e começou uma caminhada sem rumo pelos corredores.

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Lilian já tinha uma pilha de 10 livros formadas em uma das mesas da enorme biblioteca, e a segunda pilha estava na metade.

A jovem estava no segundo andar, entre duas estantes de livros, checando cada título que via atentamente. Quando chegou ao final do corredor, ela respirou fundo e encostou as costas em uma das estantes.

O sonho que tivera com os três homens viera a sua mente novamente. Nada naquele lugar poderia ajudá-la a descobrir o que era aquilo. Nem ao menos ela tinha o nome do lugar em que vira nos sonhos.

Levantou-se de onde estava e voltou para a pilha de livros que deixara sobre a mesa de carvalho da biblioteca. Puxou o livro no topo da segunda pilha e abriu.

Metade dos livros que pegara falava sobre Gummi Ships, o que incluía mecânica e a eletrônica de como funcionavam. Lembrou de Cid Highwind, que conhecera em Traverse Town. Ele havia construído a High Wing.

Quando pegara o penúltimo livro, ela já havia perdido noção total do tempo, pois a porta da biblioteca se abriu. A jovem virou para ver o intruso, e Riku adentrara no local olhando para a menina.

- Não apareceu para o almoço. – comentou Riku, sem dar tempo de a garota falar. – E está sumida há horas desde que chegamos.

Não sabia o que dizer. A jovem mordeu o lábio inferior e olhou para os livros que lia. Muitos estavam marcados, outros fechados. O rapaz se aproximou e olhou para os livros, e depois passou a fitar a jovem.

- Lendo sobre Gummi Ships? – ele arqueava uma das sobrancelhas. – O que você está tramando Lil?

- Nada, eu apenas... – e a jovem se virou remexendo alguns livros, antes de voltar a encarar Riku. – Estava apenas curiosa. Algum problema para você?

Ele nada disse. Apenas riu levemente, deixando a garota corada e furiosa. Ela simplesmente odiava quando o rapaz fazia isso. Bufou e voltou para a leitura, mas não conseguia se concentrar.

Riku se sentara ao lado da jovem, sem ao menos pedir permissão. Ele olhava o título dos livros e depois fitou a garota, que parecia nervosa enquanto tentava ler.

- Algo te atormenta, não é? – perguntou o rapaz de repente.

A jovem parou de ler, mas mantinha seus olhos no livro. Sentia o olhar de Riku sobre si. Perguntou-se se deveria falar do sonho que tivera antes de pousar, mas antes que pudesse se decidir, ela sentiu algo leve, macio e quente sobre a sua mão.

Ela olhou e viu a mão do rapaz pousada sobre a sua, e o sentiu acariciar sua mão calmamente, o que deu uma sensação de relaxamento na jovem.

- Sabe que pode me contar tudo. – ele comentou, e Lilian passou a olhá-lo. – O que te atormenta?

- Riku, os nossos sonhos têm algum significado, não têm? – a jovem perguntou, e o rapaz pareceu pensativo e depois assentiu. – Mas e quando eles não parecem ser simplesmente sonhos? Como se eles fossem reais, e estivesse de fato acontecendo.

- Eu não sei bem ao certo. – disse Riku, ainda pensativo. – Porém, os sonhos podem se tornar perigosos. Eu acho que você deveria falar com o rei...

E isso fez com que a jovem se levantar. O rei Mickey com certeza deve saber de alguma coisa sobre isso. Perguntou-se como foi tão besta em procurar livros que pudesse falar sobre isso.

Apertou a mão do rapaz e o abraçou. E em seguida, ela correu em disparada para fora do recinto.

Os corredores estavam vazios, como na maioria das vezes, o que facilitou bastante a corrida da garota até o andar superior, onde ficava a sala do rei.

Quando parou diante da porta de madeira branca do escritório do rei, ela recuperou o fôlego e bateu na porta tentando não parecer agitada. Não obteve resposta de início, e bateu uma segunda vez. Segundos depois, a porta escancarou e Mickey se mostrou visível.

- Lilian?! O que a...

- Vossa Majestade, eu preciso perguntar uma coisa.

E o rei apenas assentiu, e abriu mais a porta, pra que Lilian pudesse entrar. Nada havia mudado naquele lugar desde a última vez em que estivera ali. Sentou-se em uma cadeira em frente à mesa lustrosa do rei.

- O que queria me perguntar, jovem Lilian?

- O senhor já teve um daqueles sonhos em que não são simples sonhos? – ela viu o rei arquear uma sobrancelha, então se apressou em continuar. – Como se ele fosse real, e estivesse mesmo acontecendo...

Mickey levantou a mão, e ela se calou. A garota sentiu as mãos começarem a suar, e tentou se ajeitar da melhor maneira que pôde na cadeira.

- Você está falando de uma visão Lilian. – começou o rei calmamente. – Estranhamente algumas pessoas nascem ou adquirem esse dom. Mas tem que tomar cuidado, pois nem sempre rever o passado, ver o presente ou prever o futuro pode ser bom.

A jovem assentiu e passou por alguns segundos mergulhados em pensamentos.

- Mas porque a repentina pergunta? – questionou Mickey, trazendo a jovem de volta a si.

- Não é nada, vossa majestade. – e ela se levantou. – Eu agradeço a atenção que o senhor teve.

E se virou, dando as costas para a sala, em direção à porta.

- Lilian. – chamou o rei, fazendo-a se virar para olhá-lo mais uma vez. – Há algo que você queira me contar?

Ela o encarou por alguns instantes. Lembrou do que lhe aconteceu em Nárnia e dos sonhos que tivera desde que podia se lembrar. A jovem desviou o olhar, respirou fundo e a expressão de cansaço invadiu o seu rosto.

- Não senhor. – ela mentiu, voltando a encarar o rei.

Ele suspirou e acenou para ela, que saiu da sala de Mickey.

Olhou pela janela e a noite começava a cair vagarosamente em Disney Castle.

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Já era por volta da meia-noite.

Lilian se vestiu calmamente e foi até a sacada do quarto. Provavelmente tudo estaria deserto e não encontraria tantos obstáculos.

Ela abriu a porta do quarto calmamente, tentando fazer o mínimo barulho possível para não acordar o amigo no quarto à frente do seu. Andou sorrateiramente pelos corredores até alcançar o jardim.

O céu estava parcialmente estrelado naquela noite, e a lua minguante banhava Disney Castle. Mais adiante, ela podia ver o vermelho reluzente da High Wing.

- Calma Lil. – falou para si. – Você só irá pegá-la emprestada. Não é necessariamente um roubo, pois você vai devolver.

Respirou fundo e caminhou até a nave. Não havia sinal de Vaan ou Riku, então aquilo poderia ser mais fácil do que imaginara. Subiu na nave e foi até a cabine de comando.

Procurou se lembrar de cada coisa que deveria fazer como tinha dito nos livros da biblioteca. Ligou os motores e foi até o computador verificar as coordenadas pré-programadas na nave.

- Para onde a senhorita pensa que vai saqueando a minha nave no meio da noite?

Lilian se virou assustada para o dono da voz. Bem na entrada da cabine de comando estava Vaan olhando para a moça com uma expressão que estava entre fúria e agitação.

- Vaan! – começou a jovem. – Não é o que parece... Eu só ia pegá-la emprestado...

- Emprestado?

- Eu pretendia devolver! – retrucou Lilian.

- Em pedaços? – Vaan já alterava a voz, e ao ver a moça espantada, ele respirou e voltou a falar. – Lilian, seja lá o que esteja pensando, esta é minha nave. E como faria para pilotá-la? Não sei como faria essa loucura, mas não acabaria nada bem.

A jovem ficou em silêncio. Mordeu o lábio inferior. Vaan tinha razão. Uma coisa era pilotar com o que leu de livros, outra coisa bem diferente era pilotar uma nave daquele porte pelo espaço sem nenhuma experiência.

- Eu sinto muito Vaan. – disse a moça. – Não havia pensado nisso.

- Mas para onde você iria ao meio da noite? – perguntou o rapaz mais calmo.

- Traverse Town. – ela respondeu. – Eu preciso falar com o Leon.

- Então saia da minha cadeira. – falou o garoto.

Lilian agradeceu e se afastou, dando espaço para Vaan poder pilotar a nave. Em minutos, a dupla já estava deixando Disney Castle para trás.

- Vaan, eu pretendia voltar antes do amanhecer. – comentou Lilian.

O rapaz assentiu, e sorriu enviesado. A moça sentiu a nave acelerar e se sentou, antes que pudesse perder o equilíbrio.

A viagem até Traverse Town não fora tão longa quanto previra. Segundo Vaan, aquele mundo era perto de Disney Castle por questões estratégicas desde a última ascensão das trevas.

- Pronto apressadinha. – disse Vaan ao pousar a nave.

Ela riu levemente e se levantou. Olhou para Vaan e depois para um dos lados da cabine, onde ficava o sistema de comunicação e gerenciamento da maior parte das funcionalidades da nave.

Pousou sua mão calmamente sobre o painel. O rapaz estranhou e arqueou uma sobrancelha. Ele já estava para perguntar o que ela estava fazendo, quando ele a viu sussurrar algo inaudível, e de sua mão, ele viu um pequeno relâmpago.

Sua expressão se tornou de terror e pânico ao olhar os computadores da High Wing desligarem quase que ao mesmo tempo.

- O que você está fazendo? – perguntou o rapaz correndo até ela.

Lilian tirou a mão do painel e olhou para Vaan, que começava a ficar furioso com a situação.

- Não se preocupe. Foi apenas uma descarga elétrica causando um curto circuito nos comandos principais da nave. – explicou a jovem calmamente. – Só por garantia de que não avisará a ninguém sobre meu paradeiro.

- Você enlouqueceu? – esbravejou Vaan. – Sem o computador principal ligado, como nós iremos voltar para Disney Castle?

- Não se preocupe. Nenhuma parte da nave foi queimada durante o processo. – continuou Lilian calmamente, já andando para fora da nave. – A High Wing precisa apenas de um impulso eletromagnético no gerador principal da nave para voltar a funcionar como antes. Avisarei ao Cid para providenciar que isso seja feito o mais rápido possível.

E Vaan ainda continuou olhando incrédulo para a jovem, que desaparecia de sua vista.

Lilian olhou atentamente para o Primeiro Distrito. O lugar estava calmo. Havia uma pequena movimentação, mas nada de alarmante. Continuou a andar, antes que uma voz a parasse.

- Lilian! – e ela olhou para os lados.

Yuffie acenou e correu até ela.

- Olá Yuffie. – cumprimentou a jovem.

- O que a traz aqui? Não há nada de errado, há?

- Não. Mas você sabe onde está o Leon?

- Bem... – e parecia pensar por alguns segundos. Olhou para os lados e pegou pela mão, puxando-a para um dos portões que havia no Primeiro Distrito. – Ele está um pouquinho sumido há quase uma hora. Provavelmente a Aerith sabe onde ele está.

E juntas, elas foram até a casa que ficava mais a frente. No térreo, ela não passava de uma loja onde viajantes poderiam negociar peças de reposições para naves e mantimentos. No andar de cima, o ambiente era completamente domiciliar. E não mudara nada desde a última vez em que estivera ali.

- Aerith?! – chamou Yuffie.

A jovem florista, com cabelos castanhos e olhos verdes, apareceu de um dos cantos. Ela abriu um sorriso acolhedor ao ver a visita.

- Lilian! – e Aerith foi até a jovem. – Onde está o Riku e seu amigo Zack?

- Eles ficaram em Disney Castle. Não puderam vir. – respondeu a garota.

- E o que a traz aqui?

- Lilian? – e outra voz feminina apareceu da entrada.

Tifa entrara no local e segurava uma caixa, que colocou no chão em um dos cantos do quarto e encarou a jovem visitante.

- Não é nenhum problema, né? – a morena perguntou confusa.

- Não. Eu preciso falar com Leon. – e antes que a florista pudesse interromper, Lilian continuou. – É importante! Tem haver com Cloud.

O trio trocou olhares apreensivos.

- Vocês sabem o que aconteceu com ele, não sabe? – questionou Lilian.

- Não é isso... – começou Yuffie, mas Aerith a interrompeu.

- Na verdade, nós não sabemos onde o Cloud está. Ele sumiu desde a batalha em Radiant Garden, antes de ser consumida. – relatou. – Mas o que você sabe?

- Não muito. Apenas sei que ele está em perigo, e eu preciso saber o que aconteceu. – a jovem respondeu. – Por isso eu preciso falar com Leon.

- Ele deve estar pensando na torre do relógio no Segundo Distrito. – comentou Tifa. – Leon com certeza deve saber mais do que nos disse.

E Lilian as seguiu até o Segundo Distrito, que estava deserto àquela hora.

- Yuffie. – parou a jovem de repente. – Por favor, eu preciso que você leve o Cid até a High Wing. Vaan explicará o que aconteceu.

A ninja estava para questionar, mas Lilian pedira mais uma vez, quase implorando, que Yuffie bufou e assentiu. Afastou-se do grupo pela direção oposta.

Lilian foi a primeira a alcançar o topo da torre. Leon estava de costa para ela, na beirada. A visão que ele tinha era da maior parte do lugar. A moça se aproximou para apreciar a vista, que a fez lembrar bastante de Twilight Town.

- Lilian. – chamou Leon, sem se virar. – O que poderia tê-la trazido até aqui?

Ele se virou quando Aerith e Tifa finalmente alcançaram à dupla.

- Eu quero que me conte o que aconteceu com o Cloud. – disse ela seriamente, encarando o rapaz.

- Ele desapareceu. E não tem o que falar sobre isso...

- Cloud está com problemas, e eu preciso encontrá-lo. – interrompeu a jovem, sem ao menos se importar com o que ele dissera. – Vai me dizer ou não?

Leon suspirou e olhou mais uma vez para a cidade abaixo.

- Riku já deve ter mencionado a batalha que tivemos em Radiant Garden, certo? – perguntou virando-se para encarar Lilian.

Ela assentiu.

- Estávamos para perder Radiant Garden, mas Sora não desistiria de lutar até o fim. Porém, se ele continuasse lá, deixaria Kairi sem proteção. Ele pediu ao Cloud para que levasse a garota para longe.

- Mas isso nunca chegou a acontecer. – retomou Aerith. – Quando Cloud, Vaan e dois de seus amigos de Ivalice, Fran e Balthier, estavam escoltando Kairi para uma Gummi Ship que a levaria dali, o grupo foi emboscado.

- Os heartless capturaram Kairi. – voltou Leon a falar. – Cloud se sentiu responsável, mas isso eu não sei explicar o motivo. No final, Radiant Garden consumido e Kairi capturada. Sora ficou arrasado e foi atrás dela. Vários de nós foram a expedições para procurá-la e trazê-la de volta.

- Mas Sora, em companhia de Donald e Goofy, desapareceu. Perdemos contato com Fran e Balthier há muito tempo. E Cloud sumiu. – disse Tifa. – Não sabemos o que aconteceu com eles, e achamos arriscados mandar mais pessoas para procurá-los. Já não somos numerosos, e perdemos aliados importantes. Não poderíamos nos arriscar em perder mais dos nossos.

- Entretanto, a última vez que tivemos notícias de Cloud, ele estava em um mundo chamado Sky City. – explicou Leon, com um olhar perdido. – É um mundo bem afastado. Se quiser encontrar Cloud, você deve começar por lá.

- Sky City... – repetiu Lilian em baixo tom, apenas para ela ouvir. – Obrigada. – e se virou para sair. – Eu prometo que o trarei de volta.

E então fez o caminho de volta até o Primeiro Distrito. Encontrou a High Wing e tudo parecia desligado ainda. A moça subiu a bordo da nave e ninguém estava na cabine de comando. E pelo elevador, ela desceu até nível inferior, onde encontrara Vaan e Cid perto de um dos geradores.

- A louca que causou tudo isso! – disse Vaan sarcasticamente ao ver Lilian.

- Cale a boca! – gritou Cid, enquanto armava o que parecia ser uma bomba. – Se isso realmente der certo, você vai ter a High Wing em alguns minutos... E voilá!

O dispositivo que ele colocara no gerador principal continha uma luz que piscava de forma constante, até acelerar e por fim, causar um som agudo, que ensurdeceu Vaan e Lilian. Um forte tremor foi sentido pela estrutura da nave. E outro som se seguiu. Os geradores começavam a emitir um som quase agudo, indicando que a nave voltara a funcionar novamente.

- E o seu problema com a High Wing está resolvido Vaan. – comentou Cid sem fazer muito caso. – Mas tome cuidado com o que fará com a nave da próxima vez. Poderia ter sido pior.

- Te devo essa Cid...

- Essa e várias outras.

Cid se foi, acenando em despedida para a dupla que ficava no nível inferior.

- Vamos voltar! – disse Vaan quase mal-humorado. – Eu quero chegar à Disney Castle com a minha nave intacta!

Ele e Lilian foram até a cabine, onde o rapaz voltara a digitar as coordenadas no computador e fez a nave decolar.

- Obrigada Vaan. – disse a moça. – E sinto muito pela High Wing, mas eu...

- Ok, ok! – cortou Vaan. – Mas nunca mais se aproxime dos painéis e dos computadores. Eu não quero nada frito aqui dentro!