Saga Sillentya: as Sete Tristezas escrita por Sunshine girl


Capítulo 27
XXVI - Desertor


Notas iniciais do capítulo

Penúltimo cap...

E o desertor é... tcham, tcham, tcham!

Brincadeirinha!

Boa leitura!



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Capítulo XXVI – Desertor

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Aos poucos eu fui voltando a mim mesma. Embora aquela densa névoa ainda estivesse ao meu redor, recobrindo-me como uma capa.

Mas aos poucos ela desintegrava-se, o torpor cedia, e eu emergia daquelas águas turvas e frias mais uma vez...

Meus olhos abriram-se, lentamente, eu ainda não era capaz de distinguir coisas ao meu redor, tudo era vagamente registrado pelo meu cérebro. Mas havia uma iluminação parcial, já não estava mais tão escuro.

Havia alguém me observando, imóvel como uma estátua. Reconheci os cachos louros e impecáveis emoldurando o rosto de traços angelicais.

E tudo veio à tona no mesmo instante, as lembranças perturbadoras que eu tivera pouco antes de perder a consciência. O Terceiro Olho brilhando, eu embarcando em uma jornada suicida, desejando fervorosamente salvar Laura Cornner que havia sido raptada pelo desertor. O jovem preso pelas raízes à parede, e o surgimento de uma figura que eu conhecia muito bem. Atacando-me, lançando-me contra a parede daquele galpão, enquanto que seu rosto era memorizado por meus olhos.

O desespero tomou conta de todo o meu ser e eu tentei de alguma forma mover-me, correr para longe dali, mas algo me detinha, algo grosso, áspero, envolvia meus pulsos, prendendo-os acima de minha cabeça na parede de madeira.

E só então percebi que eram raízes. Puxei meus pulsos, tentando libertar-me, no ímpeto de fugir dali o mais depressa possível, mas eram esforços inúteis, aquilo parecia mais aço reforçado, não havia como moer as raízes com minha força limitada.

Meus olhos assustados repousaram até a face da figura a minha frente novamente, os olhos castanhos continuavam gélidos e imóveis, fitando-me. Os lábios rosados erguiam-se um pouco nos cantos, em um meio-sorriso assustador.

Laura estava impecavelmente intacta; vestia nada mais do que um jeans e um suéter vermelho vivo de gola alta e mangas compridas, muito pesado para a estação. O cabelo louro e ondulado estava preso no alto na cabeça por um coque frouxo, enquanto algumas mechas pendiam delicadamente dele, recaindo sobre seus ombros.

Meus olhos percorreram novamente tudo em derredor, meu corpo jazia sentado em meio ao chão de terra e cascalho, eu estava recostada à parede de madeira daquele galpão, minhas mãos eram atadas pelas grossas raízes a ela.

Atrás dela, estavam as duas figuras de Bryan e Jimmy, os dois garotos transformados em Escravos das Sombras, atacados na mesma noite que Max, eu e Roy, que Aidan já havia eliminado.

Debati-me imediatamente, forçando as raízes que prendiam meus pulsos, mas era inútil, eu jamais conseguiria escapar dali. Olhei para cima, para a minha esquerda, o rapaz que eu tentara a pouco salvar ainda permanecia preso à parede por todas aquelas raízes.

Voltei a encarar Laura, petrificada por meu medo. Minha respiração estava descompassada, eu ofegava, o que faria agora?

A expressão de escárnio em sua face era algo óbvio. O que ela pretendia fazer comigo?

- O que você quer de mim? – sussurrei, minha voz completamente inteligível.

Ela estreitou seus olhos cor de mel, depois baixou sua face para os seus pés, enquanto ela caminhava lentamente de um lado para o outro. E quando ela cessou sua curta caminhada, tornou seus olhos gélidos para a minha face aturdida.

- Não se preocupe, Agatha. Eu não desejo o seu mal, pelo contrário, pode-se dizer que tenho uma espécie de afeição por você.

- O que você quer dizer? – perguntei.

- É simples, tente entender tudo o que lhe fiz como uma espécie de favor.

Encarei-a com esgar, ela estava falando sério? Eu bufei.

- Favor?

Ela tombou sua face para o lado, tentando desvendar o que se passava em minha cabeça naquele momento. Depois ela mordeu seus lábios, e refletiu.

- Você não tem a menor idéia do que Sillentya fará se descobrir da sua existência, Agatha. Acredite em mim, a morte seria o menor dos seus problemas.

- Era você o tempo todo! – eu cuspi as palavras através de meus dentes trincados, desviando o rumo de nossa conversa e ignorando a sua tentativa de me tapear.

Ela recuou, os olhos cautelosos e hesitantes. Olhou em derredor, respirou fundo várias vezes, mas eu chamei sua atenção novamente.

- Você estava naquela floresta, naquela noite. – e a raiva explodiu dentro de mim como uma bomba devastadora – Você machucou todas aquelas pessoas inocentes! Você machucou o Max!

Com a lembrança nítida em minha mente, eu tornei a acusá-la, não me importando com o que minhas atitudes poderiam provocar.

- Era você na ponte... Naquela noite! Você me manipulou! E depois, você mandou o Max até a minha casa para me matar, trouxe os Devoradores de Alma até South Hooksett e agora... você... você matou seus pais... – minha voz perdeu-se, extinguindo-se junto de meu fôlego, enquanto eu arfava, completamente exausta e estressada.

Laura sorriu um pouco, seus lábios rosados ergueram-se nos cantos.

- Eles nunca foram meus pais de verdade. – confessou-me ela. – Eu somente os manipulava, tudo era parte da fachada humana, a cidade desconfiaria de uma colegial morando completamente sozinha. Mas agora, eles já não possuem mais utilidade para mim, então eu os descartei.

Um arrepio percorreu todo o meu corpo naquele momento. Depois, sua mão esquerda moveu-se até a manga de seu suéter vermelho e vagarosamente ergueu-a, expondo a pele de alabastro do interior de seu pulso e revelando as linhas negras que compunham o desenho, a tatuagem, a mesma que Aidan possuía. O símbolo do caçador.

- Como você pode constatar, eu já os servi por muitos anos. Mas hoje a situação é um pouco mais complicada. – explicou-me ela, calmamente - Eu me cansei de seguir a todas as ordens daquele conselho de velhos dementes e hipócritas, então eu decidi agir por conta própria. E cá estou. – disse ela, fazendo uma pequena mesura.

- E o que exatamente você pretende? – perguntei-lhe, ainda um pouco receosa.

- Nada que você possa entender, infelizmente. Mas quem sabe em breve, você não acabe ajudando em nosso plano para acabar com aquela sociedade medíocre e decadente.

- Que plano?

Laura encarou o jovem rapaz que gemia contra a raiz grossa que o amordaçava.

- Eu já lhe disse, nada que você possa compreender, mas em breve, Agatha, toda essa cidade cairá prostrada ante mim, ante ao meu poder e então eu finalmente obterei força suficiente para destronar as Sete Tristezas. Mas até que meu plano possa ser concluído, eu preciso certificar-me de que o caçador enviado por Ducian não será capaz de interferir em meus planos.

- Isso é uma armadilha... – eu sussurrei, percebendo que tudo não passara de uma simples engenhoca para poder me pegar, a única coisa capaz de ferir Aidan nesse momento. – Você quer Aidan... – constatei, enquanto era dominada pelo medo e pelo desespero.

Laura permaneceu em completo silêncio, o som de meu coração martelando em meu peito toldava meus ouvidos. Eu estava completamente temerosa de que algo pudesse acontecer a Aidan.

Ela logo exigiu a minha atenção novamente, sua voz suave rompendo aquele silêncio mortal.

- Não posso permitir que ele estrague meus planos.

- O que você pretende fazer com ele? – perguntei, minha voz tomada pelo pânico.

Ela sorriu, expondo a fileira de dentes brancos e brilhantes.

- Não se preocupe, darei uma morte rápida e indolor a ele. Eu suei frio naquele momento e meu coração sofreu um forte solavanco.

- Mas... e quanto a cidade? O que você pretende fazer com os moradores de South Hooksett?

Ela inspirou, depois tornou a me encarar com seus olhos indecifráveis. Depois, uma raiz moveu-se, arrastando-se pelo chão como uma serpente e enroscou-se na parede de madeira, subindo depressa, enquanto o jovem rapaz gemia com mais freqüência, devido ao seu pânico. Vi quando a raiz o alcançou, envolveu seu pescoço e iniciou um processo extremamente doloroso, sufocando-o.

- Não! Pare! – eu tentei intervir pela vida do rapaz, mas seus olhos gélidos a delatavam, ela já havia tomado a sua decisão.

- Humanos são criaturas tão voláteis, tão frágeis. – murmurou ela, ainda com um meio-sorriso nos lábios – Eles podem sair dessa vida com tanta facilidade, podem encontrar a morte mais cedo do que esperam, e são tão fúteis e ignorantes.

- Você não precisa matá-lo! – berrei, tentando de alguma forma salvar o rapaz que já sufocava com a pressão em seu pescoço e gemia incessantemente contra a mordaça, engasgando na maioria das vezes.

Laura ignorou-me, focando-se somente em continuar torturando o pobre rapaz.

- Os humanos não me servirão em absolutamente nada nesse estado frágil e inútil, é preciso remover a alma da casca para que ele ganhe um propósito ainda maior. Mas este... – ela gesticulou para o rapaz preso à parede - não será escolhido. – murmurou ela friamente, e depois sem ao menos piscar, ela ordenou a raiz que sufocava aquele homem que exercesse uma pressão ainda maior, houve um estalo e depois os gemidos cessaram, e a face do jovem tombou para o lado, os olhos completamente mortos.

Então ele havia morrido.

Apertei meus olhos e desviei meu olhar, eu não suportaria continuar olhando para seu cadáver por muito tempo. Houve uma apunhalada em meu estômago, e a náusea atingiu-me. Foi necessário muito de minha força para refreá-la, e eu tentava a todo custo respirar fundo, aquilo só ia atenuá-la.

Mas a voz de Laura exigira minha atenção novamente, principalmente enquanto as raízes enroscavam-se no chão empoeirado, rastejando até mim, sob o comando dela. Encolhi minhas pernas, tentando afastar-me daquela coisa que se aproximava cada vez mais de mim. Mas o que eu podia fazer? Estava completamente imobilizada. E infelizmente, eu era a presa e Laura o predador imponente.

- O que você vai fazer? – perguntei, completamente apavorada, encolhendo-me cada vez mais e tentando buscar refúgio na parede de madeira do galpão.

Os olhos dela permaneceram inexpressivos e gélidos enquanto aquela coisa enrolava-se em meus tornozelos, subindo vagarosamente por meu corpo.

- Não tema, Agatha, eu a salvarei dessa vida medíocre e hipócrita. Eu lhe mostrarei toda a verdade.

- Do que você está falando? – perguntei-lhe, confusa e preste a entrar em pânico.

- Do que todos sempre esconderam de você. Em breve você será iluminada pela verdade, e compreenderá tudo o que eu estou lhe dizendo.

E enquanto a raiz avançava por sobre o meu corpo, suas garras espinhosas alcançando a pele de meu pescoço, eu tentei suplicar-lhe uma última vez, antes que a mão tenebrosa da morte pousasse sobre mim.

- Por favor, pare... – sussurrei, e depois não suportei mais olhar, cerrei meus olhos com força, desejando ao menos que fosse algo rápido e indolor.

Em meu último pensamento, Aidan estava... Sim, ele estaria em minha última lembrança. Talvez porque todos os meus momentos bons, alegres e inesquecíveis, eu tivesse passado ao lado dele. Seu rosto projetou-se em minha mente, seu rosto inflexível e impassível, como sempre.

Os olhos castanhos insondáveis e belos, emoldurados pelos cílios grossos. Seu olhar tão penetrante e intenso que sempre me fazia pensar em como ele devia enxergar a minha alma. Os cabelos negros como a meia-noite, tão sedosos e macios. A pele bronzeada, perfumada como nenhuma outra. Os músculos de seu tórax, de seus braços, sua mão quente e forte segurando a minha.

O contorno do queixo, as pestanas lançando sombras em seus olhos. Os lábios carnudos tão sensuais. E sua voz abafada, séria, sussurrando em meu ouvido.

Sem dúvida, essa era a última lembrança que eu gostaria de levar comigo, em minha hora mais negra, nos tempos obscuros, sua face seria capaz de trazer-me paz e luz. Porque fora ele a trazer o sol até o meu céu cinzento e morto. Fora ele a dar cor e vida para ele, e eu lhe devia tanto.

Eu ainda podia sentir aquelas raízes enroscando-se em meu pescoço, já exercendo uma leve pressão em minha pele. Pensei nele com todas as minhas forças, e preparei-me para despedir da vida...

“Aidan, eu te amo. Perdoe-me...”

E então houve uma estranha movimentação, o ar agitou-se ao meu redor. De alguma forma eu sabia que estava bem agora. Eu estava segura. E algo dentro de mim já me dizia, alguém havia chegado para me salvar, alguém não, Aidan.

Ousei abrir meus olhos novamente, e eu estivera certa, era ele quem aparecera para me tirar desse buraco negro. Aidan movia-se com agilidade e velocidade, ele aproximou-se de Laura como um fantasma, ela nem mesmo teve chance de revidar, ou muito menos, esquivar de seu ataque.

Aidan desferiu uma forte cotovelada em seu rosto, Laura cambaleou para trás, completamente desnorteada. Aidan aproveitou-se da brecha, moveu-se novamente como um míssil, sua velocidade era tanta que eu mal conseguia acompanhar seus movimentos. Vi que com isso, as raízes recuaram de meu corpo, tombando sem qualquer vida no chão.

Em um golpe de mestre, ele transferiu-se para trás dela, um de seus braços fechou-se ao redor de seu pescoço, enquanto o outro imobilizou uma das mãos de Laura. E eu pude ver a fúria, incontida em seus olhos, transbordando, como um cálice cheio. Seus orbes queimavam de forma cálida, visível.

Vi que seus dentes estavam trincados com muita força, enquanto seus músculos retesavam-se, totalmente enrijecidos.

- Eu descobri a verdade! – cuspiu ele entredentes de maneira ríspida e que me deixou completamente apavorada, eu jamais o havia visto tão furioso antes.

Laura cerrou seus punhos, seus olhos vagaram por todo o ambiente até encontrar os dois Escravos das Sombras, completamente alheios a toda a batalha, em um canto qualquer do galpão.

E depois seus lábios gritavam palavras em um idioma desconhecido, mas eu sabia perfeitamente o que significavam: comecem a carnificina.

- Virsic laverius!

E depois ambas as criaturas moveram-se na direção de Aidan, o cenho franzido, do fundo de suas gargantas eclodiu um rosnado bestial assustador.

E eles lançaram-se na direção de Aidan, sem o menor temor.

Aidan agiu com precisão, soltou Laura imediatamente, preparando-se para confrontar os dois garotos com sede de matar. O primeiro deles investiu contra Aidan, mas ele conseguiu desviá-lo, para o meu alívio, esquivando com uma precisão demasiada. Era toda a sua experiência reunida ali, décadas e décadas lutando por Sillentya com criaturas como aquelas lhe conferiram tanta experiência e conhecimento, que parecia até mesmo algo fácil para ele, natural.

Aidan logo segurou nos punhos de um dos Escravos, depois suas mãos agiram com rapidez e eficácia. Aidan puxou-o para si, virou-o de costas e enroscou suas mãos na face da criatura, girando-a para os lados com força. Ele tombou no chão, evidentemente ele não se recuperaria tão cedo.

Em seguida, ele transportou-se para trás do outro remanescente, e eu nem mesmo o vi se mover, eu mal conseguia piscar os olhos sem perder pelo menos metade da batalha. A criatura percebeu de imediato a presença hostil atrás de si, virou-se a tempo apenas de vislumbrar enquanto Aidan, usando de toda a sua força, empurrava-o contra a parede.

O Escravo chocou-se violentamente contra várias mercadorias que haviam sido armazenadas ali, caindo sobre todas elas, e perdendo a consciência. Pelo menos, para eu pareceu isso.

Tornei meus olhos para Aidan novamente, tudo ao meu redor parecia fluir com tanta lentidão, mas essa era apenas a minha impressão, a batalha não durou nem cerca de um minuto. E depois, as raízes enroscavam-se nos punhos de Aidan, como amarras elas o prendiam, fixando-se no chão, e tentando fazê-lo ceder. Mas Aidan não se renderia assim tão fácil, e lutava contra todas elas.

Olhei para a face sem emoção alguma de Laura, e depois para Aidan novamente, enquanto ele arrebentava com sua força sobre-humana, raiz por raiz, até estar livre por completo.

E ele postou-se ao meu lado, toda a fúria recuando de seus orbes, ele estava preocupado comigo. Suas mãos agiram com precisão, arrebentaram com apenas um golpe todas as raízes que me prendiam, liberando meus pulsos.

- Você está bem? – perguntou-me ele.

Apenas meneei a cabeça, assentindo. Aidan levantou-se, a fúria remodelando seu rosto novamente, enquanto seus olhos severos e intimidadores pousavam sobre a face inexpressiva de Laura.

- Não permitirei que a machuque. – murmurou ele, e eu ainda podia ouvir a tensão em sua voz, ao mesmo tempo em que todos os seus músculos enrijeciam novamente, e ele cerrava os punhos a ponto de eu ouvir seus ossos reclamarem do esforço.

- Você não tem o direito de decidir isso por ela. – rebateu ela, seu rosto ainda era uma máscara indiferente a toda aquela situação.

- Você também não. – retrucou ele, mal humorado.

- Eu estou tentando apenas salvá-la. Você sabe tão bem quanto eu o que essa garota esconde, e o que seu mentor faria se a encontrasse.

- Isso não vem ao caso agora. – sussurrou ele – E meu mentor jamais saberá da existência dela, isso eu posso garantir.

- Você realmente acredita que pode protegê-la de seu próprio destino? Tolo caçador! Então não viu o suficiente para saber que há apenas um único desfecho reservado para ela? – perguntou ela, sarcástica, seu rosto ganhando uma emoção pela primeira vez. – E não estou me referindo a algo muito agradável de se comentar.

- Cale-se! – exigiu Aidan.

Os olhos de Laura endureceram, ganharam um aspecto tão sombrio e assustador, algo que eu jamais tinha visto em toda a minha vida.

- De qualquer forma, eu terei toda essa cidade em minhas mãos muito em breve. E nem mesmo você, ou toda aquela corja de Sillentya será capaz de me impedir. Prepare-se, caçador, pois a última coisa que você provará será um pouco do meu poder!

Aidan virou-se para mim, os olhos esbugalhados, assustados, mas tudo devido a minha segurança.

- Fuja! – gritou ele. Tentei processar a única palavra que ele me dissera.

A adrenalina preencheu minhas veias, meu coração martelava violentamente em meu peito. E tudo o que eu tinha consciência era de Laura estender as mãos, cerrar seus olhos e algo extraordinário aconteceu.

O fluxo de adrenalina fazia com que eu me mexesse com uma lentidão demasiada. Mas as raízes cresciam rápido ao meu redor, brotando do chão como mágica, arrebentando a parede de madeira do galpão, abrindo fissuras, de onde brotavam com velocidade e eficácia. Até do mesmo do teto elas vinham. E enquanto eu lutava para alcançar a saída daquele inferno, senti quando uma delas deteve-me, agarrou em meus tornozelos, puxando-me para baixo e eu fui ao chão.

Meus joelhos cederam e eu fui de encontro a terra e aos cascalhos. Usei minhas mãos para me proteger, e como conseqüência acabei machucando-a, ralando as palmas nas pedrinhas.

Permaneci desnorteada por vários milésimos de segundos, enquanto a raiz envolvia minhas pernas, arrastando-me de volta. E depois Aidan rasgava-as com as mãos, libertando-me. Laura parecia estar em transe, os cipós cercavam-na, criando uma espécie de barreira em torno de si, e elas movimentavam-se, como uma espécie de dança.

Aidan susteve-me, ajudando-me a levantar daquele chão. Apoiei-me nele, enquanto observava o ritual de Laura chegar ao seu clímax. E seus olhos gélidos como a morte, tornaram a abrir, um brilho estranho os dominava.

- Eu não permitirei que saiam daqui. – murmurou ela, um estranho sorriso projetando-se em seus lábios rosados. Depois, os braços de Aidan já se estreitavam ao meu redor, e ele jogava a nós dois no chão empoeirado novamente. E dos lábios de Laura, somente duas palavras foram proferidas.

- Porviatres Malevorus!

E houve uma grande explosão de energia, da qual Aidan conseguiu nos desviar, lançando a nós dois no chão. Ele usou seu corpo para me proteger, e eu não vi mais nada.

Houve um estrondo fortíssimo, e toda a estrutura do galpão foi abalada, eu sentia o chão tremular abaixo de mim. Somente meus ouvidos eram capazes de captar os estranhos ruídos que sucederam aquela explosão. Ao que eu pude constatar, eram mais explosões, posteriores a primeira. E de repente estava tão quente lá dentro. Na verdade, estava escaldante. E uma certeza dominou-me: o galpão estava em chamas.

Então a explosão de energia lançada por Laura devia ter atingido os fogos de artifício. Aidan puxou-me para cima novamente, olhei em derredor assustada, as paredes do galpão eram rapidamente dominadas pelas chamas alaranjadas. O fogo alastrava-se, consumindo tudo com uma rapidez espantosa. Fitei Aidan, o coração aos pulos.

- Saia daqui depressa! – ordenou ele, os olhos severos, furiosos novamente.

O desespero tomou conta de mim no mesmo instante.

- Não! – eu teimei – Não irei a lugar algum sem você!

Suas mãos seguravam em meus braços, contendo-me ali, Laura permanecia em meio às chamas que bruxuleavam, em uma dança graciosa e fatal ao seu redor. Seus olhos eram iluminados pelo alaranjado delas, mesclando-se a elas, o que os tornava ainda mais ferozes e assustadores.

- Só dessa vez confie em mim, Agatha. – pediu-me ele – Vá embora! – e sua voz tornou-se ríspida novamente.

Meus olhos arderam, havia algo entalado em minha garganta, e eu não conseguia respirar, mas isso se devia a quantidade de fumaça naquele local. Aidan e eu nos sobressaltamos quando uma viga que escorava o teto cedeu, desabando no chão, completamente consumida pelas chamas. E tomada pelo desespero, e o meu medo de perdê-lo, eu parti.

Deixei aquele local, dirigindo-me até a porta, desviando dos pedaços do teto que desabavam, contornando as chamas, protegendo meu rosto com as mãos. E quando a sensação sufocante agravou-se ainda mais, eu tapei meu rosto, cobrindo minhas narinas e meus lábios, enquanto eu já tossia. Minha garganta ardia de uma forma estranha, e em minha boca estava um estranho gosto de cinza.

E sem olhar para trás por nenhuma vez sequer, eu alcancei a porta, lançando meu corpo para longe daquele lugar.

A umidade em meus olhos intensificou-se, e eu não tive mais como reprimi-las. Eu havia abandonado Aidan. Eu o havia deixado lá dentro. Como eu pude?

Desolada e totalmente sem forças mais para correr, eu desabei no gramado, ofegando descontroladamente. Virei-me para trás, não contendo meu impulso de olhar para o galpão mais uma vez, a tempo apenas de vê-lo ser tomado pelo fogo, engolfado pelas chamas brilhantes e ofuscantes.

E então, houve uma segunda explosão. As chamas consumiram a tudo, lambendo prazerosamente os últimos resquícios do galpão. O estrondo provocado pela explosão permeou meus ouvidos, o clarão que a sucedeu ardeu em meus olhos, mas eu mal tinha consciência de tudo aquilo. Eu só pensava em Aidan lá, sozinho, abandonado por mim. Aquele peso esmagou-me sem compaixão alguma, e as lágrimas já desciam por meu rosto, embaçando minha vista.

Não sei por quanto tempo assisti as chamas terminarem de lamber as paredes do galpão. Só tive consciência de fugir dali quando uma multidão, atraída pelo clarão das chamas, vinha na minha direção. E então eu levantei-me, fugi para as sombras obscuras, onde eu encontrei meu refúgio.

Devo ter permanecido lá por mais ou menos uma hora. Eu andava em círculos, eu chorava, eu apoiava minha face em minhas mãos e encarava o chão. Eu somente pensava em Aidan, onde ele poderia estar naquela hora, naquele momento.

Não sei ao certo também quando decidi voltar, consciente ou inconscientemente, meus pés agiam por conta própria. E quando despertei para a realidade, eu já voltara para onde o galpão costumava ficar.

Fitei os caminhões do pequeno corpo de bombeiros de South Hooksett, as luzes brilhantes das sirenes das viaturas da polícia. O delegado Percy conversava com alguns bombeiros. E do galpão não restara muito, apenas um esqueleto decadente e enegrecido que ameaçava desabar a qualquer momento.

Uma espessa fumaça branca exalava dele ainda. Sinal de que o fogo fora controlado recentemente. Também havia uma ambulância, e um corpo sendo removido em uma maca, o qual eu não pude identificar, estava coberto por um saco preto. Muitas pessoas conversavam no local. E embora meus pés ainda se arrastassem por aquele gramado, somente o meu corpo estava presente, pois a minha mente estava a milhas e milhas dali.

Estaquei quando senti duas mãos pequeninas segurarem em meus ombros, contendo-me. Voltei a terra no mesmo instante, vendo o rosto de Tamara a minha frente, vincado pela preocupação.

- Agatha, onde você estava? – perguntou-me ela, exaltando-se – Estou te procurando a um tempão! – reclamou ela, mal humorada.

- Desculpe. – fora tudo o que eu conseguira dizer. Estranhamente, minha voz estava um tanto morta.

Sua fúria e seu desejo por me repreender desapareceram no mesmo instante, substituídos por uma compaixão imensa.

- Ei, você está bem? O que houve?

- Não foi nada. – menti – Acho que não estou me sentindo muito bem.

- Você perdeu tanta coisa. – murmurou ela um pouco decepcionada.

- O que eu perdi? – perguntei, minha voz sem emoção alguma. Tamara fez um biquinho, depois olhou para as estruturas remanescentes do galpão.

- Houve um incêndio, um funcionário morreu. Os bombeiros acreditam que foi devido aos fogos de artifício que estavam lá dentro.

- Só uma pessoa morreu? – perguntei, meu coração martelando em meu peito. Eu estava completamente desesperada.

- Sim. – Tamara assentiu – Só encontraram um corpo lá dentro, o corpo do funcionário. Por que? Devia haver mais alguém? – perguntou ela, confusa.

- Não. – eu consegui expressar, um pouco mais aliviada – É que eu só achei... estranho.

Tamara percebeu de imediato que eu estava um pouco melhor e decidiu levar-me para casa. Eu não a contestei, eu sabia que Aidan viria até mim, em breve.

Quando cheguei em casa, não me importei com mais nada. Subi as escadas, e lancei-me em minha cama, meus olhos não desgrudavam da janela de meu quarto. Eu observava-a de cinco em cinco minutos, talvez menos.

E eu lutava contra o sono, recusando-me a dormir antes de ver Aidan são e salvo em meus braços. E meu corpo discordava de minha decisão. Eu estava moída pelo cansaço, completamente exausta. Mas não me rendia, e permanecia insone enquanto as horas avançavam. Não sei ao certo quanto tempo se passou até que eu ouvi um ruído em meu quarto escuro.

E depois eu já pulava para fora da cama, lançava-me na direção da escuridão e meu corpo chocava-se contra o dele. E eu inspirava seu cheiro maravilhoso, e de meus olhos lágrimas já transbordavam.

E seus braços envolviam-me, acalentavam-me. E guiavam-me de volta para a cama, enquanto seus lábios aproximavam-se de meu ouvido e sussurravam.

- Não se preocupe, está tudo acabado. Tudo finalmente acabou.

E ele realmente estava certo. O fim havia chegado. A hora do adeus enfim havia batido a minha porta, pronta para despedaçar toda a minha felicidade. Pronta para me enterrar naquele buraco negro e frio que eu estive evitando há tanto tempo.

E ser empurrada naquele precipício, causou o meu completo desespero. Porque todo o meu ser já sabia, todo o meu ser já tinha consciência; A despedida havia chegado, embora eu não estivesse pronta para ela, sim, não havia dúvida, minha hora mais sombria e temida havia finalmente chegado. A hora de dizer adeus ao amor de minha vida, a hora de perdê-lo para sempre, a hora de minha própria sentença. A hora em que eu devia enfrentar a minha própria sina, e então ser amaldiçoada pelo resto de meus dias.


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Notas finais do capítulo

ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh! NÃO!! NÃO! NÃO!

A DESPEDIDA CHEGOU!! NÃOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO!

PREPAREM OS LENÇOS, PQ NO PRÓXIMO CAP JÁ SABEM!!

E aí gostaram da Laura ser o desertor? E eu já deixei algumas pistas para a continuação...

Como me saí na luta final???

Bem, é isso... Próximo cap. é o último! *xora*

Obrigada mesmo a todos!!

Reviews???

Até o próximo e último...

Beijos!