The Devil Next Door escrita por M4r1-ch4n


Capítulo 16
Capítulo 16




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           Desligar o telefone não foi bem o que Kaoru fez, tomado por um misto de frustração e raiva; sem pensar duas vezes, o publicitário literalmente arremessou o aparelho na parede mais próxima, que acabou se desligando com o impacto gentil que lhe havia sido infligido. Bufando e ficando com o rosto mais corado do que o cabelo do seu vizinho, o homem de cabelos roxos não se levantou de imediato quando ouviu a porta do aparamento 304 ser destrancada por fora.
           Ele tentou respirar fundo e se acalmar, não porque Die merecia qualquer consideração; ele simplesmente não queria causar problemas à sua saúde por causa do outro. Minutos depois, reunindo toda a sua força para conseguir sobreviver àquela noite, o publicitário arrastou-se para a porta, abrindo-a de um jeito carregado de medo, como se houvesse alguém esperando-o do lado de fora. Felizmente Die ainda não estava por perto para provocá-lo, fato que animou Kaoru por volta de vinte e três segundos, tempo que o publicitário usou para sair do apartamento vizinho, atravessar o minúsculo corredor e entrar novamente na sua própria casa estranhamente decorada.
          Numa tentativa inútil de tentar sair do pesadelo em que o homem de cabelos roxos acreditava estar, ele esfregou os dois olhos demoradamente, pedindo com fervor que, quando ele olhasse novamente para a sua sala, veria tudo normal novamente.
          Mas tal graça não lhe foi concedida. Suspirando pesadamente, Kaoru se sentou no seu sofá, encarando a árvore e o boneco de neve por alguns segundos, antes de levantar correndo dali para trancar a porta, guardando a chave dentro do seu bolso. Agora ele veria se Die gostaria de ficar trancafiado em algum lugar.
          O publicitário não teve tempo de se desvirar para notar que o ruivo estava chegando, coisa que ele só percebeu quando os braços do mesmo envolveram-no pelo pescoço, o homem mais novo positivamente tentando ficar preso à nuca de Kaoru e quase fazendo com que ambos caíssem.
          - Ho ho ho! Feliz Natal, Kao!
          Com movimentos rápidos, o homem de cabelos roxos usou seus braços para separar-se de Die com sucesso, uma frase mal-educada morrendo na sua garganta quando viu o quê o ruivo estava usando.
          ...Uma roupa de Papai Noel. Sem barba e sem barriga falsa, pelo menos. Kaoru desceu seus olhos da gola da roupa até as botas pretas, seu queixo caindo ligeiramente quando percebeu que a roupa estava beirando a perfeição. Quando o homem mais velho ergueu seus olhos, ele encontrou um sorriso que em nada lembrava o bom velhinho que deixava crianças sentarem no seu colo para pedirem presentes.
          Uma parte bem grande da mente de Kaoru, aliás, lembrou-lhe de que se fosse o outro homem a ficar em shoppings centers no Natal, as mães das crianças é que provavelmente iriam querer mil coisas de Die. Inconscientemente, o publicitário balançou a cabeça afirmativamente, concordando com a voz interior que ele ouvia e em seguida saindo do seu raciocínio inicial quando ouviu a voz do seu vizinho:
          - Até parece que você nunca viu alguém vestido dessa maneira e foi saltitante até o colo dele pedir presentes.
          Fazendo um barulho de desprezo com o fundo da garganta, Kaoru lançou um olhar ácido para Die, que, no entanto, parecia sempre perder todo o poder quando era dirigido ao rosto do outro.
          - Eu já tive uma infância, Daisuke.
          - Ah, então já está familiarizado com o processo! - um sorriso alegre substituiu o malicioso, Die caminhando até onde Kaoru estivera sentado até então no sofá, deixando seu corpo descansar confortavelmente contra a peça de mobília antes de virar a cabeça lentamente para o homem ainda parado perto da porta. Ele usou a mão direita para bater duas vezes na sua coxa:
          - Vamos, Kao. Sente-se e faça um pedido.
          O publicitário deu dois passos para a frente, cruzando os braços e torcendo os lábios num sorriso de profunda ironia e vitória.
          - Daisuke... Você já me obrigou a fazer muita coisa, mas... - Kaoru se interrompeu e esqueceu seu raciocínio por alguns segundos ao ver Die lamber os próprios lábios e concordar devagar com a cabeça. Respirando fundo e tentando ignorar o que seus olhos insistiam em observar, ele continuou - Mas agora não. Não há nada que você possa fazer que me convença a sentar no seu colo.
          - Que coisa. - o outro murmurou, contemplativo - Nem isso, Kao?
          O homem de cabelos roxos arregalou os olhos, percebendo que o ruivo usara o mesmíssimo truque das prostitutas no seu primeiro dia naquele prédio. Olhando com uma expressão embasbacada no rosto para o outro, Kaoru não acreditava que a chave do seu apartamento estava brilhando entre dois dedos longos e muito experientes de Die para momentos inesquecíveis na cama.
          Ainda esperando a resposta do outro, o Papai Noel mais jovem e sexy que toda a Terra já havia presenciado começou a cantar uma música natalina célebre:
          - Noooooite feliz...
          Kaoru fez uma careta; não porque o outro cantasse mal, mas simplesmente porque aquilo estava errado. Noite feliz? Feliz para quem? Só se fosse para o maldito demônio de vermelho e branco que ocupava o seu sofá. Seu sofá. Assim como as chaves.
          - Nooooite de amoooor...
          Die lançou um olhar sugestivo para o homem mais velho, cuja careta piorou, carregada com uma boa dose de ódio agora. Amor, naquela hora, só se fosse à morte do ser vivo mais próximo dele.
          - Tuuuudo doooorme, em derred...
          A terceira linha da música foi o suficiente para quebrar o controle já meio fragilizado do homem de cabelos roxos. De repente, era como seu cérebro não estivesse mais dando ordens: com passos curtos e inacreditavelmente decididos, Kaoru moveu-se rapidamente até o sofá, literalmente subindo em cima do seu vizinho. Deixando o corpo de Die entre seus dois joelhos, ele abaixou seu quadril devagar, apenas o suficiente para tocar de leve o corpo do outro.
          Brilhando com determinação, seus olhos deixaram o ruivo imóvel enquanto o publicitário inclinou seu corpo apenas o bastante para alcançar com a mão direita do outro que prendia a chave.
          - Meu.
          Sem expressão qualquer no seu rosto, Kaoru murmurou aquele pequeno pronome possessivo antes de pegar novamente a sua chave e deslizar para o chão, caminhando para o seu quarto e fechando a porta. Dentro do mesmo, ele desviou das velas que estavam pelo chão e usou as duas mãos para suportar seu peso conforme ele desabou para a frente sobre uma das suas cômodas. Ofegando e ficando com as faces em brasa como nunca havia sentido, o publicitário repassou as cenas do que havia acabado de fazer na sua mente, sentindo-se estranho; o quê exatamente havia motivado-o a agir daquela maneira tão diferente dele mesmo? Um pedaço pequeno de si mesmo apontou que ele havia gostado do que acabara de acontecer, mas como ele não era maioria, o homem de cabelos roxos decidiu ignorá-lo. Por enquanto.
          Alguns minutos se passaram quando a porta do seu quarto foi aberta com ímpeto, assustando o ocupante solitário do cômodo. A cabeça ruiva do outro ainda enfeitada com o gorro de Papai Noel passou pelo vão criado entre a porta e o batente, sorridente como sempre.
          - Eu confesso que fiquei espantado com essa sua atitude dominadora, Kao. Talvez se você mostrasse mais desse seu lado, eu me acostumaria e...
          - Sem chance, Daisuke. - o publicitário murmurou em um tom que poderia ser classificado como assassino, marchando para a cozinha.
          Logo o cozinheiro da ceia apareceu no mesmo cômodo que Kaoru, adiantando-se e apresentando cada prato disposto sobre a mesa com o sotaque do país de onde eram originários. O homem de cabelos roxos rolou os olhos, mas por dentro ele reprimia uma gargalhada; Die conseguia ser hilário quando desejava, mas por questões profundas de orgulho e amor próprio, o publicitário decidiu controlar o riso.
          Os dois homens sentaram à mesa juntos, como se tivessem combinado aquele gesto em silêncio. Cada um ficou de um lado, aquela disposição fazendo Kaoru ter a estranha impressão de que eles eram casados ou algo do tipo.
          Repelindo os pensamentos bizarros que haviam invadido sua cabeça sem permissão, ele começou a se servir, Die logo fazendo o mesmo. O ruivo praticamente falava pelos dois; primeiro porque Kaoru não queria conversar de modo algum e também porque o outro sempre falara muito.
          - Como está a comida, Kao?
          - É Kaoru.
          - Tanto faz. - o ruivo piscou um olho para Kaoru - Nomes diferentes, mesmo prato.
          Com a boca cheia de chester, os pedaços da comida quase voaram em direção ao ruivo quando o publicitário compreendeu o significado completo da frase do outro.
          - Eu não sou comida, Daisuke!
          - Isso é muito relativo, Kao. Porque veja só... - o outro ergueu o indicador da mão direita, como se estivesse ensinando algo trivial ao outro - Supondo que você esteja numa festa e de repente se encontre trancado dentro de um cômodo. É nessa hora que você descobre que pode ser comido pelo...
          - DAISUKE! - Kaoru bateu com as mãos fechadas na mesa, levantando-se e inclinando seu corpo até o meio da mesa - Quantas vezes eu vou ter que falar que eu não sou comida para ninguém?
          Visivelmente constrangido e envergonhado, o publicitário sentiu sua respiração acelerar por vários motivos: porque cenas da sua noite com Daisuke voltaram com força total, além do fato de que ele havia gritado e... O ruivo agora copiava seus movimentos, ficando milímetros distante do seu rosto.
          E em como tantas vezes anteriores, Kaoru se viu congelado no seu lugar, apesar do fogo que ele poderia jurar sentir na sua face.
          - Eu ia dizer que era naquela hora que você descobre que o homem fantasiado de canibal era realmente um canibal, Kao. E você não pode culpá-lo, porque todos sabem o quão... - Die fez uma pausa curta, suficiente para traçar os lábios do outro homem com a sua língua antes de continuar - Delicioso você é, Kaoru.
          Sem mais, o cozinheiro da noite sentou-se novamente, apanhando seus talheres e recomeçando a comer seu pedaço de torta de frango. Completamente atordoado e sem saber o que fazer, o homem de cabelos roxos voltou à sua cadeira momentos depois, dividido entre ingerir algo para se livrar da sensação que ainda estava nos seus lábios da língua do outro ou simplesmente fazer o contrário.

          O Natal e o Ano Novo se foram muito rápido para Kaoru, que já se encontrava novamente trabalhando no escritório. Clicando e editando os resultados do seu trabalho para Matsumoto Hideto, ele apreciava a paz externa atual; Toshiya havia sido escalado para algum trabalho mais extenso, como parte do plano de Yoshiki de compensar o homem de cabelos roxos pelos dias em que Die foi o seu chefe.
          Ele havia acabado de completar a edição de uma das suas cartolinas quando sentiu uma mão no seu ombro, acompanhada de um chamamento suave:
          - Kaoru-kun?
          - Ah, Shin-chan. - o outro replicou com um sorriso ao olhar para trás, levando alguns segundos para salvar seu trabalho e aí sim girar o suficiente para poder olhar propriamente para o secretário - Tudo bem?
          - Tudo ótimo, obrigado por perguntar. - o homem loiro sorriu amavelmente - Kaoru-san, Hayashi-sama está pedindo para que você vá ao escritório dele. Ele gostaria de discutir uma coisa com você.
          - Sem problemas. Estou indo, então.
          Com mais uma troca de sorrisos, o publicitário foi ao escritório de Yoshiki no fundo daquele andar, passando pela mesa de Shinya e batendo duas vezes na porta. Assim que a ordem de entrar foi dada, Kaoru rapidamente adentrou o espaçoso e chique escritório particular do seu chefe, fazendo uma mesura cortês e somente se sentando quando foi ordenado.
          - Boa tarde, Niikura-san. Como vai?
          - Muito bem, Hayashi-sama. Terminei as cartolinas para Matsumoto-san... Estava editando no computador.
          - Hmmm. - o homem loiro murmurou sua aprovação, balançando a cabeça afirmativamente logo depois - Entendo. Confio na qualidade do seu trabalho, então não estou preocupado. - Kaoru sorriu levemente nessa parte - Mas Hideto-kun me pediu para você elaborar um segundo conjunto de posters. Ele ainda não viu seus primeiros trabalhos, eu sei disso; mas ele ligou e pediu um conjunto onde os sentimentos que ele quer trabalhar no filme estejam ligados.
          - Quer dizer que Matsumoto-san quer posters... Ligados entre si?
          - Exatamente. - concordou o chefe, usando a mão esquerda para pegar um copo que continha um líquido incolor que Kaoru não soubera reconhecer apenas olhando - Ah, me desculpe. Deseja beber algo, Niikura-san?
          - Não, não. Estou bem, Hayashi-sama.
          - Acha que pode fazer o segundo conjunto dos posters, então? - Yoshiki perguntou, depois de ter pousado o copo novamente e ter cruzado as mãos sobre a mesa, seu olhar penetrante sobre a figura do publicitário mais jovem.
          - Ainda não. Mas eu andei assistindo filmes anteriores de Matsumoto-san para me inspirar e não ficar fora do estilo dele.
          - Muito bom! Eu vou escrever para Hideto-kun hoje mais tarde e dizer que você aceita, então.
          - Tudo bem. É só isso, Hayashi-sama?
          Kaoru já tinha as mãos no braço da cadeira que ocupava, pronto para tomar impulso e deixar o escritório quando ouviu uma negativa do seu chefe. Piscando, ele relaxou e voltou sua atenção para Yoshiki, que agora parecia mais sério.
          - Tem outra coisa que preciso perguntar para você, Niikura-san. Segundo seu currículo, você tem algum tipo de conhecimento de fotografia, não?
          - Hai. Foi uma das eletivas que eu tive na faculdade, e depois fiz um pequeno curso sobre o assunto também. - o homem de cabelos roxos explicou, mexendo-se de leve na cadeira. Ele estava pressentindo alguma coisa - Mas não é meu ponto forte.
          - Não, não; não precisa ser sua habilidade principal. - Yoshiki sorriu e tomou mais um gole da sua bebida, elegantemente. Era estranho como ele era impecável quando o assunto era etiqueta - Eu presumo que você saiba que Hara-san está fora do escritório, em um outro projeto?
          - Sim, eu soube. - o publicitário concordou com a cabeça.
          - Hara-san foi designado para uma campanha de moda de uma loja... Mas ontem ele teve uma séria intoxicação alimentar, e precisou ser internado. No entanto, os nossos clientes têm pressa para concluir o ensaio, porque leva tempo até tudo ser finalizado e finalmente divulgado. Eles me ligaram hoje de manhã e perguntaram se alguém poderia substituí-lo nesse projeto. E eu pensei em você.
          Kaoru ficou honestamente surpreso; ele não sabia o que havia feito de tão bom, mas ultimamente muitas coisas pareciam estar dando certo na sua vida... Profissional, claro.
          - Eu acho que sim, Hayashi-sama. Mas isso atrasaria um pouco o pedido de Matsumoto-san. - ele argumentou, preocupado com o cineasta agora. O estilo do mesmo era um pouco diferente do que Kaoru estava acostumado a ver em filmes, e estava sendo trabalhoso para ele ilustrar raiva, tranqüilidade e indiferença sem usar palavras ou definições, como Matsumoto Hideto havia pedido antes.
          - Não se preocupe; já que seu primeiro conjunto está pronto, eu vou passá-lo para ele analisar enquanto você termina o projeto de Hara-san, se não se importar em aceitar. Claro que você será pago pelo seu trabalho. E muito bem, por sinal.
          Kaoru deu um sorriso bem maior que o anterior para seu chefe:
          - Aceito. Quando começo?
          Yoshiki olhou seu relógio de pulso com atenção.
          - Em vinte minutos. Se você já almoçou, o meu carro está na garagem. Shinya está esperando por você no primeiro subsolo.
          Os olhos do publicitário ficaram do tamanho de pratos, mas ele rapidamente tratou de interromper seus sinais de espanto e sorrir mais uma vez. Agradecimentos trocados, Kaoru foi finalmente dispensado e depois de pegar suas coisas na sua mesa, foi em direção aos elevadores. Todas as indagações que ele tinha sobre como Yoshiki quase deduzira que ele fosse aceitar o projeto sumiram da sua cabeça quando ele viu o carro caro e luxuoso em que Shinya esperava por ele.

          O publicitário quase relutou em descer do carro quando Shinya estacionou em uma vaga reservada na frente do edifício onde a campanha, aparentemente, já estava em andamento. Recolhendo sua pasta no banco traseiro depois de sair do veículo, ele recebeu do secretário um crachá que dava total liberdade para Kaoru dentro do prédio.
          Agradecendo Shinya e olhando com uma espécie de saudade para o carro preto que ia embora, ele suspirou e entrou no saguão principal. Ele realmente não foi incomodado por nenhum segurança, e seguiu para o vigésimo primeiro andar.
          Todo aquele piso pertencia a um renomado estúdio de fotografia, reconhecido no Japão como um dos melhores para se contratar quando o assunto a ser clicado eram modelos. Andando com confiança pelo longo corredor que levava à única porta no andar, o publicitário foi direcionado para o estúdio onde ele estaria trabalhando.
          Assim que ele abriu a porta, Kaoru deparou-se com um cenário imenso de uma praia. O que seria normal, se não fosse o começo de janeiro; aquilo sempre equivalia a uma Tokyo gelada. Colocando sua pasta no chão e procurando por alguém, ele quase se assustou quando uma porta lateral se abriu e admitiu um rapaz mais velho que ele, de aparência física mediana e comum, apesar de estar usando um grande par de óculos rosa-choque. Talvez porque combinava com o resto da sua roupa.
          Ignorando a sensação desconfortável que era aquela de ver alguém andando de rosa berrante pelo cômodo, ele foi até o homem e se apresentou, descobrindo que ele era o próprio fotógrafo encarregado da campanha. Medindo Kaoru por detrás do seus óculos, ele colocou a mão na cintura antes de falar:
          - A sua agência só contrata gente de cabelo tingido? Primeiro veio aquele cara de cabelo azul, agora você de roxo?
          O publicitário civilizadamente fingiu não ter ouvido a pergunta.
          - Me chame de Amano, sim? - o fotógrafo instruiu Kaoru - E você, como se chama?
          - Niikura Kaoru.
          - Kaoru então. Soa melhor que seu sobrenome. - ele fez um gesto com a mão e apontou para o cenário - Estamos criando uma campanha para um megastore... - o sotaque dele falando em inglês era muito forte e o homem de cabelos roxos quase não entendeu o que ele tentou dizer - E eles pediram um ensaio sexy e bem sensual, de biquínis, sungas, maiôs e essa coisa tudo.
          - Mas estamos no meio do inverno!
          Olhos escondidos por óculos rosa-choque rolaram para trás.
          - É claro que estamos no meio do inverno! Que época você acha que usaríamos? Tudo precisa estar pronto antes da primavera para poder ser divulgado! - com um suspiro profundamente exasperado e murmurando coisas sobre publicitários incompetentes, Kaoru começou a achar que Toshiya havia se intoxicado de propósito. Era totalmente compreensível.
          Amano saiu de novo da sala, gritando para alguém trazer os modelos enquanto o estúdio era aquecido. O homem de cabelos roxos começou, em pouco tempo, a sentir um calor considerável ali, afrouxando a gravata e retirando seu paletó em minutos. Ainda ligeiramente sufocado, ele abriu os primeiros botões da sua camisa e finalmente se sentiu mais confortável para trabalhar. Voltando até onde tinha deixado sua pasta, ele apanhou um caderno de rascunhos que ele sempre tinha consigo, além de pedir a um segundo homem que apareceu por lá uma câmera extra; era sempre bom filmar o ensaio.
          O homem, mais educado e incomparavelmente mais versado na arte de se vestir, trouxe a câmera de vídeo prontamente, que logo foi instalada por Kaoru. Ele ainda estava equilibrando a mesma sobre o tripé quando os modelos e Amano apareceram no estúdio, o fotógrafo excêntrico misturando um inglês sofrível ao japonês das instruções para os modelos.
          - Kaoru! Vamos começar.
          O homem de cabelos roxos suspirou e finalmente sentou-se próximo da filmadora, colocando seu caderno no colo e pronto para começar a pensar em frases ou qualquer tipo de colaboração que pudesse tornar a campanha um sucesso. Fazendo um sinal afirmativo para o fotógrafo, ele finalmente ergueu o rosto para conhecer os modelos.
          E instantaneamente, seu queixo fez o caminho oposto.
          Uma garota que parecia européia pelo tom de pele, cor dos olhos e cabelo trajava um biquíni vermelho, que certamente realçava as suas belíssimas curvas. E também combinava com muita classe com o cabelo do seu companheiro, que estava vestido com apenas uma sunga, nas cores preto e vinho.
          Estaria tudo bem, se o modelo masculino não fosse... Ando Daisuke. Em carne, osso e sorriso carregado de sensualidade como sempre.
          Die havia percebido muito antes de Kaoru que o outro se encontrava ali, de modo que aproveitou para correr sua mão direita pelo seu tórax, visão que o publicitário já conhecia, sob circunstâncias diferentes. Ou talvez nem tanto, já que o ruivo estava quase tão vestido quanto no dia da sua festa à fantasia.
          A criatura ambulante em pink começou a rondar o casal, instruindo poses específicas que ambos cumpriam imediatamente, sorrindo com naturalidade e agindo como se estivessem de fato próximos ao mar. O casal também estava começando a suar por causa das luzes e do aquecimento ligado momentos antes pelo fotógrafo, o que no final sugeria a quem visse as fotos de que eles haviam acabado de correr na praia ou mergulhado nas ondas.
          O homem de cabelos roxos quase furou seus olhos com a lapiseira; repentinamente grato por ter seu colo coberto pelo caderno, ele não só não havia escrito nada ainda como sentia que sua anatomia começava a ter idéias e visões de um certo Daisuke molhado, pingando depois de um banho ou talvez mergulho na praia.
          Amano interrompeu as fotos para que ambos trocassem de roupa, e Die obviamente não saiu do recinto sem antes umedecer seus lábios languidamente com a sua própria língua. De repente, a visão paradisíaca do ruivo quase nu foi substituída pelo excesso de rosa que era o fotógrafo.
          - O quê você já conseguiu, rapaz?
          Kaoru ergueu o rosto e descobriu que sua folha ainda estava em branco. Corando levemente, ele balançou a cabeça negativamente.
          - Nada ainda, Amano-san. Mas eu estou gravando o ensaio, caso precise ver tudo de novo em casa.
          O fotógrafo olhou estranhamente para o publicitário mas não disse nada, novamente murmurando algo sobre como esses profissionais sempre babam demais nas modelos. Aparentemente, Toshiya deveria ter se encantado com a beldade européia e o fotógrafo provavelmente achava que o mesmo havia ocorrido com Kaoru. E era bom que Amano continuasse acreditando nisso, porque o homem de cabelos roxos já não conseguia se convencer da idéia.
          Cinco minutos depois os modelos já estavam de volta. A garota voltara com um biquíni de estampa criativa, porém menor que o seu anterior. Die, no entanto, usava algo que lembrava uma bermuda. Ambos agora estavam com o cabelo molhado e as fotos foram tiradas em uma espécie de balanço, onde ambos bebericavam um suco ou batida tropical.
          O problema era que, aparentemente, ninguém via bebidas de verão desassociadas do fatídico canudo, fator que foi notado por Die e Kaoru. Dessa vez, em cada intervalo entre as fotos, ele se dedicava com um prazer quase maligno a contornar o cilindro de plástico devagar, às vezes colocando mais do canudo para dentro sua boca e encarando o publicitário com tanto ardor e intensidade que o homem de cabelos roxos quase abriu mais alguns botões da sua camisa.
          Uma nova pausa para trocas de roupa se seguiu, e observando o seu relógio de pulso em uma tentativa vã de acalmar seu corpo, Kaoru percebeu que já eram mais de quatro horas passadas. Surpreso, ele tratou de rabiscar qualquer coisa no seu caderno, caso o educado fotógrafo retornasse.
          No entanto, ele não veio e a troca de roupas demorou quase meia hora; o homem de cabelos roxos deduziu que o atraso deveria ser por causa da moça que havia secado os cabelos, lisos e soltos novamente, porém adornados com uma flor da cor do maiô que ela usava. Kaoru franziu o cenho quando não viu Die retornar, e por instinto, ele se virou para trás, temendo ou prevendo um ataque surpresa.
          Mas nada aconteceu. Resignando-se inconscientemente, ele observou as fotos da garota européia sobre uma espécie de esteira, fazendo observações úteis e profissionais pela primeira vez desde que havia chegado.
          A sessão solo da modelo demorou mais do que as outras duas, mas pelas palavras macarrônicas que o publicitário entendeu do diálogo do fotógrafo com a moça, parecia que ela estava dispensada pelo dia. Kaoru se levantou para desligar a câmera e ir embora mais cedo para casa, quando viu pela lente da mesma o seu vizinho retornando.
          O ruivo estava com mais roupa do que nas outras vezes, mas por algum motivo, a visão era... Muito mais cativante. O publicitário sentou-se novamente no chão, observando Die posicionar-se sobre um banco rústico de madeira, deixando seu corpo parecer relaxado contra uma superfície tão dura. As roupas do ruivo agora se resumiam a uma longa camisa branca, totalmente aberta e mostrando parte do seu peito, casando com uma calça preta e folgada, de tecido leve, que havia sido colocada muito abaixo da linha da cintura e para o gosto de Kaoru.
          No topo da cabeça, aninhado entre fios ruivos e sedosos, estava um par de óculos escuros, que durante metade das fotos ficou no lugar onde estava inicialmente, passando depois a cobrir os olhos ardentes de Die. Ainda que cada movimento e pose que ele fizesse fosse para as lentes de Amano, o publicitário sentia que eram todos para ele, sem exceção; os olhares do ruivo vinham constantemente na sua direção, ainda mais quando ele colocava os óculos mais para frente no seu nariz e seus olhos ficavam totalmente visíveis.
          Ao contrário da sessão da modelo, a de Die havia sido muito mais rápida, ou pelo menos assim parecia. E embora ele ainda não tivesse esquecido nenhuma das coisas que ele havia sofrido nas mãos do outro, agora que eles estavam separados naquele projeto por linhas claramente profissionais, ele conseguia, ainda que com certas ressalvas, admirar o seu vizinho.
          Die tinha talento. Muito talento... Para qualquer coisa que ele decidisse fazer. E essa característica faltava no homem de cabelos roxos.
          Ainda pensando nesse assunto, ele só atendeu os pedidos de Amano por atenção na terceira vez, a visão de muito pink contribuindo para que as partes baixas da sua anatomia voltassem a um estado de dormência. Ele se levantou, desligando a filmadora e apoiando seu caderno em cima dela, antes de se dirigir até onde seu chefe temporário se encontrava, ao lado do seu vizinho.
          - Kaoru, me faça um favor.
          - Claro.
          - Tire a sua roupa.
          - O QUÊ?
          O publicitário não conteve um grito de surpresa, indignação e vergonha, piscando e encarando Amano de forma bastante idiota. O choque foi tão grande que ele nem havia percebido o sorriso fatal que enfeitava o rosto do ruivo.
          - Tire sua camisa, por favor. Amanhã as fotos serão em duplas: uma outra garota posará junto com Sonja, enquanto outro homem precisa aparecer com Die. Só que o modelo que chamamos vai ficar comum demais próximo dele... Já que você tem essa cor de cabelo esquisita, deve ficar melhor com o ruivo dele. Anda, tira a camisa.
          Ainda piscando, o publicitário tentou não olhar para Die no momento, mas a presença do outro era quase um ímã, de modo que suas íris acabaram focalizando a imagem do seu vizinho. Embora ele estivesse sem sorrisos no rosto e encarnando um perfeito modelo profissional, Kaoru conhecia o ruivo suficientemente bem para ler os olhos do outro e descobrir um sorriso ali.
          Enquanto começava a desabotoar a sua camisa até o final, depois de ter jogado sua gravata afrouxada para trás, o homem de cabelos roxos se perguntava desde quando ele conhecia Die tão bem assim a ponto de decifrar seus menores gestos e expressões.
          Ele tremeu ligeiramente por causa desse pensamento, mas o fanático por pink achou que fosse da diferença de temperatura. Melhor assim.
          - Hmmm... - o fotógrafo circundou Kaoru, eventualmente arrancando sua camisa e deixando apenas a gravata, o que fez Die lamber os lábios como se estivesse prestes a iniciar uma caçada - Eu acho que serve. Qual seu tamanho de sunga?
          O publicitário sequer lembrava sua última ida à praia.
          - Não sei.
          - Meu Deus! Que tipo de homem é você? - Die sussurrou "delicioso" para o seu vizinho enquanto o fotógrafo fazia a pergunta detrás de Kaoru, apertando o traseiro do publicitário para ver se ele tinha corpo suficiente para preencher os maiôs. O homem de cabelos roxos arregalou os olhos e quase gritou com o ataque sofrido, querendo sumir dali.
          Recusando-se a responder qualquer outra pergunta de caráter ofensivo, Kaoru concordou em chegar mais cedo para participar do ensaio e apanhou sua camisa do chão, vestindo-se de novo e arrumando suas coisas; ele faria qualquer coisa para terminar aquele trabalho logo. Retirando a fita da filmadora e quase arremessando a mesma dentro da sua pasta, ele saiu do estúdio rapidamente, sentindo o choque térmico entre os ambientes.
          Em menos de dois minutos ele estava dentro do elevador, apertando o botão do térreo e esperando apenas a porta fechar. Ele já não sabia mais se tinha sorte ou azar quando as coisas envolviam Die, mesmo que como figurante. A linha que separava as duas definições já não existia mais, e isso deixava o publicitário cada vez mais perto de um colapso mental.
          Com horror nos olhos, Kaoru viu a porta do elevador impedida de se fechar automaticamente por uma mão, que acabou se revelando como a direita do ruivo. Assim que ele entrou no cubículo, o mesmo começou a se movimentar para baixo, não sem antes dar tempo suficiente para que ele se posicionasse atrás do homem de cabelos roxos.
          - Eu odeio esse fotógrafo... - Die comentou perto da orelha de Kaoru, mandando arrepios espinha a baixo no outro homem por causa do seu tom de voz.
          - Eu... T-também. - o outro respondeu.
          - Faz bem em odiar... A única pessoa que pode fazer isto... - e Die usou as duas mãos para fazer exatamente o "teste" aplicado por Amano momentos antes, porém demorando consideravelmente mais e também se aproveitando do fato de que ele estava mais próximo e suas mãos eram maiores, mais fortes e...
          - Olha, Kao! Uma câmera!
          O publicitário gelou, virando-se de forma robótica para o canto diagonalmente oposto de onde eles estavam, encontrando a câmera de vigilância. O ângulo era simplesmente perfeito e provavelmente os dois haviam sido observados por porteiros, seguranças e sabe-se lá quem mais.
          - Quer me dar um beijo? Daí eles vão achar que somos um casal perfeito. Com taras por elevadores, tal...
          Die jamais terminou aquela frase, acertado na altura do seu coração pela pasta preta de Kaoru. Aquilo foi praticamente indolor, mas foi o suficiente para que o publicitário saísse antes do elevador e ficasse em paz por quatro segundos e meio na garagem do prédio.
          ...Até notar que ele não tinha um carro ali.
          Parado e pensando no que fazer, o homem de cabelos roxos viu que estava chovendo do lado de fora, aumentando ainda mais a sensação de frio. Nesse momento ele foi ultrapassado pelo carro de Die, que parou pouco antes da rampa de saída:
          - Quer uma carona, Kao?
          - É KAORU! - o outro gritou de volta, estressado. Murphy certamente tinha escolhido seu preferido na Terra, e infelizmente, ele era Niikura Kaoru.
          - Tudo bem, Kao. Certeza de que não quer? Você tem documentos importantes, está chovendo e depois, você não quer ficar resfriado amanhã, não é? Apesar de achar que você fica adorável quando está vermelho, essa cor não fica bem no seu nariz e...
          O publicitário desejou com ardor que ele pudesse usar a a desculpa de morar longe de Die, mas era impossível. Suspirando com uma boa dose de resignação, ele entrou no carro do outro, escolhendo de propósito o banco de trás.
          - Quieto. Casa. Agora.
          - Como quiser, querido.
          O publicitário abriu a boca para reclamar e reafirmar que seu nome era Kaoru, quando entendeu a palavra que o outro havia usado. Ficando vermelho até a raiz dos cabelos, ele se recusou a falar com seu vizinho pelo resto do percurso.



Continua...


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Notas finais do capítulo

Olá para todos novamente!

Eu mal acredito que TDND alcançou o número fantástico de 122 reviews até o momento! Muito, mas muito obrigada mesmo por todo o apoio, elogios e atenção dispensados à história. E sem querer, a temática meio natalina está combinando com a atual época do ano, o-ho.

Beijos para todos!
Mari-chan.