Peg enfim virou professora de história, ela estava se saindo muito bem com isso. Eu nem precisei ficar perguntando muitas coisas a ela, agora ela mesma falava, se abria.

Passaram quatro semanas desde que os caras foram na incursão. Peg estava na cozinha, cheia de gente, contando suas histórias. Tinha vezes que Jaime falava por ela, era timidez da parte dela.

Hoje Heidi tinha perguntado sobre os Golfinhos, e era Jamie a responder essa. Todos nós víamos os Golfinhos como espelhos, pois esse era o primeiro ano de ocupação. Todos se lembravam do primeiro ano de ocupação nossa.

- Eles parecem mais com enormes dragões do que com peixe, né Peg? – Jamie sempre fazia essas perguntas retóricas. - Eles são meio que de couro, mas com três, quatro ou cinco pares de asas, dependendo da idade deles certo? Então eles meio que voam pela água, a água lá é mais leve, menos densa do que aqui. Eles têm cinco, sete ou nove pernas, dependendo do sexo, certo Peg? Eles tem três sexos diferentes. Eles tem mãos realmente longas com dedos duros e fortes que podem construir todo tipo de coisa. Eles fazem cidades embaixo da água com as plantas duras que crescem lá, parecido com árvores, mas não exatamente árvores. Eles não são tão evoluídos quanto nós, né Peg? Eles nunca fizeram uma espaçonave ou, tipo telefones para comunicação. Humanos são bem mais avançados.

Escutei alguma coisa acontecendo, não dei muita atenção. A conversa sobre os Golfinhos estava bem mais interessante.

- Hey! – Jamie gritou e saiu correndo para fora. Peg queria ir junto, mas eu pedi para que ela ficasse.

- Espera. – Eu disse. - Ele vai voltar. Diga-nos mais sobre os Golfinhos.

Eu estava perto o bastante para alcançar e segurar seu pulso. Ela pareceu não gostar do toque inesperado e o removeu, não se afastando.

- O que está acontecendo lá fora? – Ela perguntou.

Eu escutei muitas pessoas conversando, entre elas estava Jamie, todo animado com alguma coisa. Dei de ombros.

- Quem sabe?Talvez Jeb... – Dei de ombros novamente.

Eu estava tenso, talvez eu soubesse que estava acontecendo. Não seria nenhum pouco bom que Peg estivesse aqui, se era mesmo isso que eu estava pensando. Tentei ignorar para que ela não ficasse tensa e não parasse de contar histórias.

Ela deu de ombros também e continuou explicando o relacionamento familiar dos golfinhos.

- Seis dos... avôs, por assim dizer, ficam com as larvas durante os primeiros estágios de desenvolvimento enquanto os três pais trabalham com seus seis avôs na construção de uma nova ala na casa para os jovens habitarem quando foram jovens...

Escutamos um barulho sobre saltado vindo de fora, ela continuou.

- Os avôs restantes...

Todos olharam para a mesma direção, inclusive ela. E lá estava o meu medo, Jared tinha voltado. Ele estava sujo dos pés a cabeça, parecia não estar gostando nenhum pouco disso tudo. Jamie estava mais do que feliz, e Jeb parecia bem preocupado com tudo.

- Lá vamos nós. – Murmurei baixo, só Peg foi capaz de ouvir.

Jared percebeu que Peg estava conosco, deu um passo a frente. Uma de suas mãos se ergueram e se fecharam. Ele estava bem mais do que bravo.

- O que significa isso Jeb? – Jared perguntou.

- Peg está nos ensinado tudo sobre o universo. – Jamie explicou, sem notar que Jared estava bravo demais para uma explicação.

- Peg? – Jared rosnou.

Andy estava olhando para nós com raiva, soltando rosnados. Paige o viu e levantou, desesperada para encontrar seu parceiro.

- Andy! - ela gritou e tropeçou nas pessoas sentadas a sua volta. -Oh, Andy! - chorou.

Todos se levantaram para correr e dar as boas vindas. Todos estavam felizes pelo retorno dos viajantes, Peg não estava, ela estava com medo. Jared tinha voltado e sua vida poderia estar em risco.

- Vai ficar tudo bem Peg. – Cochichei no seu ouvido para que ela se acalmasse.

- Que diabo é isso gente? – Kyle gritou.

Kyle ia empurrando todas as pessoas na sua frente, para abrir caminho, ele estava vindo na direção de Peg.

- Vocês estão deixando a coisa contar suas mentiras? Ficaram todos loucos? Ou a coisa trouxe os Buscadores até aqui? São todos parasitas agora?

Muitas pessoas abaixaram a cabeça envergonhados, eu não entendia por que, quem era Kyle pra falar assim? Idiota, tinha que ser meu irmão.

- Pega leve, Kyle. - Walter disse em sua fraca voz.

Kyle o ignorou. Ele continuou andando na direção de Peg, seus olhos estavam brilhando de raiva. Ele iria machucar Peg e eu não podia deixar, entrei na frente dela para protegê-la.

- As coisas mudaram enquanto você estava fora, irmão. – Eu disse tentando parecer calmo.

- Os Buscadores vieram Ian? É isso? – Seu olhar estava cheio de descrença.

- Ela não é um perigo para nós. – Defendi.

Kyle apertava os dentes, estava morrendo de raiva. Ele pegou uma lanterna do bolso. Peg ficou com medo e tentou me ajudar.

- Não fique no caminho dele Ian.

Não respondi o apelo dela, sabia que ela queria me proteger. Mas não havia problema, ela deveria estar pensando que ele ia me matar. Kyle apontou a lanterna para o meu rosto, mantendo-a por um momento, eu nem me movi.

- Então é o que? - Kyle exigiu, colocando a lanterna de volta do bolso. - Você não é um parasita. Como a coisa te pegou?

- Acalme-se e nós te diremos. – Eu falei.

- Não.

Só que não era Kyle que negava, era Jared. Jared vinha ao nosso encontro, junto com Jamie tentando impedi-lo. Ele não estava com uma expressão muito boa, estava irado. Agora eu tinha certeza que era o fim de Peg.

- Eu não acho que ninguém precisa se acalmar. - Jared disse entre os dentes. – Jeb - Ele continuou. - Me dá a arma.

O silêncio estava enorme, mas eu ia protegê-la. Ela deu um passo para o lado para não me atingir.

- Acontece que eu não a tenho comigo. - Jeb disse.

- Ok. – Jared murmurou raivoso. - Vai ser mais lento desse modo. Seria mais piedoso se você encontrasse essa arma rápido.

- Por favor, Jared, vamos conversar. – Eu disse, pisando firme no chão já sabendo a resposta.

- Eu acho que já teve muito conversa. Jeb deixou isso comigo e eu tomei minha decisão. – Jared respondeu cheio de raiva.

Jeb limpou a garganta alto, meio que para negar.

- O que? – Jared exigiu. - Você fez a regra Jeb.

- É, bem, isso é verdade. – Jeb respondeu.

Jared se virou para mim e para Peg.

- Ian sai da frente.

- Ora, ora, segura aí um momento. - Jeb continuou. - Se você se lembra, a regra era que a quem quer que o corpo pertencesse teria o direito de tomar a decisão.

- E? – Jared perguntou.

- Parece para mim que alguém mais aqui tem o direito tão forte quanto o seu. Talvez ainda maior.

Jared olhava para os lados procurando quem fosse, ele viu Jamie, o único aqui que poderia decretar alguma morte em relação à Peg. Ele estava com o rosto horrorizado.

- Você não pode Jared. - Ele engasgou. - Você não deve. A Peg é boa. Ela é minha amiga. E Mel! E quanto a Mel? Você não pode matar ela. Por favor! Você tem que... – Ele parou, agoniado.

- Então. – Jeb disse. - você pode ver que Jamie não está de acordo. Ele tem tanto direito quanto você.

Não houve resposta, Jared tinha cedido, não ia fazer mal a Peg, ainda bem. Eu não queria brigar com Jared, mas não podia deixar que ele fizesse nada com ela.

- Como você deixou isso acontecer Jeb? – Jared falou frustrado.

- Há sim necessidade de nós conversarmos. Por que você não toma um banho primeiro. Talvez você se sinta mais disposto após um banho. – Jeb disse.

Jared olhava para Jeb, uma expressão de traição, como se aquilo tivesse sido a pior coisa do mundo. A tensão continuou até Jared sacudir o braço para Jamie largar.

- Kyle. – Jared o chamou.

Kyle me deu um olhar maligno e o seguiu pelo corredor. Os outros membros da incursão o seguiram, Paige segurando Andy. Os outros humanos, que abaixaram a cabeça, foram juntos.

Ficou eu, Jamie, Jeb, Trudy, Geoffrey, Heath, Lily, Wes e Walter. Ninguém falou até pararmos de escutar os passos, depois disso, eu quebrei o silêncio, tentando acalmar.

- Wow! – Suspirei. - Essa foi por pouco. Pensou rápido hein Jeb.

- Inspiração no desespero. Mas nós não estamos fora do mato ainda. - Jeb disse.

- E eu não sei disso? Você não deixou a arma em nenhum lugar óbvio né? – Perguntei.

- Não. Imaginei que algo assim estava para acontecer.

- Pelo menos isso.

Jamie estava sozinho, tremendo. Peg foi até ele e ambos se abraçaram. Eu estava um pouco mais aliviado, quando eles se acalmassem, pensariam bem mais, veriam que Peg é boa.

- Tá tudo bem. Tudo certo. – Ela tentava mentir para acalmá-lo.

- Ele não vai te machucar. Eu não vou deixar. – Jamie prometia.

Ela fez shh para que ele ficasse quieto. Peg estava em choque, dava para ver a sua expressão de horror. Jamie estava muito triste, fiquei com pena dele e também fui confortá-lo.

- Não agonize por isso garoto. Você não está nisso sozinho.

- Eles só estão chocados, só isso. – Trudy dizia. - Uma vez que tenhamos a chance de explicar, eles verão a razão.

- Ver a razão? O Kyle? – Perguntei incrédulo.

- Nós sabíamos que isso ia acontecer. - Jeb murmurou. - A coisa vai assentar. Tempestades passam.

- É melhor você ir achar essa arma. - Lily sugeriu calmamente. - Essa noite pode ser bem longa. Peg pode ficar comigo e com Heidi.

- Eu acho melhor a mantermos em algum outro lugar. – Discordei. - Talvez nos túneis sul? Eu fico de olho nela. Jeb me dá uma força?

- Eles não a procurariam comigo. – Walter fez uma oferta.

- Eu fico com você Ian. Há seis deles. – Wes ofereceu como um bom amigo.

- Não. – Peg disse depois de um momento em silêncio. - Não. Isso não está certo, vocês não deviam lutar entre si. Vocês todos pertencem aqui, juntos. Não lutando, e não por minha causa.

Ela afastou Jamie de seu abraço.

- Eu só preciso de um minuto sozinha. – Ela disse para ele. - Eu preciso ficar sozinha. – Ela se virou para Jeb. - E vocês assim podem discutir isso sem a minha presença. Não é justo, discutir estratégias na frente do inimigo.

- Epa, não seja assim. - Jeb disse.

- Deixe-me ter um tempo para pensar Jeb. – Peg respondeu.

Eu a segurei antes dela ir, ela não podia ficar sozinha, não com todos eles soltos por ai. Ela estava sendo radical com essa história de inimigo, eu sabia que Peg era boa e nunca pensaria no nosso mal.

- Não é uma boa idéia você ficar vagando por aí sozinha. – Falei juntando as sobrancelhas de reprovação.

Ela se inclinou para falar no meu ouvido.

- Por que prolongar o inevitável? Vai ser mais fácil ou mais difícil para ele?

Eu sabia que ela falava de Jamie, ele estava numa situação péssima, e certamente seria bem pior que ele perdesse Peg. Eu nem respondi, e ela se virou, escapando do  meu toque, e saiu.

- Peg! - Jamie chamou.

- Fique quieto, deixe ela sozinha. – Jeb ordenou e Jamie chorou.