Uma semana se passou, as coisas aqui estavam cada vez mais calmas. Quase não  olhavam feio para Peg, ela também estava se acostumando bem. Os caras ainda não tinham voltado da incursão, estávamos nos alimentando como podíamos.

Tinha dias que eu nem via Peg, outros nós trabalhávamos juntos, era bem legal. Ela parecia se esforçar mais do que os outros, acho que ela se sentia culpada por estar ali.

Maggie e Sharon ainda não a aceitavam, elas ainda achavam que ela é uma Buscadora e que trará todos os outros para buscá-la. Idiota, Peg não faria mal a ninguém, ela tinha medo da gente, não ao contrário.

Nas refeições tinha vezes que fazíamos juntos, mas ela sempre se sentava com Jeb e Jamie. Normalmente eu me sentava com Wes, era um dos únicos amigos meus que não foi na incursão.

Hoje era dia de comermos juntos.  Jeb, Jamie e Peg estavam um pouco longe de mim. Eu estava perto de Wes, sendo ignorado por causa de Lily, ele não parava de olhá-la. Doc estava perto de Peg, com a intenção de conversar com ela.

Sharon não estava gostando nenhum pouco disso, e fechou a cara ainda mais quando ele resolveu falar.

- Como vão as coisas? - Doc perguntou com voz casual.

Eu larguei Wes com seu amor platônico e virei para prestar atenção na conversa.

- Fizemos sopa hoje. - Jamie anunciou. - Meus olhos ainda estão ardendo.

Doc ergueu as mãos vermelhas de fazer sabão.

- Ganhou. – Jamie disse.

Doc fez uma reverência zombando de Jamie e virou para Peg.

- Peg, eu tenho uma pergunta para você... - Ele deixou as palavras sumirem.

Ela ergueu a sobrancelhas, esperando a pergunta.

- Bem, eu estava pensando... De todos os planetas que você está familiarizada quais espécies são fisicamente mais parecidas com os humanos?

- Por quê? – Ela perguntou.

- Só tradicional curiosidade biológica. Eu andei pensando em seus Curandeiros... Onde eles conseguem o conhecimento para curar, e não para tratar os sintomas como você disse?

 Doc estava falando mais alto do que o necessário, várias pessoas olharam. Ela cruzou os braços até responder.

- São duas perguntas diferentes. – Ela murmurou.

Doc fez sinal com as mãos para que ela continuasse.

- Os Ursos no Planeta das Brumas, provavelmente.

- Com as bestas com garras? - Jamie murmurou.

Ela assentiu.

- Como eles são similares? - Doc perguntou.

Ela rolou os olhos antes de responder, essa conversa estava começando a ficar interessante.

- Eles são mais próximos aos mamíferos de várias maneias. Pêlos, sangue quente. O sangue deles não é exatamente como o de vocês, mas faz essencialmente a mesma coisa. Eles possuem emoções similares, a mesma necessidade de interação social, criatividade...

- Criatividade? - Doc se inclinou fascinado. - Como assim?

- Você sabe. Por que não diz a Doc? – Peg disse isso a Jamie.

- Eu posso falar alguma coisa errada. – Jamie respondeu.

- Não vai não. – Ela o encorajou.

- Tipo assim, eles tem essas mãos incríveis. - Jamie estava  entusiasmado. - Meio que com juntas duplas,  elas viram para os dois lados. Um lado é macio, como minhas palmas, mas o outro lado afiado. Eles cortam o gelo, esculpem o gelo. Eles fazem cidades que são castelos de cristal que nunca derretam. É lindo né Peg?

Ele virou para ela esperando confirmação, ela assentiu.

- Eles vêem diferentes cores, o gelo é cheio de arco íris. As cidades deles eram um motivo de orgulho. Eles sempre estavam tentando deixá-las mais bonitas. Eu conheci um urso que se chamava... bem... alguma coisa como Tecelão dos Brilhos, mas soava melhor na língua deles, que o gelo parecia saber o que ele queria e se moldava conforme ele sonhava. Eu o conheci uma vez e vi suas criações. É uma das minhas mais belas recordações. – Peg falou, algo me chamou atenção.

- Eles sonham?- Perguntei baixinho.

- Não tão vividamente quanto os humanos. – Ela sorriu.

Isso era tão incrível!

- Como os seus Curandeiros conseguem o conhecimento sobre a fisiologia de uma nova espécie? Eles vieram a este planeta preparados. Eu vi quando começou, via pacientes terminais saindo dos hospitais em perfeito estado... – Doc dizia com inveja.

Doc era diferente, não era só ódio pelos parasitas, ele tinha muita inveja. Como médico, a cura deles era algo bem surreal. Ela parou um pouco de falar, Doc ficou esperando curioso.

- Eles... eles levam amostras. – Ela murmurou.

- Abdução alienígena! – Eu sorri ao entender.

- Faz sentido. – Doc falou.

A sala inteira estava em silêncio, todos queriam escutá-la, Doc estava fazendo um bom trabalho.

- Onde sua espécie começou? - Doc perguntou. - Você lembra? Quero dizer, como espécie, você sabe como ela evoluiu?

- A Origem. – Ela respondeu. - Ainda vivemos lá. Foi onde eu nasci.

- Isso é meio que especial. - Jamie acrescentou. - É raro encontrar alguém da origem, certo? A maioria das almas tenta ficar por lá, certo Peg?

Ele perguntou, mas era uma pergunta retórica. Ela assentiu e ele continuou.

- Então, quando alguém se muda, faz eles meio que... quase uma celebridade? Ou membro da família real?

Ela não respondeu e ele continuou.

- É um lugar legal. Cheio de nuvens, com um monte de camadas coloridas. É o único planeta onde as almas podem viver fora de um hospedeiro por muito tempo. Os hospedeiros na Origem são bem bonitos também, com asas e tentáculos e grandes olhos prateados.

Doc estava inclinado para frente com seu rosto em suas mãos.

- Eles lembram quando a relação hospede-parasita começou? Como a colonização começou? – Doc estava fascinado.

Essa, Jamie não soube responder, teve que ter o auxílio de Peg.

- Nós sempre fomos assim. Desde que somos inteligentes o suficiente para nos conhecermos, pelo menos. Nós fomos descobertos por outra espécie, os Abutres, é assim que nós os chamamos por aqui, se bem que mais pela personalidade do que pela aparência. Eles... não eram bons. Então nós descobrimos que podíamos nos unir a eles assim como com os nossos hospedeiros originais. Uma vez que nós os controlamos, nós usamos sua tecnologia. Nós dominamos o planeta deles primeiro, e depois o Planeta do Dragões e o Mundo Veraneio, lugares adoráveis onde os Abutres também não haviam sido muito gentis. Nós começamos a colonizar, nossos hóspedes se reproduziam muito mais lentamente do que nós e o período de vida era curto. Começamos a explorar mais fundo no universo...

Todo mundo prestava a atenção,  fascinados, ela parou por um momento de falar. A única que não olhava era Sharon.

- Você fala quase como se estivesse lá. – Eu observei. - Há quanto tempo atrás isso aconteceu?

- Depois dos dinossauros, mas antes dos humanos. Eu não tenho certeza, mas eu lembro algumas coisas que a mãe da mãe da minha mãe se lembrava. – Ela disse e eu fiquei impressionado.

- Quantos anos você tem? – Perguntei inclinando na sua direção, para ouvir melhor.

- Eu não sei em anos terrestres.

- Uma estimativa? – Pressionei.

- Milhares de anos. – Deu de ombros. - Eu perdi a noção dos anos passados em hibernação.

Nossa, isso era muito tempo. A Peg era muito velha e nós nem sabíamos. Afastei-me surpreso.

- Wow, isso é ser velha. - Jamie comentou.

- Mas no real sentido eu sou mais nova do que você. – Murmurou para Jamie. - Nem um ano ainda, eu me sinto como uma criança o tempo todo.

- Como é o processo de envelhecimento da sua espécie? - Doc perguntou. - A média de vida?

- Não temos uma. – Ela disse. - Desde que tenhamos um hospedeiro saudável, nós podemos viver para sempre.

Houve um murmúrio pela caverna, cada pessoa demonstrava uma reação. Tinham alguns com medo, alguns com raiva, era bem estranho isso. Imagina, eles são imortais, para sempre ficaram vivos e ocuparão corpos.

- Que ótimo. – Sharon reclamou furiosa.

- Eu não estou mais com fome. – Peg falou fugindo.

Ela saiu encostando-se à parede, Jamie saiu atrás dela. Peg largou o pão intocado. Eu teria que abordá-la no campo de espinafre se ela não concordasse com isso.

Peg era tão inteligente e especial... Eu gostava muito de ouvi-la, era muito interessante. Gostava muito da companhia dela, queria que fôssemos amigos.