Forever Evil escrita por Blue Dammerung


Capítulo 2
Capítulo 1: Unbreakable Bond


Notas iniciais do capítulo

"E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo..."



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Roxas se aproximou do corpo do soldado e o ergueu sobre os ombros. Era pesado, mas não muito, graças ao corpo já acostumado a carregar pesos. O soldado gemeu um pouco diante do súbito movimento, mas depois não fez mais nada senão respirar, e dificilmente. Parecia ter perdido os sentidos.

 

            Roxas logo começou a caminhar de volta a sua casa, deixando sua espada para trás para que pudesse usar ambas as mãos para segurar o soldado. Logo deixou a floresta e abriu a porta do casebre com um chute, adentrando o cômodo, indo para o quarto e largando o soldado na cama.

 

            Depois voltou correndo até a floresta para pegar o elmo, sua espada velha e para dar uma última olhada no Dragão, mas o bicho não estava mais lá. Ainda haviam árvores caídas onde o Dragão pousara, mas nada restava do seu corpo morto. Talvez, como os magos diziam, ele tivesse voltado para as estrelas.

 

            Correu de volta a sua casa, largou as coisas sobre a mesa e pegou uma pequena caixa branca que guardava num canto do lavabo. Dentro dela havia agulhas, ataduras, gazes, pomadas, óleos e tudo mais de básico para ferimentos. Voltou para o quarto e se aproximou do soldado deitado na cama.

 

            Agilmente, começou a retirar a armadura do soldado, abrindo cada fivela com cuidado. Enquanto fazia isso, notou que no lado direito do corpo do soldado, na altura das costelas, a armadura estava danificada, com um buraco visível nela. Aquilo deveria ter sido durante a queda ou até antes dela, na batalha, mas aquela não era hora de especulações, uma vez que o estado do soldado estava piorando cada vez mais.

 

            Roxas retirou o restante da armadura e a deixou ao lado da cama, observando o corpo inerte ao seu lado. Realmente, no lugar onde a armadura fora danificada, havia um grande corte, profundo mas não tanto, o que explicava o fato do soldado ainda não ter morrido aquela altura.

 

            Retirou a camisa do outro, deixando seu torso nu, e começou seu trabalho com as gazes e medicamentos. Ainda bem que sempre prestara atenção quando sua mãe vinha cuidar de algum corte seu ou de alguém próximo na cidade.

 

            Cerca de duas horas depois, com o corte devidamente limpo, fechado e com o sangue estancado, Roxas passou os olhos pelo restante do corpo do soldado, ainda buscando qualquer ferimento ou pancada que precisasse de cuidados, mas tudo que sobrara foram alguns poucos arranhões.

 

            O loiro se levantou e checou a temperatura do outro. Um pouco de febre talvez. Pegou um pano, mergulhou-o na água e deixou-o repousando sobre a cabeça do soldado. Durante o resto da noite ficou ali, sentado no chão, encostado na parede de madeira observando o peito nu do convidado subindo e descendo conforme respirava, cada vez mais facilmente.

 

            Seu subconsciente estava inquieto. Quem seria aquele soldado? Bem, pelo fato de ele ter um elmo feito de prata pura e de ter o direito de montar num Dragão, devia vir de uma família muito importante e rica... Mas aquela história do “elmo de prata” ainda lhe soava bastante familiar...

 

            Balançou a cabeça e se levantou para ir ao lavabo, jogar um pouco de água no rosto. O sono não estava vindo, graças a todo aquele alvoroço na noite, o que era bastante ruim, pois amanhã teria um dia cheio e o inverno tinha chegado. Cortar lenha, colher o que pudesse ser colhido, alimentar as cabras... O mesmo de sempre.

 

            Voltou para o quarto, mais uma vez fitando o soldado dormindo em sua cama. Como já fazia um tempo que ninguém dormia ali, Roxas não tinha camas reservas ou algo que parecesse um sofá. Só restava aquelas duas duras cadeiras da cozinha, e o loiro sinceramente preferia dormir no chão a tentar dormir nelas.

 

            Sentou-se ao lado da cama, olhando pra noite lá fora. Os raios da lua davam um brilho engraçado aos cabelos do soldado... Roxas fechou os olhos e repousou a cabeça na parede, ouvindo o vento mexer com as árvores lá fora, e apesar de não estar com muito sono, não demorou a adormecer.

 

            Na manhã seguinte estava tudo muito claro lá fora. A neve refletia a luz do sol, dando uma visão quase cega de tão clara do lugar. Roxas abriu os olhos, piscando várias vezes. Estava com uma tremenda dor no pescoço.

 

            Bocejou, se pôs de pé e foi até o lavabo, jogando água no rosto como de costume só para depois voltar ao quarto e encontrar o mesmo corpo inerte da noite anterior, só que dessa vez, de olhos abertos.

 

            O loiro exclamou alguma coisa e caiu no chão graças ao susto. Nem se lembrava do que tinha acontecido na noite anterior, e pouco a pouco, as memórias foram voltando a sua cabeça.

 

            -Quem é você?-O soldado perguntou, sem se mexer. Tinha penetrantes olhos verdes que não tiravam sua atenção do loiro, que se pôs de pé novamente, ainda piscando várias vezes.

 

            -Eu... Ham... Sou Roxas. -Respondeu.

 

            -Onde estou?

 

            -Na minha casa.

 

            -Em que lugar? Em que cidade? Em que país?

 

            -Próximo a Twilight Town, no reino de Twilight.

 

            O soldado tirou os olhos de Roxas e olhou para o teto. Parecia estar pensando em alguma coisa. Uma de suas mãos foram até o ferimento coberto pelas gazes e ataduras. Os orbes verdes voltaram a pousar em Roxas.

 

            -Foi você que me salvou?

 

            -Ham... Fui.

 

            -E por quê?

 

            -Porque você estava quase morto. -O loiro falou, repreendendo-se quando a resposta mais pareceu com uma pergunta.

 

            -Por que não me deixou morrer?

 

            -Porque não era a coisa certa a fazer.

 

            O soldado sorriu um pouco, embora isto tenha lhe provocado dor, pois uma careta ameaçou surgir em seu resto.

 

            -Você sabe quem eu sou, garoto?

 

            -Não, e não estou com vontade de saber. Olha, eu tenho muito o que fazer hoje, então fique a vontade, use o banheiro e se quiser, pode pegar comida na dispensa, mas não se movimente muito senão o ferimento vai abrir novamente. Entendeu?

 

            O soldado voltou a olhar para o teto, ignorando o loiro, que saiu do quarto e começou sua rotina diária. Okay, aquela conversa tinha sido muito estranha. O cara não parecia assustado nem desesperado como alguém perdido ficaria. Na verdade, ele estava bem calmo.

 

            Roxas balançou a cabeça e tentou se concentrar em seus afazeres, mas algo lhe tirava a atenção todo o tempo. Ali fora, cuidando do pomar e dos animais, se perguntava se o soldado estaria bem. Então balançava a cabeça novamente e se perguntava porque estaria se perguntando se o soldado estava bem. “Que idiotice, ele já é mais velho que eu, deve saber se virar sozinho mesmo estando machucado... Mas, e se ele não conseguir andar direito? Como ele vai poder pegar comida na cozinha ou ir ao banheiro ou sair do quarto?”, pensava de cinco em cinco segundos.

 

            O resultado foi que o fim do dia chegou e ele acabou sem fazer metade do que tinha planejado fazer. Entrou em casa, pegou algumas frutas na dispensa e um pedaço de carne salgada, assando-a numa espécie de forno a lenha que tinha na cozinha. Enquanto a carne não ficava pronta, foi até o quarto para checar o soldado.

 

            O rapaz de cabelos prateados estava sentado na cama, tirando parte das gazes e ataduras que cobriam o ferimento. Em seu rosto estava refletida a dor enquanto fazia aquilo, mas parou quando notou o loiro entrando no quarto. Roxas se aproximou, exclamando:

 

            -O que diabos está fazendo?! Vai abrir tudo de novo!-O loiro empurrou o outro para que se deitasse na cama novamente, pegou a caixa com os medicamentos e começou a tirar as gazes e ataduras para substituir por novas.

 

 

            -Seu idiota... Agora vou ter que fazer tudo de novo... -Roxas resmungou diante do silêncio do soldado, que olhava as mãos hábeis do menor fazerem seu trabalho.

 

            Como alguém podia dar tanta atenção a uma pessoa que nem conhecia? Que não sabia de onde vinha e nem a qual família pertencia? Não que estivesse sendo ingrato, mas... Aquilo era estranho, e não estava acostumado a tanta “bondade”.

 

            -Pronto, ainda bem que você não mexeu nos pontos, senão eu juro que eu mesmo abriria outros em você. Por que fez isso, heim? Está tentando fazer alguma besteira?-Roxas perguntou, guardando a caixa novamente no lavabo.

 

            -Você não tinha colocado direito e estava me incomodando. Eu apenas ia afrouxar um pouco. -O soldado respondeu, olhando o outro com aqueles olhos verdes mais penetrantes do que nunca.

 

            -Hmpf. Você comeu alguma coisa hoje?

 

            -Não, eu não me atrevi a levantar da cama, de qualquer forma.

 

            -Ainda dói muito? Você consegue ir até a cozinha? Eu não tenho pratos pra trazer a comida pra cá, além de que...

 

            -Não consigo ir só.

 

            O soldado fitou os orbes azuis de Roxas sugestivamente e o loiro entendeu. Se aproximou mais do outro e passou um de seus braços por sobre seu ombro, ajudando-o ir até a cozinha, onde sentou-o numa das cadeiras enquanto tirava a carne do forno antes que ela queimasse.

 

            -Onde estão seus pais?-O soldado perguntou, olhando em volta. Aquela casa era tão pequena comparada aquelas que estava acostumado...

 

            -Minha mãe morreu e meu pai está por aí. -O loiro deu de ombros, pegando um pedaço da carne e comendo com a mão mesmo. Entregou um pedaço ao soldado, que olhou sem entender. -Pode usar as mãos mesmo, nenhum rico mora aqui.

 

            -Bom saber disso. -O soldado mordeu a carne e passou o resto da refeição em silêncio. Tirando o corte feio nas costelas, não parecia estar machucado em algum outro lugar, mas seu olhar era... Distante. Meio triste, meio distante, como se pensasse todo tempo em algum outro lugar.

 

            Quando ambos terminaram de comer a carne e as frutas, Roxas levou o soldado de volta ao quarto e o deitou na cama. Se trocou dentro do banheiro e voltou a vestir a calça que usava para dormir, deixando, assim como seu convidado, o torso nu. Sentou-se no chão e encostou as costas e a cabeça na parede de madeira da casa.

 

            -Qual seu nome?-O loiro perguntou, olhando a neve cair no lado de fora pela janela.

 

 

            -Riku. -O soldado respondeu, também olhando para a janela.

 

            -Me parece familiar, seu nome.

 

            -Não me espanta. De onde eu venho todos me conhecem.

 

            -Sério? Não acredito muito nisso.

 

            -No seu reino vocês não sabem quem é o príncipe de vocês? Bem, no meu sabem.

 

            -Você claramente não é daqui.

 

            -Não, eu venho do outro lado. De Kingdom, na capital, para ser mais exato.

 

            -Hum...

 

            Alguém que vinha da capital do reino vizinho e inimigo, tinha um elmo de prata e tinha permissão para montar num Dragão... Bem, fosse quem fosse, esse cara era mesmo importante.

 

            O que significava que Roxas estaria em péssimos lençóis se alguém descobrisse que ele estava abrigando um soldado do reino inimigo. Mas ele não podia simplesmente entregá-lo para as autoridades, podia? Não, ele não faria aquilo... Além de que a probabilidade de eles encontrarem Riku ali eram mínimas, uma vez que quase ninguém vinha a sua fazenda.

 

            -Roxas. -Riku chamou, ainda olhando pela janela.

 

            -O que?

 

            -Obrigado por ter me salvado.

 

            -Que bom que você não é um daqueles nobres cheios de si e nem um ingrato desgraçado. Saiba que metade do meu suprimento de carne foi embora hoje.

 

            Riku riu e fechou os olhos, sentindo dor no ferimento novamente. Roxas fechou os olhos e tratou de tentar dormir, mas aquela posição era deveras desconfortável, e se não estivesse tão frio lá fora, dormiria com as cabras.

 

            -Você pode cantar para mim, Roxas?-Riku perguntou de repente, reabrindo os olhos.

 

            -Vá dormir... -O loiro resmungou, deitando-se no chão e virando-se para o outro lado, ainda procurando uma posição confortável.

 

            -Não consigo dormir. Eu ouvi você esta manhã cantando. Ganharia dinheiro se fosse para a capital do meu reino.

 

 

            -Tenho mais o que fazer.

 

            -Cante para mim.

 

            -Feche os olhos e conte carneirinhos que funciona do mesmo jeito.

 

            Riku se ergueu e se sentou na cama, fitando o menor deitado desconfortavelmente no chão de madeira. Roxas, notando a sombra do outro se elevando no chão, sentou-se e virou-se.

 

            -Cante para mim, Roxas. -O maior pediu mais uma vez, deixando a cabeça cair levemente sobre um dos ombros.

 

            Se Roxas fosse uma pessoa completamente normal, teria obedecido. Aquele não era um pedido normal, e sim uma ordem, daquelas que são quase inevitáveis obedecer. E, realmente, algo dentro do loiro ansiava por obedecer, e mesmo que fosse estranho cantar para outro cara mais velho dormir, faria. Se fosse uma pessoa completamente normal, mas infelizmente, não era.

 

            -Não. -Respondeu, olhando firmemente nos orbes verdes do outro.

 

            -Não vai cantar?

 

            -Não. Você consegue dormir sozinho, eu tenho certeza. Não é você que tem que dormir no chão.

 

            O soldado sorriu e voltou a se deitar, olhando para o teto novamente.

 

            -Sabia que você é a primeira pessoa que nega um pedido meu e vive para contar a história?

 

            -Sério? O que aconteceu com os outros corajosos?

 

            -Morreram todos. Meu pai mandou executá-los. Ele dizia que uma futura autoridade como a minha jamais deveria ser contestada, não importava quem se opusesse.

 

            -Futura autoridade?

 

            -Rei, Roxas, rei. Sou o príncipe de Kingdom That Never Was, se ainda não notou. Meu nome é Riku Dellay XIII, herdeiro do trono, fugitivo da corte e dono do Elmo de Prata.

 

            O loiro se levantou, olhando sem entender para o soldado ao seu lado. Ele falava aquilo com tanta... Naturalidade. Ele não levava em conta de que estava em território inimigo? Okay, Roxas realmente não tinha se dado conta de que aquele rapaz de cabelos prateados era mesmo o príncipe, mas... Algo não se encaixava ali.

 

            -Você? O príncipe? Ah! Eu sabia que tinha achado aquela história do elmo familiar...

 

            -Você acredita em mim? Assim tão facilmente?

 

            -Você não tem motivos para mentir, uma vez que está em território inimigo e que eu podia simplesmente entregá-lo para as autoridades da cidade. Seria seu fim. Você seria executado e a guerra acabaria... Mas você também não tem motivos para dizer a verdade. Então, por quê?

 

            -Bem, preciso de alguém para confiar. Se você não notou, não posso sequer andar direito, imagine me manter a salvo da sua gente.

 

            -O que você quer?

 

            -Apenas mantenha tudo em segredo que eu lhe dou o quanto de dinheiro você quiser. Dou-lhe um castelo, cavalos, empregados e até uma de minhas províncias.

 

            -Não quero nada disso. Tenho minha fazenda e sou feliz aqui. Além do mais, o que faz você pensar que eu delataria você?

 

            -O fato de que é contra seu país que o meu luta?

 

            -É um bom motivo, mas não. Não sou capaz de tal covardia. Agora, pelo amor de Deus, vá dormir. Preciso mesmo acordar cedo amanhã.

 

            -Como consegue dormir sob o mesmo teto com alguém que é praticamente culpado por milhares de mortes de seu povo?

 

            -Não consigo porque essa pessoa simplesmente não cala a boca.

 

            -Você é inacreditável.

 

            -Você não dorme não, é? Caramba, se você não calar essa boca, juro que te tiro dessa cama e você vem dormir no chão.

 

            Riku riu e se virou na cama, ficando de costas para Roxas. Como podia existir alguém como aquele loiro? Por que ele não se importava? Por que não dava a mínima para o fato de Riku ser um príncipe do reino inimigo ou pelo fato de seu reino ter matado milhares de pessoas do de Roxas? Quem era aquele loiro e por que ele tratava o príncipe tão bem?

 

            Cercado de nobres interesseiros e familiares loucos para roubar seu trono desde que seu pai morrera, Riku jamais tinha conhecido uma pessoa tão humilde e tão... Bondosa, a ponto de acolhê-lo na sua casa sem nem saber seus precedentes. Era quase impossível.

 

            Pensamentos como esses giravam na cabeça do mais velho enquanto o outro já parecia dormir. Até que dava dó de ouvi-lo se virando no chão duro de madeira vez por outra. Jamais pensou que alguém do terrível reino inimigo pudesse lhe oferecer sua própria cama para dormir.

 

            Minutos depois, o futuro rei já tinha adormecido, inalando um cheiro inebriante que tinha no travesseiro forrado com lã de cabra, o que o deixava bastante fofo e confortável...

 

            Na manhã seguinte, Roxas acordou com dor nas costas e no pescoço. Ótimo, nada melhor que dor para se começar um dia. Levantou-se e recomeçou sua rotina, mas no meio da manhã parou, afinal, não havia mais o que se fazer. Com o inverno, as plantas não produziam frutos e seu pomar não crescia, o que significava falta de 80% de seu trabalho diário.

 

            O loiro voltou ao quarto e encontrou o outro mais uma vez sentado na cama, olhando pelo vidro da janela a neve caindo lá fora.

 

            Se Riku era mesmo um príncipe, onde estaria aquele ar pomposo e autoritário que todo nobre dessa classe tinha? Tudo bem que ele tinha aquele dom de mandar e uma clara aura de “superioridade”, mas seu olhar, seus atos, simplesmente não combinavam com a imagem que o loiro tinha na cabeça.

 

            Riku era tão... Educado, meio calado, distante. Era como se estivesse em outro lugar, em outro tempo e com outras pessoas. Parecia que ele estava pensando em algo o tempo inteiro quando estava só.

 

            Roxas se aproximou, atraindo a atenção do outro.

 

            -Quer ir sentar lá fora? Imagino que queira sentir um ar que não seja o do quarto.

 

            O príncipe assentiu e Roxas foi procurar algumas roupas frias que coubessem no maior. Uma vez que tinha encontrado um casaco e uma calça grossa que pareciam servir perfeitamente em Riku, ajudou-o a se vestir e depois a andar até a varanda do casebre, onde ambos se sentaram nas cadeiras que antes estavam na cozinha.

 

            O loiro voltou a entrar, trazendo consigo duas canecas com um líquido fumegante dentro. Exalava um cheiro agradável. Roxas entregou uma das canecas a Riku e depois se sentou, olhando a neve cair preguiçosamente um pouco mais a frente.

 

            -O que é isso?-Riku perguntou depois de provar.

 

            -Leite de cabra com algumas sementes de uma planta que tenho no pomar. Não é alucinógeno nem nada do tipo, então pode tomar sem se preocupar.

 

            -Não foi por isso que eu perguntei, apenas achei o gosto bom.

 

            -Ham... Bom que gostou, então.

 

            -Há quanto tempo vive só aqui, Roxas?

 

            -Há algum tempo... Desde que minha mãe morreu, pra ser mais exato. Sinto falta dela, mas até que tenho me virado muito bem para alguém da minha idade.

 

            -Meus pêsames.

 

            -Não ligue, está tudo bem. A gente esquece com o tempo...

 

            -Como você sabe, meu pai morreu e agora quem comanda meu reino são os regentes. Tenho que agüentá-los até completar vinte anos, mas não sei se vou aguentar...

 

            -E sua mãe?

 

            -Minha mãe?-Riku repetiu a pergunta, olhando para o outro ao seu lado. Era estranho como aquele nome lhe soava, uma vez que jamais alguém tinha tocado no nome dela.

 

            -É, você não nasceu de uma hora para outra.

 

            -Eu sei, é que... Ninguém perguntou por ela antes. Todos só querem saber do meu pai. Minha mãe está... Como eu diria... Presa? Como rainha, ela não pode sair de casa, mas também não pode receber visitas minhas enquanto não sou rei. Faz bastante tempo que não a vejo, e na verdade, nem lembro do seu rosto.

 

            -Então ela é a rainha, mas não manda em nada?

 

            -Sim.

 

            -E você é o príncipe regente, mas também não manda em nada?

 

            -Sim.

 

            -Reino esquisito o seu.

 

            Riku riu e tomou mais alguns goles da bebida, sentindo o líquidos quente descer a garganta.

 

            -Quantos anos você tem, Roxas?

 

            -Por que quer saber?

 

            -Curiosidade.

 

            -Dezesseis.

 

            -Você é mesmo bem jovem.

 

            -Como se você fosse muito velho.

 

            -Tenho dezenove, se quer saber. Assumirei o trono em apenas alguns meses.

 

            -Boa sorte, então. Qual será seu primeiro mandato?

 

            -Prender todos aqueles malditos regentes e mandar executá-los em praça pública. Será um espetáculo.

 

            -Parece meio... Macabro.

 

            Riku riu novamente, diante da face do rapaz ao seu lado.

 

            -Imaginei que dissesse isso, mas como rei, preciso impor ordem nas coisas, senão nada dará certo.

 

            -Hmpf.

 

            Os minutos e logo as horas foram se passando, até que ficou frio demais e ambos decidiram entrar em casa. O sol já tinha se posto e os dois estavam na cozinha enquanto Roxas cozinhava alguma coisa.

 

            Riku tinha se calado novamente, submergindo em seu mundo de pensamentos indecifráveis. O loiro simplesmente tentava adivinhar em sua cabeça no que o soldado estaria pensando.

 

            Roxas, uma vez que a comida já estava pronta, sentou-se a mesa e serviu o jantar. Comeram em silêncio, e quando terminaram, o loiro ajudou o príncipe a voltar ao quarto. Foi ao lavabo, despiu-se, vestiu seu pijama e sentou-se no chão. Mais uma noite desconfortável lhe aguardava...

 

            -Por que você fugiu, Riku?-Perguntou de repente, relembrando as palavras daquele mercador que encontrara dias antes.

 

            -Fugi? De casa? Ah, aquilo tudo foi uma grande burrice. Eu me estressei por causa de uma briga entre mim e os regentes, então peguei o cavalo e fugi de casa no meio da noite. Me escondi no exército, roubei uma armadura, um elmo e um Dragão. O detalhe era que eu só sabia montar em Dragões em teoria, uma vez que estudei isso com meus mestres, então não fui exatamente bem. Voei até o campo de batalha e acabaram ferindo aquele Dragão e a mim também. O resto você sabe.

 

            -Você vai voltar pro seu reino?

 

            -Tenho que voltar, senão eles vão ficar sem um rei. Não posso abandonar o trono assim, por mais que, às vezes, eu queira.

 

            -Você não queria ser rei?

 

            -Não, eu quero sim, e muito, mas... Às vezes parece complicado demais. E a besteira que eu fiz só vai complicar mais as coisas. O príncipe herdeiro fugiu de casa, abandonou a coroa puramente por birra. É isso que as pessoas, meus súditos, vão pensar.

 

            -Você vai voltar ou não?

 

            -Vou.

 

            -Então volte, mas de cabeça erguida, como um rei de verdade.

 

            -Mas você vai me deixar ir assim? Sem mais nem menos?

 

            -Sou apenas um camponês comum, e você é apenas um rapaz comum que não resiste a uma longa conversa antes de dormir.

 

            Riku riu, fitando Roxas.

 

            -Você pode dormir aqui se quiser, afinal, a cama é sua.

 

            -Você precisa mais dela do que eu.

 

            -Não, eu não ia sair dela. Você pode se deitar aqui, presumo que tenha bastante espaço.

 

            Roxas olhou sem acreditar para o príncipe, deixando a cabeça cair levemente para o lado.

 

            -Olha, isso simplesmente soou...

 

            -Estranho demais? Esqueça o que eu disse, durma no chão mesmo.

 

            -Não, não. Não quero acordar morrendo de dor amanhã também. Afasta pra lá.

 

            -Não, você vai dormir no chão.

 

            -Uma ova, a idéia foi sua, e como você mesmo disse, a cama é minha.

 

            Roxas se levantou e se deitou ao lado do outro, que ficou entre o loiro e a parede, colada a cama. Riku fitou o outro rapaz de forma estranha, como se esperasse que o menor fizesse algo.

 

            -Por que está me olhando assim?

 

            -Você está perto demais pro meu gosto.

 

            -Sim, a culpa não é minha se esta cama é de solteiro. Se quiser espaço, o chão de madeira está a suas ordens.

 

            Riku suspirou e se virou na cama, ficando de costas para o loiro. Aquela não tinha sido uma boa idéia, mas o que estava feito estava feito. O príncipe, assim como o outro, não demorou a dormir.

 

            Era simplesmente engraçado como Roxas recebera Riku tão bem, apesar de ele ser um príncipe e tudo o mais. Mas, para Roxas, ele sempre seria aquele soldado indefeso e quase morto que salvara. Sim, aquilo soava meio meloso, mas acreditar que Riku era um rei era bem difícil, e mesmo que o outro realmente o fosse, provavelmente não o trataria como um rei mesmo.

 

            Enquanto Riku, era curioso como se sentia tão bem aceito ali. Não precisava ajeitar a postura e nem manter a pose o tempo todo. Podia até comer comida com as mãos! Nunca imaginou que seria tão bem cuidado pela pessoa menos provável do mundo: Um inimigo. Se bem que, a essas alturas, Roxas não era mais um inimigo.

 

            Era simples assim, o loiro não via Riku como uma ameaça nem nada do tipo. Ele era apenas alguém que precisava do loiro, coisa inédita para o mesmo. Até àquela hora, sempre fora cuidado por sua mãe, e o restante da sua vida, viveu basicamente só. Ter alguém que realmente precisava de sua ajuda e atenção era algo tão novo quanto neve no verão.

 

            E para Riku, ser tratado com tanta naturalidade e com tanta sinceridade era igualmente inédito. Alguém que não o tratava bem só por ele ter dinheiro e por ser o futuro rei. Alguém que não levava em conta seus status... Seria esse o tal “amigo” que tantos falavam? Aqueles amigos “de verdade” que sempre aparecem nos livros de histórias?

 

            O príncipe sabia que Roxas, apesar de ser um “inimigo” não faria mal a ele, até porque, se o loiro planejasse isso, já o teria feito há muito tempo. O quanto sua sorte fora grande por ter sido encontrado justamente pelo loiro... Se fosse qualquer outra pessoa, provavelmente estaria morto agora.

 

            Mas poderiam duas pessoas de classes sociais e nacionalidades totalmente distintas serem amigas? Serem capazes de se dar tão harmoniosamente bem?

 

            No dia e na semana seguinte de inverno, ambos os rapazes não fizeram nada o dia inteiro a não ser ver a neve cair lá fora enquanto tomavam aquela bebida que Roxas preparava. Conversavam assuntos inúteis, como dois bons amigos de infância.

 

            Aqueles dias de pura simplicidade davam a Riku o que pensar. Roxas já se sentia mais a vontade com o outro, e o príncipe até parecia mais alegre, porém, ainda tinha o olhar distante de alguém que vive pensando. Talvez, quem sabe, aquela fosse uma característica dos reis.

 

            Mais uma semana se passou e metade do inverno já tinha ido embora. O ferimento de Riku melhorava bastante, e logo o príncipe já conseguia andar sem maiores dificuldades. O que, de certa forma, provocava uma tristeza no loiro. Segundo Riku, que dizia que precisava voltar para seu reino a fim de reorganizar algumas coisas, provavelmente partiria no fim do inverno.

 

            Aquilo lembrou ao loiro uma de suas conversas numa tarde:

 

            -Então você não vai ficar para ver a primavera?

 

            -Temo que não, Roxas.

 

            -É uma pena. A floresta fica agitada e durante o dia inteiro podemos ouvir os pássaros cantando. Os animais procriam e logo nascem os filhotes. É uma boa estação, a que eu mais gosto, se quer saber.

 

            -Bom saber.

 

            -Vai voltar no fim do inverno? Mas e os guardas da fronteira?

 

            -Não deve ser muito difícil atravessar.

 

            -Você vai acabar morto, isso sim.

 

            -Talvez sim, talvez não. Mas, se eu morresse, ninguém choraria por minha morte mesmo. Meus regentes querem que eu morra, e minha mãe nem deve se lembrar de mim. Ninguém sequer se lembraria do príncipe rebelde que fugiu de casa.

 

            -Eu lembraria.

 

            -Você é exceção, Roxas. Você não conta.

 

            -E por que não?

 

            -Você é alguém de fora, alguém que não precisa se meter com toda essa política e essas coisas chatas de reis. Além de que você é meu melhor amigo, então eu suponho que faria falta pra você.

 

            -Faria sim, afinal, quem é que iria acabar com todo meu estoque de sementes de cacau e leite de cabra?

 

            Então ambos riram e mudaram de assunto.

 

            Logo Riku partiria e Roxas voltaria a sua vida simples de camponês. Não que ela tivesse deixado de ser simples, mas ter Riku ali como companhia durante o dia inteiro era algo agradável.

 

            Eram boas memórias, daquelas que merecem ser guardadas para sempre.

 

 


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Notas finais do capítulo

Bem,inspirada no nome da fanfic, achei interessante colocar trechos de um dos meus poemas preferidos, Poema em Linha Reta de Fernando Pessoa (eu creio que o nome do poema seja esse). Eu amo demaaaaaais esse poema,e como acho muito tocante e parecido com a fanfic, não achei por mal colocar aqui.
Bem, espero que tenham gostado!
Kisses!
P.S> Por favor, deixem reviews, não dói nada e voce ainda ganha Nyah! Cash com isso (além de ganhar uma estrelinha azul via sedex,feita por mim e mandada dentro de uma caixinha verde com bolinhas brancas também feita por mim!).



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