Sete Vidas escrita por SWD


Capítulo 76
vida 5 capítulo 25




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Era a segunda vez em menos de 24 horas que Dean entrava no hospital distrital carregando um homem nu. Olhou sem acreditar para a fachada destruída e para os corpos de ghouls mortos. À medida que avançava para dentro do hospital, mais cadáveres de ghouls. Começou a se sentir parte de uma espécie ameaçada de extinção. Os ghouls haviam sido mortos a tiros de rifle. Sam, provavelmente. Esperava que Sam lhe desse ao menos o benefício da dúvida.

Era impossível estancar sangue de um ferimento no abdômen. Seus sentidos lhe diziam que Adam estava morrendo, mas ele se recusava a aceitar isso como um fato consumado. Mesmo quando seus olhos se detiveram no relógio de parede marcando 23:12. Mesmo quando as palavras do Trickster voltaram a ecoar em seus ouvidos. Dean aperta o corpo do irmão contra o seu. Adam ia sobreviver, tinha que sobreviver.

O terrível cheiro de desinfetante o atingiu, encobrindo qualquer outro cheiro. Era meio como ficar cego. O olfato rivalizava com a visão como sentido mais importante para a orientação de um ghoul. Não mais podia precisar onde e quantos humanos havia no ambiente. Podia estar na mira do rifle do irmão e não saber.

O segundo andar continuava deserto, mas o terceiro voltava a se encher de gente. O pessoal refugiado no terraço começava a descer para o terceiro piso. Poucos até aquele momento, porque o acesso continuava irrespirável, mesmo para humanos. Para descer, somente prendendo a respiração durante toda a descida e, como os degraus eram estreitos e a escada em curva, era necessário cuidado e, portanto, demandava mais tempo que o fôlego da maioria permitia. Principalmente velhos e pacientes com problemas de locomoção. Mas o pessoal da limpeza já estava retirando o produto empoçado com rodo e usando panos para absorver o restante. Agora que o perigo fora afastado, tudo acabaria se ajeitando.

O delegado Hayden e o policial Jones estavam improvisando meios de imobilizar os seis ghouls sobreviventes, cinco deles ainda desacordados pela ação do clorofórmio. Como não havia meios de saber quanto tempo duraria o efeito narcótico do clorofórmio, os médicos aplicaram, por segurança, injeções de tranqüilizante nos seis. Depois pensariam no que fariam. A única certeza era que o mundo não estava pronto para a revelação, em horário nobre, de que seres como os ghouls espreitavam os homens na escuridão da noite. Que existia de verdade um monstro embaixo da cama. 

O delegado tivera muita dificuldade para conter a justa revolta do policial Levine. Ele estava decidido a matar a sangue frio os ghouls adormecidos para vingar a morte do irmão. Por um momento pareceu que apenas lembrar ao policial seu status de agente da lei e seu juramento não seria suficiente. Mas também isso se acertara. Levine e o policial Smith estavam agora no andar térreo removendo os corpos dos ghouls mortos dos pontos mais visíveis. Mal acreditava que a mídia, com seu circo, ainda não tivesse invadido o hospital após um tiroteio que fora ouvido na cidade inteira. Desta vez não seria possível varrer a sujeira para baixo do tapete.

Ashley não hesitara em partir para cima do ghoul que, na forma de uma Mrs. Robinson suburbana de enormes seios, se preparava para - literalmente - se jogar em cima do seu homem. A investida teve muito de passional, estilo briga de mulher, que começa com uma puxando o cabelo da outra. Mas, esteja na forma que estiver, um ghoul será sempre mais forte que um homem e, não fosse a chegada do policial Levine atirando, ela não estaria viva para rir da história.

Quando o segundo ghoul, na forma de uma mulher ainda mais velha, saltou sobre Owen mirando seu pescoço, ele se jogou de costas e usou as pernas para lançar a criatura para longe aproveitando o impulso do salto dela própria. É um golpe clássico que ele já vira mil vezes no cinema, mas acertar fazer de primeira foi algo totalmente inesperado. Ele próprio não acreditava que tinha feito aquilo.

A criatura se recuperou rápido e, mais rápido ainda, partiu para cima de Owen com fúria assassina. A bala disparada pelo policial Levine foi certeira, mas não rápida o bastante para evitar que as garras da criatura fizessem um estrago considerável no braço esquerdo do universitário. Ele ficaria fora da reta final do campeonato universitário e perderia de vez a chance de sonhar com uma carreira profissional no esporte.

Apesar dos meses de fisioterapia e ter o futuro profissional redirecionado, Owen podia se considerar um homem de muita sorte. Principalmente por ser amado por alguém tão especial quanto Ashley Madison. Ele não teria sobrevivido ao ataque simultâneo de dois ghouls. Ao chamar a atenção da Mrs. Robinson ghoul para si, Ashley salvara a vida do namorado. Lutarem lado a lado por suas vidas e pela vida de estranhos criou um vínculo inquebrantável entre os dois. Seis meses depois, já estavam casados e seria um casamento para a vida toda.

O ghoul apontou o revólver de encontro à testa do encurralado Dr. Mark Lawson e disparou. O Dr. Mark chegou a esboçar um sorriso, quando o quase assassino e a quase vítima se deram conta que a arma já estava descarregada. O sorriso não chegou a se formar. O ghoul o prensou contra a parede e abocanhou com força seu pescoço. Com a carótida destroçada, ele estava morto em menos de um minuto.

Hal Levine se culparia por não ter chegado um minuto antes. Se tivesse deixado correndo o Hot Machine Bar, se tivesse acelerado um pouco mais na estrada, se não tivesse perdido tanto tempo na delegacia. Mas a verdade é que nada disso teria feito a menor diferença.

Embora fosse seis anos mais velho e tivesse uma história de vida muito diferente da do jovem universitário do Alabama que se tornara receptáculo da alma de Benjamin Winchester, também nesta realidade Mark Lawson estava condenado a não ver chegar a meia-noite daquele dia. Nesta, e em milhares de outras realidades, o tempo para Mark Lawson tinha se esgotado.

Ao despontar no terceiro andar carregando Adam, o menino ghoul se depara com a visão de médicos e enfermeiros numa frenética movimentação em volta de Sam. Sam estava em estado desesperador e precisava de um transplante de emergência. Ninguém ali realmente acreditava que o herói da noite fosse sobreviver. Os sinais vitais estavam extremamente irregulares.

Ele não esperava aplausos, mas foi mais rápido do que Dean imaginara. Mesmo que quisesse, ele não teria como reagir. Mal pisara no terceiro andar, e já tinha três armas apontadas para sua cabeça.

- É agora que você morre, monstro.

O policial Levine não parecia estar blefando.

E, como um presságio nefasto, Dean vê que, do fundo do grande salão, em meio às pessoas que tinham se refugiado no terraço, o Trickster o observa com um sorriso zombeteiro e o vê, discretamente, apontar para o relógio de parede da entrada da UTI. O relógio marcava 23:15. Dean sente o coração se apertar.

Dean não tinha como reconhecer a exótica mulher indiana abraçada ao Trickster. Mas a deusa da morte e da destruição tinha um papel importante a cumprir ali.

Do lado de fora do hospital, param dois furgões com repórteres de campo da principal da estação de TV local. Ao verem a fachada destruída e três corpos caídos em volta da entrada principal, percebem que aquilo era ouro. O sonho de todo repórter de província: aparecer em horário nobre em rede nacional. Caso sobrevivessem, os dias de anonimato dos irmãos Winchester iam chegar ao fim.  


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Notas finais do capítulo

19.02.2011

Mrs. Robinson é a personagem de Anne Bancroft no filme The Graduate (A Primeira Noite de um Homem)