Sete Vidas escrita por SWD


Capítulo 172
sete vidas epílogo vida 5 capítulo 41




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/81878/chapter/172

— ‘Meu senhor!’ Lembra que essa era a forma correta de uma esposa dedicada se dirigir a seu marido?

— Μηδεια?

— Bom revê-lo, marido. Então, do que falávamos quando fomos tão brutalmente interrompidos?

— Não fomos. Aquele não era eu. Estou aqui, na sua frente, pela primeira vez desde o meu quase casamento com Κρέουσα.

— Como assim não era você? Quem ..?

— Zetes! Mas, isso não importa.

— Ah! Importa sim. Espere só eu por as minhas mãos ..

— Não, Μηδεια, você não vai fazer nada contra o Zetes. Esse é um assunto exclusivamente nosso. Que vamos resolver aqui e agora. De uma vez por todas. Apenas eu e você. Marido e mulher.

— E o que tem a me dizer, marido? O que tem a dizer à mulher que renegou por outra mais jovem? Uma que, convenientemente, tinha um pai poderoso. Que podia abrir as portas certas. As portas que tanto lhe interessavam. E então, Iάσων? O que tem a dizer à mulher que traiu?

— Que eu era jovem, ambicioso e que fui covarde. Apesar de sua linhagem nobre, aos olhos de meus conterrâneos, você nunca passaria de uma feiticeira bárbara. Você não seria aceita como rainha e eles não me aceitariam como seu rei se estivesse ao meu lado. Eu queria ser rei. Mas, eu ainda a amava. Ou era isso que acreditava na ocasião. Ainda a desejava e muito. Pensei que poderia acertar as coisas entre nós depois. Pensei que podia tê-la ao meu lado, mesmo que casado com outra.

— Se pensou isso, é porque nunca soube quem eu era de verdade.

— Não é verdade! Eu sempre soube. Só não quis enxergar.

E completando num sussurro quase inaudível: ‘Preferi me iludir.’

— Essa é, então, a nossa hora da verdade, marido? Muito bem. A verdade! TODA.A.VERDADE. RESPONDA! ME AMOU DE VERDADE? Mesmo que por um único e mi-se-rá-vel instante? SIM ou NÃO?

— Não é tão fácil responder. A resposta não cabe em um simples ‘SIM” ou ‘NÃO’.

— TENTE!

— Quando Zetes me contou que vocês se beijaram, perguntei a ele se você percebeu que quem estava ali não era eu. Doeu saber que não. Mais do que eu imaginava. Mais do que eu queria. Pensei que o que quer que eu tenha sentido por você tivesse morrido junto com nossos filhos. Foi com surpresa que constatei que restou algo. Eu senti ciúme. Mesmo depois de tudo que fizemos um ao outro. Depois de tudo que você me tomou. Eu devia sentir somente ÓDIO, mas tudo que eu senti foi ciúme. Mas, sentir ciúmes não é o mesmo que amar. Desde aquele momento que eu não paro de me fazer as mesmas perguntas. Se ainda a amo. Se algum dia eu a amei de verdade.

— E qual a conclusão a que chegou?

— Nenhuma. Eu não sei se a amei um dia. Depois de você, conheci muitas outras.

— Isso eu tenho certeza que é verdade.

— Nenhuma me despertou sentimentos tão intensos. Mas, não sei se aquela exaltação dos sentidos que sentia sempre que a tocava pode ser chamada de amor. O que sei é que nunca deixei de desejá-la. O desejo que você me despertava quando a reneguei por Κρέουσα não era menor que o desejo que senti quando a conheci menina. Eu estaria mentindo se dissesse que, mesmo agora, sou indiferente a seu corpo. Se nos déssemos uma segunda chance, talvez esse corpo fizesse mais uma vez minha alma se incendiar como incendeia meu corpo. Porque é assim que me sinto agora. Queimando de desejo.

— Isso é tudo que eu sempre fui para você? Um corpo?

— Não. Vi seu corpo de menina se transformando em um corpo de mulher. Quando pensava que você já tinha atingido a perfeição física, você se superava. Mas, não era somente com o corpo que você me instigava, me desafiava, me fascinava. Comandando aquele corpo, havia um cérebro único. Determinação, inteligência, intuição, estratégia. Muito além do que seria esperado de uma menina. De uma mulher. O seu conhecimento de magia. Muitos precisariam de uma vida inteira para aprender o que você dominou em poucos anos. Você era única. Diferente de todas as mulheres que eu já tinha conhecido e de todas que conheci depois. Superior a todas. Parecia que você tinha sempre a resposta que eu precisava. Que tinha todas as respostas. Que o que fazia se tornava certo simplesmente porque era você quem dizia.

— Eu era tão especial que você correu atrás de outra.

— Sua força me fortalecia, mas eu me via fraco em comparação. Eu era o homem, o comandante, o guerreiro. Ao mesmo tempo, me sentia dependente. Homem algum gosta de se sentir assim.

— E tudo que você queria era chegar em casa e encontrar uma esposa sorridente e receptiva. Isso só mostra o quanto você é medíocre, Iάσων. Nunca mereceu uma mulher como eu. Você sempre foi fraco. Sem mim, nunca chegaria a lugar nenhum. Nunca teria saído vivo da Cólquida. Não existiriam histórias exaltando seus feitos porque você teria morrido sem nunca ter realizado nada.

— Isso nunca saberemos ao certo. Eu já tinha acumulado vitórias antes. Ou acha que semideuses como Hércules seguiriam um fraco, um covarde, um ninguém. Reconheço que sua participação foi importante, mas isso não significa que eu não venceria se não tivesse intervindo. Errei ao buscar o caminho mais fácil. Nunca devia ter deixado você vencer as minhas batalhas.

— Não minta para você mesmo. Sabe que sempre foi um NADA. Deve a mim tudo o que se tornou. A mim e ao meu amor.

— Amor? O que você sabe deste sentimento? Você matou seu próprio irmão, matou nossos filhos, matou crianças inocentes que sequer sabiam quem as tinha gerado. Não fez isso por amor. Amor algum justifica o que fez. Você é louca, Μηδεια. Completamente insana. Nunca teve um coração. Essa sempre foi a questão. Um corpo, um cérebro e nenhum coração. Mas, eu estava cego. Cego e louco como você. Só agora eu vejo claramente isso. Eu não podia ter permitido que praticasse monstruosidades em nome do amor que dizia sentir por mim. Eu tinha que ter feito algo.

— É isso tudo que tem a dizer?

— Não. Preciso dizer também que agora vejo claramente o quanto eu falhei com você. Era meu dever de marido proteger você. Isso inclui protegê-la de você mesma. Da escuridão que pouco a pouco se instalou em sua alma. No local onde devia existir um coração, formou-se um buraco negro, engolindo tudo a sua volta.

— Adeus, marido. Nossa história termina aqui. Já perdi tempo demais com você. Você não é digno do meu amor. Não é digno de mim. Nunca foi. Quando me conheceu, eu era uma princesa. Eu abri mão da minha posição por você. E onde isso me levou? Ficar com você não me levou a lugar nenhum. Você queria me transformar em serva de sua nova esposa. Agora que estou prestes a me tornar uma deusa, não existe um lugar para você ao meu lado.

Medeia levanta o braço, gira-o com elegância e faz surgir uma espada em sua mão. Com um movimento rápido, transpassa o abdômen de Jasão com a espada.

— Seu lugar é aqui, no Inferno.

Jasão cai de joelhos, com a espada atravessando seu corpo. Seu olhar mostra perplexidade. Medeia se aproxima, pousa o pé sobre o ombro do ex-marido e usa-o como apoio para arrancar a espada. Jasão leva ambas as mãos ao ferimento, numa tentativa inútil de deter a hemorragia. Sua expressão mostra que ele já havia assimilado a situação e que sua única surpresa era ter se surpreendido com a atitude da ex-esposa.

Jasão ainda apresentava por todo o corpo as cicatrizes do desenho místico que expulsara Gabriel para o plano terreno. Medeia se ajoelha em frente a Jasão e pronuncia um encanto que faz as cicatrizes voltaram a verter sangue. Jasão tomba no chão rochoso em meio a uma poça de sangue que só faz crescer.

Medeia percorre com as mãos o peito do homem que acreditou amar molhando-as com o sangue que escorre abundante. Em êxtase, ela leva as mãos molhadas de sangue fresco ao próprio corpo, rosto e cabelos, se embriagando com o cheiro acre do sangue vivo do ex-marido agonizante.

— É chegada a hora do meu triunfo, marido. Nada mais justo que esteja presente e que veja a mulher que desprezou ser transformada em deusa.

§

Medeia se afasta e inicia uma espécie de dança ao redor de Jasão. Com movimentos graciosos, ela movimenta as mãos ensangüentadas desenhando símbolos no ar. Sua voz melodiosa entoa um encantamento antigo em uma língua mais antiga que a raça humana. Ela não saberia dizer o significado daquelas palavras. Se é que tinham um significado. Se é que eram realmente palavras. Os sons pronunciados reverberam e se repetem como eco. Depois como eco do eco. Depois como eco do eco do eco. Cada fonema pronunciado se soma aos anteriores, como numa sinfonia. O som, inicialmente dissonante, ganha harmonia.

O som persiste, sem precisar de alguém para entoá-lo.

É como se o som fizesse vibrar as cordas de uma harpa, ao invés das cordas gerarem o som ao vibrarem. A paisagem árida do Inferno parece ondular junto com o som. Aqueles sons tinham o poder me alterar a realidade.

O encantamento faz o sangue que cobre o corpo de Medeia fluir sobre si mesmo e formar um desenho vermelho vivo sobre seu ventre. À medida que o som torna-se mais harmônico, o desenho ganha um brilho avermelhado levemente luminescente.

Medeia olha com desprezo para Jasão, sorri e eleva os olhos para o negro céu infernal. O encanto tinha se completado. Estava feito. Ela logo seria uma deusa.

§

O segredo que Tântalo ouviu de Zeus, no Olimpo, quando o deus estava sob a influência do poderoso vinho de Dionísio. A revelação de como extrair o imenso poder que existe na alma humana. Poder suficiente para conferir divindade ou, pelo menos, alguns de seus aspectos, a quem souber utilizá-lo.

Uma fonte inesgotável de poder à disposição de quem tenha a coragem de tomá-lo. Poder à disposição de quem estiver disposto a pagar o preço. Sim, porque há um preço a ser pago no final.

Que o digam os demônios. O poder dos demônios vem das almas que absorveram após barganhá-las com humanos muito ambiciosos ou muito ingênuos. Demônios não passam de humanos energizados pelas almas de outros humanos.

O Inferno recebe almas humanas há pouco menos de 2.000 anos. Não chega a ser muito tempo, mas a população mundial cresceu exponencialmente neste período. Neste período, nasceu e morreu mais gente que nos 198.000 anos anteriores. E uma expressiva parcela de todas essas almas estava ali. Fosse como condenados, fosse como demônios.

Essas almas carregam dentro de si energia suficiente para incinerar o planeta.

§

Por todo o Inferno, as almas humanas dos condenados à danação eterna e daqueles que passaram a se reconhecer como demônios observam horrorizadas que estão perdendo substância e se convertendo em fumaça. Espirais de fumaça densa e negra sobem para os céus da dimensão infernal e convergem para um ponto específico fora das paredes muradas de Ιρονωηεελ.

A transformação atingiu primeiro os que estavam mais próximos e os menos poderosos. O que não faltava no Inferno era magos e estes tentaram de tudo para fugir a seu destino. Inutilmente. O encantamento era muito poderoso.

Quando percebeu a ameaça, Crowley perscrutou o plano material e encontrou um estudante secundarista que chegara ao ocultismo depois de tornar-se fanático por RPG’s. O garoto estava em um sebo no centro histórico da cidade de Filadélfia e folheava um autêntico livro de feitiços que encontrara esquecido em meio a centenas de publicações oportunistas sobre o tema.

O livro, uma verdadeira raridade, pertencera a uma bruxa queimada em Salem dois séculos antes. O garoto se esforçava para ler a frase que acreditava estar escrita em latim. Era, na verdade, gaélico antigo, mas isso realmente não importa. Ele não pronunciara corretamente o feitiço e não tinha a menor idéia do significado das palavras. Um feitiço clássico para secar plantas e azedar leite. Mas, o garoto, inconsciente do perigo, ao pronunciar o encanto desejara invocar um demônio. Naquele momento, aquilo foi o bastante. Crowley usa o garoto para fugir do Inferno no último segundo.

§

Mais ninguém escapou. As espirais de fumaça cobriram o horizonte, vindas de todos os pontos da dimensão infernal. Convergindo para o ponto onde o encantamento fora proferido.

O ventre de Medeia se abre para receber as almas dos condenados.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

29.12.2012
.
O encantamento feito por Medeia não é muito diferente daquele que Castiel usou para absorver as almas do Purgatório, no final da sexta temporada.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Sete Vidas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.