Sete Vidas escrita por SWD


Capítulo 173
Sete vidas epílogo vida 5 capítulo 42




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Pareceu levar horas, mas, finalmente, terminara. Medeia havia absorvido milhões de almas humanas. Ela mantinha a forma humana de sempre, mas a forma se expandira para acomodar melhor as múltiplas almas em seu interior. Tinha agora quase quinze metros de altura.

Esgotada, Medeia cambaleia. Como se estivesse bêbada. E era como se sentia. A sensação de euforia, leve confusão mental, dificuldade de controlar os próprios movimentos, sensações alteradas e ligeiro desconforto físico lembravam a embriaguez. Sua mente e seu corpo ainda estavam se adaptando ao novo patamar de energia. Ela estava embriagada de energia.

Medeia tomba de joelhos, quase em cima de Jasão. Ela ouve sua própria voz saindo embolada e sorri. Um sorriso sem malícia e sem maldade, o primeiro assim em milênios. Como acontece com os bêbados, as palavras simplesmente lhe escapavam. Eram meros pensamentos em voz alta.

— Tão pequeno. É como vejo você, Iάσων. Eu me tornei uma deusa. Enquanto você continua o que sempre foi. Um nada. Um menos que nada. Eu não preciso de você, Iάσων. Para nada.

— Você está errada, Μηδεια. Eu sou, sempre fui, tudo aquilo que você precisa para ser completa. Você precisa tanto de mim, que me conservou por milênios. A mim. Aquele que realmente sou. Não Jasão, mas seu coração.

— Mais baboseiras.

— Você precisa de um coração, Μηδεια. Esse sempre foi o meu destino. Era para eu ter conduzido você por outros caminhos. Mas, eu fui fraco, ambicioso e estúpido. E acabei deixando que você me arrastasse para sua loucura.

— Sim, você foi tudo isso que acabou de dizer. Mas, quanto a todo o resto, está se iludindo. Agora que eu sou uma deusa, não preciso de nada nem de ninguém. E, principalmente, não preciso de você.

— Não estou me iludindo. Não mais. Mas, é verdade que eu estou preso a uma ilusão. A ilusão derradeira. A ILUSÃO DE SER UM HOMEM. Eu não sou um homem. Nunca fui. Eu sou apenas o coração de um homem. Mas, isso não me torna menor. Pelo contrário, me torna maior. O homem de quem fiz parte morreu muito tempo atrás. Eu permaneci, mantido vivo de uma forma antinatural. O destino de um coração não é pulsar solitário numa caixa de cristal. É pulsar dentro de uma caixa viva, envolto por carne e sangue. Esse é o destino de um coração. Mas, .. agora sou eu quem está divagando.

— Divagando, não. Está delirando. A proximidade da morte está fazendo você delirar.

— Eu não estou morrendo, Μηδεια. Eu não vou morrer sem antes cumprir meu destino. Sei agora que não. A hemorragia estancou e eu sinto que o ferimento começou a fechar. Acho que tem a ver com a natureza do Inferno.

— Vai desejar a morte rápida e misericordiosa que lhe ofertei.

— A morte não me assusta, Μηδεια. Antes mesmo de iniciarmos esta jornada, a senhora da noite nos alertara que o Inferno reclamaria uma alma. Eu sempre tive a intenção de que fosse a minha. Eu arrastei meus amigos para o Inferno. É minha responsabilidade garantir que sairão vivos daqui. Se alguém tem que ficar para trás, esse alguém sou eu.

— Quanto a isso, eu posso ajudá-lo. Como eu disse antes, seu lugar é aqui, no Inferno, Iάσων.

— Posso não ter certeza quanto a tê-la amado. Mesmo assim, meu último ato será um ato de amor.

— Diz que não vai morrer e fala em último ato. Você se contradiz o tempo todo. Está me fazendo perder tempo. Se ainda tem algo a dizer, diga. É sua última chance.

— Dizer, não. Fazer. E a primeira coisa é me livrar da forma que mantém viva a ilusão. É hora de finalmente cumprir meu destino. Vai ser como você sempre quis, esposa. Eu vou realizar seu desejo mais profundo. O desejo que te deu forças para sobreviver por 3.300 anos e a trouxe até aqui, o Inferno dos cristãos, um lugar tão estranho às crenças de nossos ancestrais. Você queria ter para si o coração do homem amado. Queria que nos tornássemos um só. É isso que você terá. É isso que seremos. Um só.

O corpo de Jasão brilha intensamente e, então, o invólucro de carne torna-se mais e mais transparente até desaparecer e restar somente um coração pulsante, que cresce e guarda o mesmo brilho. Uma luz suave, branca e pura.

Medeia se levanta e dá um passo para trás. Ela ainda não consegue raciocinar com clareza, mas pressente a ameaça representada por aquele coração. Aquele coração pode destruir tudo o que conquistou. Destruir tudo que se tornou. Tudo que ela não precisa agora é de um coração. De que vale um coração no Inferno?

Ela se cobre de eletricidade e centelhas azuis percorrem seu corpo. Ela estende os braços e mais e mais eletricidade se concentra no espaço vazio entre suas mãos. O sorriso maldoso volta ao rosto de Medeia. Seus pensamentos começam a clarear. Ninguém vai roubar seu triunfo. É hora de romper o último vínculo com o seu passado humano. É hora de erradicar do mundo o último vestígio do único homem que ousara desprezá-la.

Respondendo à vontade de Medeia, raios saltam de suas mãos e atingem o coração que flutua imaculado no ponto onde Jasão tombara. Raios de potência comparável apenas aos vistos em grandes tempestades elétricas. Raios capazes de iluminar todo o horizonte. Energia suficiente para iluminar uma cidade de tamanho médio. Energia centena de vezes maior que a necessária para carbonizar um corpo humano.

Mesmo assim, o coração mantém-se incólume.

Medeia não deveria estar surpresa. Ela conhece os fundamentos da magia. A magia responde a desejos e o desejo obsessivo de toda uma vida é muito mais forte que a ira que agora a domina. A obsessão por Jasão supera até mesmo seu instinto de sobrevivência e sua ânsia de poder.

Os raios que atingem o coração de Jasão não o afetam porque, como Jasão disse, um coração é tudo que Medeia sempre precisou e, no ponto mais profundo de sua alma negra, ela sabe disso.

Mais e mais perto. Perto demais. Sua mente resiste, mas seu corpo não obedece. Assim como seu ventre se abriu para receber as almas condenadas à danação, agora seu peito se abre para receber o coração de Jasão.

O coração se aloja no peito de Μηδεια.

Mas, não o coração quebrado e sem ilusões tirado do corpo sem vida do homem que viu suas vitórias da juventude arrancadas de suas mãos.

O coração novamente sem mácula do jovem príncipe cujo entusiasmo contagiou os corações de outros cinqüenta jovens, com a promessa de aventura e glórias. O coração do guerreiro que conquistou o respeito e a lealdade de guerreiros tão bravos quanto ele próprio. O coração apaixonado e atrevido que conquistou para sempre uma princesa que nasceu sem a capacidade de amar.

Pela segunda vez em um tempo curtíssimo, a princesa é invadida por sentimentos que não são seus. Os sentimentos de ódio, vingança e violência dos habitantes do Inferno lhe eram tão familiares que não chegaram a abalá-la. Estava preparada para eles.

Para esses que agora experimentava, não.

Quando a princesa que nasceu sem um coração sente pulsar em seu peito o coração do único homem que tocou sua alma, ela é dominada por uma sensação desconhecida, ao mesmo tempo quente e reconfortante. Ela se agacha e toca o ponto onde Jasão tombara.

De seus olhos escorrem lágrimas silenciosas. Não de dor nem de arrependimento. Lágrimas de um sentimento que, por nunca ter experimentado antes, não sabe identificar.

Tivera um único contato anterior com sensações tão perturbadoras. Quando enfrentara Kälï. Na ocasião, conseguira isolar sua mente daquelas sensações e seguir em frente. Agora sentia essas sensações desconhecidas brotando dentro de si e não sabia o que fazer.

Quão forte era o coração de Jasão? Jasão era basicamente bom. Era otimista, entusiasmado, impulsivo e capaz de atos verdadeiramente heróicos. Como este acabara de realizar. O mundo em que ele viveu não tinha, no enquanto, lugar para o conceito de perdão. Muito embora pudesse ser praticado, não era exaltado como uma virtude. Era encarado com uma fraqueza. A virtude estava na espada. A espada era a fonte da justiça. A justiça do olho por olho. Não seria justo, portanto, que Jasão fosse julgado pelos padrões éticos atuais. Para Jasão, o perdão era um conceito estranho.

No entanto, seu coração fora apresentado a um conceito ainda mais estranho. Algo além do perdão. A travessia do Flegetonte apagou da mente de Jasão as memórias de Dean Winchester, deixando apenas os conhecimentos e habilidades do homem do século XXI. Era o que parecia. Mas, não foram somente conhecimentos e habilidades que ficaram. Sem que Jasão suspeitasse, seu coração guardou um sentimento perigoso. Um sentimento poderoso o bastante para destruir o Inferno.

Aquele coração fora infectado pela capacidade de amar incondicionalmente do homem criado para ser o receptáculo do anjo preferido de Deus. Uma centelha da consciência de Dean Winchester permanecera oculta naquele coração. Um fragmento da sua alma. E, agora, esse fragmento da alma de Dean Winchester fora contrabandeado para o peito de Medeia.

Dean Winchester vivia um momento difícil de sua vida quando fora lançado pelo Trickster naquela aventura transdimensional. Seu tempo estava acabando e ele tinha plena consciência disso. Ele disfarçava, mas estava sendo cada vez mais difícil esconder o medo atrás de seu habitual sorriso cínico. Em noites insones, ele freqüentemente se perguntava se merecia o Inferno.

Se alguém realmente merecia pagar os erros de uma vida curta por toda eternidade.

Dean combatia demônios e monstros, mas sabia que existiam seres humanos capazes de praticar atos ainda piores. Sua mente racional dizia que mereciam pagar. Que para alguns atos, mesmo a eternidade não era o suficiente. Mas, a resposta de sua alma era outra.

Sua alma clamava que ninguém merecia uma eternidade de sofrimento.

Nem ele, nem ninguém.

Aquele fragmento de consciência mantinha a lembrança de sua identidade original e de sua história. Alojado em um canto da mente de Medeia, era como se, do alto de uma plataforma, o próprio Dean Winchester enxergasse os demônios, os condenados e a própria Medeia se digladiando furiosos, envoltos em loucura e crueldade vazia. Almas condenadas, além de qualquer redenção.

E, mesmo assim, ele se apieda delas. De todas, sem exceção.

Não fora difícil para Medeia silenciar as vozes dos demônios que absorvera. Silenciar seu recém-adquirido coração não estava sendo tão fácil.

Medeia tinha planos para quando se tornasse a senhora do inferno. Planos que não se limitavam ao Inferno. Medeia pretendia fazer-se a senhora absoluta do Universo: Inferno, Terra e Paraíso.

O coração tinha outros planos. Jasão estava determinado a mudar a distorcida visão de mundo de Medeia. Fazê-la pela primeira vez a senhora de si própria. Alguém capaz de sentir-se realizada sem a necessidade mórbida do amor incondicional de outra pessoa. Alguém que não precise controlar a tudo e a todos para ter certeza que não vão feri-la.

O conflito interno imobiliza Medeia. Ela não estava conseguindo mobilizar o imenso poder que absorvera em nenhuma direção. Mas, era uma questão de tempo para ela levar seus planos adiante. Podemos escolher não ouvir nosso coração. A mente pode prevalecer, desde que aceite pagar o preço. Só não pode vencer. Não existe vitória quando, para isso, é preciso esmagar o próprio coração.

Pode ter durado um segundo. O que é importa é que durou o suficiente para que o fragmento prevalecesse sobre o todo. Dean Winchester olha para as almas dos condenados e deseja com todas as suas forças que aquele lugar de sofrimento e punição desapareça. As energias em Medeia respondem a seu comando. Uma explosão de luz branca ilumina o Inferno.

Como não acreditar que aquele não era desde o princípio o plano divino? Que Deus não planejara desde o começo dos tempos usar o Mal para destruir o Mal?

O poder absorvido por Medeia e a natureza fluida do Inferno era tudo o que Dean Winchester precisava. Sua vontade férrea muda para sempre a natureza do Inferno.

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O Inferno era o pior lugar que alguém podia ter a infelicidade de estar. Um lugar de sofrimento e punição.

Sempre fora assim.

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Mas, isso ia mudar.

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A FIC ESTÁ EM HIATO

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Notas finais do capítulo

10.01.2013
.
A fic está num longo hiato, mas tenho a intenção de retomá-la.
O motivo do hiato foi baixa participação dos leitores, escassez de reviews. E, um vez que se pare, surgem novos projetos e fica cada vez mais difícil retomar.



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