Sete Vidas escrita por SWD


Capítulo 171
sete vidas epílogo vida 5 capítulo 40




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Idmon estava certo ao dizer que podiam apenas não estar vendo o que protegia as escadas. Eram quatro escadas e eles eram três. A lógica dizia que havia um pátio semelhante àquele no piso acima. Um pátio que podia ser acessado por qualquer das quatro escadas. Mesmo que se separassem e subissem por escadas diferentes, em menos de um minuto novamente estariam reunidos.

Mas, a lógica comum não se aplica ao Inferno.

A escada em caracol, apesar de relativamente estreita, tinha degraus de bom tamanho. Era também razoavelmente bem iluminada pelas chamas de archotes, presentes a cada quarto de volta da escada. Autólico começa a suspeitar que há algo errado quando constata que continua subindo e subindo, mas não chega a lugar algum.

A escada parecia ter infinitos degraus.

Autólico pára, indeciso sobre fazer ou não o caminho de volta. Quando finalmente faz menção de retroceder, sente uma ondulação, uma vertigem e a perturbadora sensação de que as coisas não eram o que pareciam ser. Ele se sente observado, como se cada uma das pedras que formavam as paredes tivesse olhos e esses olhos estivessem fixos nele. Imediatamente, escuta risos vindos de todos os lados.

Os risos, inicialmente, divertidos, tornavam-se cada vez mais assustadores. Os risos, que inicialmente pareciam vir de poucas pessoas (bem, com certeza não eram propriamente .. pessoas), tornaram-se uma cacofonia apavorante vinda de centenas de bocas.

E, então, subitamente, os risos cessam e um silêncio sepulcral o envolve. O silêncio faz que ressoem alto em suas têmporas as batidas aceleradas de seu coração e sua respiração ofegante.

O alívio é curto. Os risos recomeçam, acompanhados de rosnados e outros sons que evocavam algo grande e desajeitado em movimento. Só que agora os sons vinham de muito longe, de um ponto da escada bem abaixo de onde se encontrava. Ainda distantes, mas se aproximando rápido. O que quer que fosse, vinha em sua direção.

Autólico começa a correr escada acima. Nota, então, que os archotes vão se apagando pouco depois dele passar. Os rosnados e a escuridão, que ameaçam alcançá-lo, o forçam a acelerar ainda mais o passo. O esforço continuado faz com que sinta dor nas panturrilhas. E não só nelas. Outros músculos também começam a se ressentir do esforço prolongado. Logo, dores insuportáveis tomam conta de todo seu corpo. Seu corpo implorava para que parasse de lutar contra o inevitável, mas sua mente insistia para que continuasse a qualquer custo. Se parasse, estaria perdido.

Não sabia mais há quanto tempo estava correndo escada acima. Sabia apenas que era impossível prosseguir no ritmo acelerado que tentava impor a seu corpo. Estava no seu limite. Suas pernas fraquejam, mas ele segue em frente, mesmo que um passo por vez. A escuridão o envolve, mas isso não o detém. Ele sabe que tem que continuar. Até que os rosnados parecem vir de um ponto imediatamente atrás dele, a uma distância de pouco mais de um braço. As criaturas não mais corriam. Elas já o haviam alcançado. Um bafo quente, de cheiro desagradável, traz à mente imagens de cães raivosos babando. O pânico começa a dominá-lo.

Ele tropeça e cai. Escuta os rosnados baixos à sua volta. Duas, talvez três feras. O hálito repugnante. O calor da respiração da fera tão próximo ao seu rosto. Algo gosmento pingando sobre sua pele. Algo áspero que apenas roça seu ventre, sem realmente tocá-lo. Autólico se encolhe, numa horrível sensação de desamparo. Sentia-se indefeso, a mercê de criaturas que logo o destroçariam. Que só estavam adiando o momento porque estavam se divertindo farejando seu medo.

E, então, a sensação de estar sozinho. Absolutamente sozinho.

Autólico, as pernas ainda bambas, se põe de pé, quando sente toda a escada estremecer violentamente, como se fosse desabar. E, as paredes realmente começam a desabar. A total escuridão começa a ser quebrada pela luminosidade vermelha vinda de fora, à medida que mais e mais pedaços de parede desmoronam.

E, então, não há mais paredes, não há mais fortaleza. Apenas um mar de lava se estendendo de horizonte a horizonte. Autólico se vê no alto, muito no alto, de uma escada espiral gigantesca, os degraus flutuando sem apoio sobre o mar de lava. Ele vê que os degraus, sem sustentação, desabarem e a serem engolidos pela lava. Um a um, de baixo para cima, os degraus de pedra vão caindo e desaparecendo. 

§

Palemon tinha recriado a armadura de oficial da guarda e acabara de pisar no andar acima quando vê doze garotas lindíssimas vindo em sua direção. Era impossível ser homem e ficar indiferente a elas. Tudo nelas era suave e belo. Tudo nelas trazia uma promessa de amor. A forma como o olhavam, como sorriam, como gesticulavam. Eram perfeitas. Doces e sensuais. Exibiam um tipo de sensualidade tão natural que passava por inocência e recato, como se não tivessem consciência do poderoso efeito que sua simples presença causava na libido masculina.

Cada uma parecia a representante máxima de uma etnia. A sua mais perfeita tradução. Escandinava, eslava, mediterrânea, árabe, celta, polinésia, indiana, chinesa, japonesa, africana, aborígene e indígena norte-americana. Eram maravilhosamente diversas nos detalhes e, ao mesmo tempo, iguais na perfeição de suas medidas. Buscar as diferenças entre elas era somente uma das formas de prazer que a visão daquele conjunto harmonioso lhe causava. Olhar para elas era tudo que conseguia fazer.

Não era possível apontar uma como a mais bela. Eram todas absolutamente perfeitas. Palemon se perdia, fascinado, na visão de cada uma delas. Sentia sua mente racional esvaziada de pensamentos. Voluntariamente entregava-se às sensações que a proximidade delas trazia a seu corpo. Veio à sua mente que aquela teria sido a reação de seu pai Hefestos à visão do corpo perfeito de Afrodite.

Estavam vestidas com elementos que remetiam às suas culturas, mas os tecidos que as cobriam eram quase etéreos. Assim como seus cabelos, os vestidos ondulavam a cada movimento que faziam e mesmo na ausência de movimentos. Ondulavam como se ao vento, mesmo com o ar absolutamente parado.

Delas emanava uma sensação de frescor, como se sua mera presença alterasse a temperatura ambiente e a composição do ar. O pesado ar do Inferno, impregnado de enxofre, seco e quente, não as tocava. O ar em torno delas era agradavelmente úmido e cheirava a flores silvestres e frutos maduros. Os cheiros se misturavam e se harmonizavam de forma inebriante.

Elas cercam Palemon, cheias de olhares e sorrisos, e começam a despi-lo da armadura. Ele se deixa despir, envolvido pelos beijos, toques e carinhos das donzelas. Uma sensação embriagante de prazer o envolve.

Uma voz distante tenta alertá-lo de que ele não deve desfazer-se da armadura, de que ele precisa resistir ao encanto das súcubos. Que, uma vez separado do exoesqueleto gerado no Hades, ele estará indefeso.

Mas, ele ignora aquela voz incômoda e se entrega ao beijo da linda chinesa.

§

- Saia da minha mente, feiticeiro.

- Vejo que continua sendo um inimigo formidável, tessálio.

- Meus camaradas .. ?

- As mentes deles também são poderosas, mas eles têm grandes vulnerabilidades. O ladrão sabe que pode enganar qualquer um, mas sente-se inseguro quando combate forças impessoais, com as quais não pode barganhar. O armeiro coxo, como o pai, é vulnerável aos encantos de uma bela mulher. Foi muito fácil neutralizá-los. Vai ser um prazer acabar com eles.

- Esqueci seu nome, mas acho que lembro de você e de como o venci facilmente no passado. Sim, é você mesmo. Você era um feiticeiro de quinta categoria. Tinha um título pomposo. Grande Feiticeiro Real ou alguma baboseira do tipo. Extravagante e cruel. Obcecado em assumir o poder em um reino tão insignificante, que a História não guardou o nome e o deserto engoliu suas ruínas trezentos anos depois.

- Antes, eu estava em desvantagem. Era um simples mortal que pensava dominar as artes místicas. Eu era um tolo, uma criança. Eu não sabia que você era um imortal com mais de um milênio de experiência. Mas, isso mudou. O tempo corre acelerado no Inferno. Estou aqui há uma eternidade, participei de milhares de batalhas. Agora, comparativamente, você é que é a criança. E eu não sou mais um simples mortal, sou um demônio poderoso. O braço direito do senhor desta fortaleza.

- É esse o seu grande motivo de orgulho? O de ter se tornado capacho do manda-chuva local? O que mudou, então? Apenas trocou de senhor. Lambe as botas dele sempre que acorda? Oferece o traseiro quando vê que ele está entediado?

- Vou fazê-lo pagar muito caro por cada insulto pronunciado.

- Acha que me mete medo? Porque não por cada letra de cada palavra pronunciada? Quer que eu repita o que disse para que possa anotar e depois contar?

- Pensa que está em posição de vantagem, mas eu conheço o seu segredinho. Desta vez, a vantagem é toda minha.

A visão profética avisa Idmon que o feiticeiro vai usar magia para arremessar em quinze segundos dezenas de pequenos punhais em sua direção, mas os punhais o atingem quase que imediatamente após a visão, vindos de uma direção diferente da revelada, pegando-o totalmente desprevenido.

Idmon sente as lâminas cravarem-se em sua carne. Instintivamente protegeu a cabeça e o rosto, mas tem os braços, pernas, tórax e abdômen perfurados. Ele cai, vertendo sangue por todo o corpo.

Estava muito ferido. Muitos dos ferimentos eram profundos. Mas, ele ainda não estava morto. Não ainda, embora sinta a visão turva. Ignorando a dor dos múltiplos ferimentos, Idmon se concentra para gerar eletricidade entre as próprias mãos espalmadas e dispara uma poderosa descarga elétrica na direção do adversário. Ou na direção onde pensava estar o adversário. Onde ele estivera dez segundos antes.

Idmon, caído, sente um forte chute no abdômen, mesmo vendo que o feiticeiro está a mais de três metros de distância. O vê vindo em sua direção, mas, no mesmo instante, sente seus cabelos sendo puxados para trás, e uma faca sendo encostada em seu pescoço.

- Não estava preparado para meu ataque, não é mesmo? Confia demais em sua visão profética. Como é a sensação de ser traído por ela?

§

Restavam pouquíssimos degraus. Autólico inconscientemente prende a respiração. Era esse o seu fim? Consumido no fogo ardente do Inferno? Afundaria na lava e queimaria. Gostaria de acreditar que seria rápido e definitivo. Segundos de muito sofrimento e tudo terminaria. Mas, estava no Inferno. Não era um seguidor da fé cristã, mas sabia que o Inferno era conhecido como um lugar de sofrimento eterno. Ele era potencialmente imortal e tornara-se recentemente invulnerável. Qual seria seu destino quando fosse envolvido pela lava? Queimaria eternamente?

Gostaria de ter certeza que aquilo era uma provação completamente desproporcional a seus erros. Que era tudo uma grande injustiça. Mas, a passagem pelo Flegetonte mudara sua forma de ver seus próprios atos. Já não se via assim tão inocente.

Três degraus. Dois degraus. Um degrau.

Restava agora um único degrau, o que pisava. E, este começava a se esfacelar. Formavam-se rachaduras nele e pequenos pedaços de pedra se desprendiam e mergulhavam em direção ao abismo incandescente lá embaixo.

Equilibrava-se com dificuldade sobre um minúsculo pedaço de pedra flutuante, o pouco que restava do último degrau da escada infinita. Pequeno demais para que pousasse ambos os pés nele. Foi um longo minuto até esse último pedaço perder a sustentação e Autólico despencar em queda livre rumo ao oceano de fogo.

Estava a poucos metros da superfície incandescente quando o ser alado o recebeu em seus braços e voou com ele para longe, na direção do horizonte e da ilusória segurança da terra firme.

- Gabriel?

O arcanjo sorri e uma voz ecoa em sua mente.

- Não. Não é realmente o arcanjo. É sua mente reagindo com a minha ajuda. Você não está realmente sobre um oceano de lava. Está desacordado no meio da escada que separa o primeiro do segundo piso da fortaleza infernal. Desperte, Autólico. Idmon está travando uma batalha de vida ou morte e precisa da sua ajuda.

- Deusa Hécate?

§

A súcubo de pele negra e fartos seios está prestes a desmontar a última peça da armadura, o acolchoado protetor genital, subitamente pequeno para acomodar o crescente entusiasmo de Palemon, quando uma forte corrente de vento se forma entre Palemon e suas adoráveis gueixas afastando-as de seus braços e lançando-as longe.

- Zetes, é você? O que pensa que está fazendo? Pare imediatamente. Saia! Você não tem nada o que fazer aqui. Deixe-me a sós com elas! Elas são minhas! Só minhas!

O vento as envolve e desequilibra, varrendo-as para longe de Palemon. E, quanto mais afastadas, mais forte fica o vento. As súcubos recuam ou são empurradas contra as parede. O vento as imobiliza e elas mostram sua verdadeira natureza. Dentes, garras afiadas e olhos totalmente negros em rostos já sem nenhuma inocência.

- Detesto estragar seu divertimento, amigo, mas ele estava prestes a acabar de qualquer forma. Assim que elas acabassem de despi-lo.

- Saia! Elas me querem! Elas me amam! Sei que amam. Não vai roubá-las de mim. Eu mato você se tentar.

- Escute, Palemon. Hécate me guiou até você. Ela vinha tentando alertá-lo, mas o encanto das súcubos sobrepujava a voz da deusa. É isso o que elas são: súcubos.  Elas o estão iludindo. Querem que tire o exoesqueleto.

Zetes se condensa na frente de Palemon na sua forma alada e esmurra o amigo, na tentativa de quebrar o encanto, mas é inútil. As súcubos atiçaram o desejo de Palemon e ele está surdo para qualquer argumento racional.

- Escute, Palemon! Eu só quero ..

Zetes não completa a frase. Palemon apanhara a manopla da armadura e a transformara numa arma teaser de altíssima tensão. Quase cem vezes a potência das armas usadas por forças policiais do mundo material.

Zetes é derrubado e os dois são cercados pelas mulheres-demônio.

§

NINGUÉM MORRE NO INFERNO!

A escuridão é iluminada por uma chama intensa que surge do nada e se expande, tomando uma forma que lembra vagamente uma figura humana.

É como se o tempo voltasse atrás. Como se uma antiga fita de vídeo-cassete fosse rebobinada. Algumas semanas antes, no tempo do Inferno, a feiticeira da Cólquida fora atravessada pela espada flamejante do arcanjo Gabriel e sua alma se incendiara. Literalmente, se incendiara. Não restara nada de sua essência. Era o que Gabriel acreditara e continua acreditando.

Mas, o Inferno tem suas próprias leis. Ninguém morre no Inferno. O fogo arde e, então, regride. A forma incandescente torna-se, mais uma vez, negra e fria como a noite. A sombra viva volta a tomar a forma de uma bela mulher de longos cabelos negros.

Μηδεια mais uma vez caminha nua no Inferno.

O sentimento de vingança pulsa mais uma vez forte em seu peito.

Ela sorri ao lembrar do inestimável segredo que arrancou de Tântalo ao preço de umas poucas horas de amor e atenção.

Aquele segredo faria dela uma deusa do submundo, a senhora absoluta do Inferno.


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Notas finais do capítulo

11.12.2012
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Eu repeti diversas vezes que NINGUÉM MORRE NO INFERNO. Portanto, não pode ser surpresa para ninguém a volta de Medeia/Nathalie Helms para o grand finale. Ou ela não merece o posto de grande vilã desta vida 5?
PS: Não ainda torcer para que a matem de novo. Se ela morrer no Inferno, volta de novo.
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Tântalo é um dos condenados ao Tártaro e aparece pela primeira vez no capítulo sete vidas epílogo vida 5 capítulo 14. Medeia arranca o segredo que Tântalo ouviu de Zeus em sete vidas epílogo vida 5 capítulo 21.



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