Sete Vidas escrita por SWD


Capítulo 162
sete vidas epílogo vida 5 capítulo 31




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PALEMON

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Não se pode dizer que foi de surpresa. Afinal, o bicho se anunciara fazendo um barulho infernal. O chão estremecia sob as patas do monstro e parecia que tudo o mais estremecia junto. Parecia uma manada e não uma única criatura. Mesmo assim, ao aparecer, surpreendeu a todos. As esferas de fogo conjuradas por Idmon não iluminavam uma área grande. Quando a criatura finalmente surgiu no campo de visão deles, era muito tarde para uma ação coordenada.

Difícil acreditar como algo tão grande pudesse ser tão rápido. Embora todos estivessem alertas e em atitude de combate, na hora H ninguém esboçou nenhuma reação. A escuridão não permitiu que se preparassem para o que realmente iriam enfrentar. A criatura era imensa e sua aparência era intimidante. Era sair do caminho do monstro em disparada ou ser atropelado por ele.

Nem todos tiveram o tempo necessário. Um instante de hesitação e não havia mais como Palemon sair da frente do monstro.

O impacto contra seu corpo foi terrível. Sua sorte é que o exoesqueleto recebeu a maior parte do impacto. Ao ser golpeado, foi lançado para cima e, de alguma forma, ao cair, agarrou-se com força aos chifres que guarneciam a cabeça do monstro sem ser transpassado por eles. Eram vários pares de chifres, de tamanhos diferentes, apontando para diferentes direções. Mesmo atordoado e com o monstro balançando a cabeça para os lados enquanto corria, tentando derrubá-lo, conseguira manter-se no alto, longe da boca da criatura.

A criatura seguiu em frente. Sempre em frente. Talvez nem mesmo tenha notado a presença deles. Talvez tenha sido apenas atraída pela luz. Assim como veio, se foi. Emergiu da escuridão e voltou para ela.

Os outros ficaram para trás. Agora, só podia contar consigo mesmo. Não costumava pensar em si mesmo como um guerreiro, mas como aquele que agia na retaguarda, nos bastidores, para garantir a vitória. Um armeiro, um almoxarife, não um guerreiro. Agora, ia ser posto à prova.

Sempre fora muito orgulhoso da própria inteligência, sempre se gabara que podia mais que qualquer um. Acreditava que a inteligência acabava prevalecendo sobre a força bruta. Era a hora de provar que isso era verdade. Estava sozinho, mas seu intelecto superior lhe daria vantagem sobre as feras infernais.

Descobriu que o exoesqueleto respondera automaticamente para garantir sua integridade física. O exoesqueleto formara uma placa peitoral e um elmo e, graças a isso, não estava ferido. O traje também criara braços mecânicos nas laterais do corpo e eram esses braços extras que tinham evitado que fosse lançado longe ou que escorregasse na direção da boca do monstro.

Não podia criar construtos no Inferno, mas podia alterar a forma do exoesqueleto, um construto gerado no Hades. Não, não estava indefeso, longe disso. A própria criatura podia se transformar numa arma fabulosa. Tudo que precisava era descobrir uma maneira de guiar a criatura na direção da cidade infernal em que Adam Winchester estava aprisionado.

Tinham uma missão. Adam Winchester era o novo velocino de ouro. O destino do mundo e de todos, deles inclusive, dependia do sucesso desta missão

Se cada um deles fizesse a sua parte ..

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AUTÓLICO

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Diabretes. A pior praga do Inferno. Havia os demônios, havia as feras infernais e havia os diabretes. Não tão evoluídos e racionais quanto os demônios, não tão animalescos e instintivos quanto as feras infernais. Reuniam as piores características dos dois grupos e eram a espécie mais numerosa do Inferno.

Sua única razão de existir parecia ser infernizar a vida de toda e qualquer criatura que cruzasse seu caminho. Como viviam em grupos, na maior parte do tempo, infernizavam uns aos outros. Felizmente, eram dispersivos e impacientes e, mais cedo ou mais tarde, cansavam do que estavam fazendo e buscavam outra vítima. Mas, como existiam aos bilhões, podia ser que a vítima passasse a eternidade às voltas com eles.

Eles mordiam, arranhavam, espetavam, lançavam pedras, gritavam e sentiam um enorme prazer ao ver a vítima se debater e se desesperar. Mas, não devoravam suas vítimas. Aparentemente, não precisavam comer nem beber e não tinham necessidades fisiológicas. Não se reproduziam de forma sexuada. Replicavam um segundo corpo, idêntico ao primeiro. O processo lembrava a forma de reprodução típica de seres unicelulares - como amebas - no plano material. Mas, eles eram capazes de algo que nenhum ser vivo no plano material era capaz de fazer. Fundirem-se. Um podia ser tornar milhares e milhares podiam voltar a ser um.

Autólico fora agarrado e levado pelos diabretes. Porque somente ele e o porquê de deixarem os outros em paz, não tinha e não precisava de explicação.

Autólico fora arrastado, mordido, arranhado, cutucado, apalpado, abusado e espetado com lanças improvisadas. Fora lançado em precipícios e jogaram pedras sobre ele. Gritavam em seus ouvidos e faziam uma algazarra capaz de enlouquecer o mais paciente dos homens. Ele não reagia. Continuava fazendo-se de morto. Parecia um boneco nas mãos de crianças ensandecidas. Não reagia de nenhuma maneira.

O mergulho no Aqueronte o tornara invulnerável e eram os diabretes que quebravam os dentes e as garras quando o mordiam e o arranhavam. Sentia incômodo, mas não verdadeiramente dor. Não sabia se os diabretes sentiam dor, mas sabia que os estava deixando frustrados e aborrecidos. Eles se cansavam e se afastavam, mas eram imediatamente substituídos por outros.

Muitos dias, talvez semanas depois, Autólico notou que o número deles parecia estar diminuindo. Já não cobriam totalmente seu corpo. Mais alguns dias, e havia momentos que tinha, quando muito, dois ou três o importunando. Isso passou a ser cada vez mais freqüente. Até que era deixado de lado quase que o tempo todo, salvo uma ou outra mordida ocasional.

Finalmente, levantou e olhou em volta. Estava cercado de escuridão, mas os olhos das criaturas podiam ser vistos no escuro, brilhando em vermelho. Não estava completamente sozinho, ainda havia uma dezena ou duas deles, espalhados, mas era só. Não eram mais um exército.

As criaturas não voltaram a atacá-lo. Provavelmente já tinham quebrado os dentes e as unhas em diversas tentativas. Tinham, é verdade. Mas também era verdade que dentes e unhas tinham se regenerado. Afinal, era da natureza do Inferno que fosse assim.

Autólico começou a se afastar e as criaturas simplesmente o ignoraram. Foi preciso que ele as chamasse, para que viessem com ele. Autólico era esperto o bastante para transformar um problema em um trunfo a seu favor.

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IDMON

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Estalos. Primeiro, poucos e esparçados. Depois, cada vez mais freqüentes. A cada estalo, uma rachadura. Não demora e a forma rochosa apresenta rachaduras por toda a superfície. Em alguns pontos, as rachaduras se aprofundam em sulcos e fendas. Então, as partes começam a mover-se umas em relação às outras. Movimentos imperceptíveis, de início. Mas, logo, seria impossível negar que havia um sincronismo nos movimentos, como se algo vivo estivesse para emergir de dentro daquela forma.

E é exatamente isso que acaba acontecendo. A fina camada de pedra se fragmenta e cai, revelando um homem pálido com os cabelos e as roupas cobertos de poeira cinza.

Ainda atordoado, o homem abre a boca numa ânsia desesperada de encher os pulmões de ar, mesmo que fosse o ar sulfuroso do Inferno. Escapara por muito pouco. Mais uma vez, sua visão profética o salvara da morte certa. Um feitiço de camuflagem, recitado às pressas, no último segundo, o recobrira com o material rochoso do chão sob seus pés. A camada de rocha calcinada, embora fina, o protegera do hálito de fogo da forma dragão da bruxa Medéia.

Mas, não completamente.

O fogo esquentara a pedra em contato com seu corpo, de forma insuportável. Sentira a elevação da temperatura e, pouco depois, sua vista escurecera. Acordara com uma sensação de sufocamento. Mas, não estava queimado. Devia ter ficado inconsciente bastante tempo, porque a batalha acabara e não tinha ninguém à vista.

Estava sozinho, cercado de escuridão. Os únicos sons eram os da própria respiração, ainda ofegante, e o barulho que os fragmentos de pedra que caiam do seu corpo faziam ao baterem no chão de pedra.

A última coisa que queria era chamar para si a atenção das criaturas infernais, mas ficar parado no escuro no meio do nada não o ajudaria de nenhuma maneira. Invoca, mais uma vez, uma esfera de fogo e a luz bruxuleante das chamas revela uma visão assustadora das jaulas de pedra invocadas pela bruxa.

Foi invadido por uma sensação de pesar.

A jaula onde vira Gabriel ser aprisionado não tinha mais vazios. As pontas de pedra cresceram e se cruzaram de tal forma que não deixaram espaço para mais nada em seu interior.

Idmon se aproxima cauteloso, atento a algum som, algum sinal de vida, mas nada. Nem mesmo sangue. Mas, será que o anjo sangra no Inferno? No plano material, segundo Zetes, Gabriel sangrava luz. A ausência de sangue podia não significar nada.

Se Gabriel não arranjara uma forma de escapar, tinha sido esmagado. O quê isso significava? Um anjo pode morrer no Inferno?

O que mais tinha acontecido? Quanto tempo tinha se passado? Onde estaria a bruxa? Estava sozinho. Mas estar sozinho no Inferno até podia ser algo bom. Era um feiticeiro. O maior de todos os tempos. Não estava indefeso. Nem agora nem nunca. Tinha que seguir em frente. Tinham uma missão. Perto do que estava em jogo, todos eram descartáveis.

De certa forma, estava se contendo. Seguindo no ritmo dos demais. Agora não mais. Podia ser mais impiedoso que o mais terrível dos demônios. Com a vantagem que nunca era pego de surpresa. Sua visão profética seria sua bússola. Entraria na cidade infernal e, se necessário, a devastaria. Adam Winchester era uma peça essencial ao plano dos anjos. Tentaria salvá-lo, mas, se não fosse possível, destruiria sua alma. Sabia como fazê-lo.

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NECKER

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Saíra bem cedo. Os caçadores ainda estavam dormindo. Provavelmente, passaram a noite acompanhando os acontecimentos em Creta. Melhor assim. Precisava planejar com cuidados seus próximos passos. Era hora de voltar a pensar mais em si mesmo.

Era a primeira vez que saía de casa desde aquele fatídico domingo em que quase morrera em Rodeo Drive. Já estava recuperado ou bem próximo disto. Agora só doía quando flexionava ou contraía o tórax. Uma dor perfeitamente suportável. A cicatriz também começava a desaparecer. Quem visse acharia que o ferimento acontecera muitos anos antes.

Necker caminhou pela orla de Venice Beach e parou em frente a um charmoso hotelzinho de 2 andares pintado de rosa. O ponto não podia ser melhor. Era sair do hotel e pisar na areia da praia.

– O atorzinho fez uma boa escolha. Se bem que .. estar em Los Angeles neste exato momento pode não ter sido uma escolha tão boa assim.

Necker riu do próprio humor negro.


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Notas finais do capítulo

19.08.2012