Sete Vidas escrita por SWD


Capítulo 105
vida 1 epílogo capítulo 1




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21:03.

A consciência do Dean que conhecemos abandona o corpo que ocupou nas últimas vinte e quatro horas, seguindo para uma realidade que não era a sua e um destino incerto. Mas, naquele momento, ele aceitaria de bom grado qualquer outro destino, por mais incerto que se mostrasse depois. Aquele que estava vivendo era a materialização de seus piores pesadelos. Uma antecipação das torturas que, tinha certeza, sofreria no Inferno.

O alívio que sentiu ao se desprender do corpo foi muito parecido com o que a alma sente no momento da morte. Tanto que ele acreditou que fora isso que acontecera. Intimamente, ele agradeceu a Deus, por tirá-lo do pesadelo que estava prestes a vivenciar. Por livrá-lo de viver com a lembrança que teve o corpo violado. Naquele momento, não sentiu culpa por abandonar sua versão daquela realidade ao destino que este sempre soube que um dia teria que enfrentar.

A consciência deste outro Dean reassumiu o controle do corpo. Forma estranha de descrever o que estava acontecendo. Ele não estava no controle de nada. A sensação de desorientação era total. Sua mente tentava desesperadamente entender o que estava acontecendo. Onde estava? Como chegara ali? A escuridão era total e três pares de mãos disputavam espaço em seu corpo.

Suas pernas estavam firmemente seguras e mantidas imobilizadas contra o chão por alguém muito forte. Sua cabeça estava sendo pressionada contra o chão. Seu rosto esfregado contra o piso sujo e agora levemente molhado por seu próprio suor e o do homem que insistia em invadir sua orelha com a língua e sussurrar obscenidades em seu ouvido. Seu braço estava dolorosamente dobrado contra suas costas e, ao ser empurrado para cima, transmitia espasmos de dor para o resto do corpo.

Mas o que mais o apavorava era a mão que deslizava quase carinhosamente sobre suas nádegas, coxas e pelo espaço entre suas pernas. Lágrimas silenciosas teimavam em escorrer de seus olhos. Escutou apavorado o homem repetir baixinho em seu ouvido ‘relaxa e goza, garotão, relaxa e goza’. Se sobrevivesse, perseguiria aqueles homens até o inferno e os mataria. Os mataria, nem que fosse a última coisa que faria.

O risco de estupro sempre estivera presente em sua vida. Ele flertara com o perigo por tempo demais. O homem se arriscava muito mais do que o caçador de demônios. Ele não podia culpar ninguém pelo caminho que trilhara até chegar ali. Só ele próprio. Quantas vezes prometera que mudaria de comportamento? Primeiro para o pai e o irmão. Tantas, que não podia culpá-los por desistirem de amá-lo. Depois para ele mesmo. Ninguém mais que ele próprio sabia que caminhava para o abismo.

Gritou ao ser invadido por um dedo atrevido. Seu grito ecoou pela delegacia deserta e foi com espanto que viu pouco depois as luzes se acenderem e um policial gritar para que fizesse silêncio.

Olhou em volta. Seu grito acordara seus companheiros de cela e eles o olhavam de forma desaprovadora. Tocou o próprio rosto, os próprios braços. Estava completamente vestido. Suas roupas não estavam rasgadas. Não havia nem sinal dos estupradores. Tinha sido tudo um sonho?? Se permitiu chorar de alívio.

Gabriel, invisível, o olhava com um sorriso divertido, mas sem o ar maldoso tão característico de quando encarnava o Trickster. Dean já tivera o bastante. Sua intenção nunca fora machucá-lo ou traumatizá-lo de forma definitiva. Pretendia apenas sacudi-lo. Mostrar o quão perto do abismo ele caminhava. E, se tudo corresse como pretendia, livrá-lo para sempre daquele comportamento obsessivo-compulsivo.

Dean tinha uma missão quase impossível a cumprir e precisava de Sam ao seu lado para ter alguma chance de sucesso. Era necessário fortalecer os laços entre os irmãos. E Dean estava a um passo de perder Sam para sempre. Sam logo desistiria do irmão e Dean mergulharia no abismo, selando o destino daquele mundo.

O destino deste Dean fora o que motivara Gabriel a escolher La Grande como ponto de partida para seu plano. La Grande era o lar secreto das encarnações humanas dos deuses nórdicos da luz e da escuridão. Eles, e somente eles, podiam salvar Dean.

Gabriel era um arcanjo e anjos não têm o poder de mudar a natureza humana. Na verdade, nem mesmo deuses, isoladamente, têm esse poder. Para mudar definitivamente a forma de agir e pensar do mais insignificante dos homens é necessário que deuses de naturezas opostas e grande poder trabalhem em sintonia, mantendo equilibrada a balança entre o bem e o mal. Deuses de naturezas opostas costumam ser inimigos e, portanto, nunca aconteceu de dois deles concordarem em se juntar para uma empreitada dessas.

Gabriel não podia simplesmente se revelar e pedir que Baldur e Hodur o ajudassem. Ou talvez pudesse, já que Baldur podia reconhecer a verdade, mas depois de tanto tempo encarnando um trickster, passara a pensar como um. De qualquer forma, o Céu não podia tomar conhecimento do que estava prestes a fazer. Precisava parecer iniciativa dos dois deuses gêmeos.

Ao chegar na delegacia pela manhã, o policial Hal Levine soube que o preso Dean Winchester aparentemente tivera um pesadelo e acordara todos os presos com seus gritos. Não deu muita importância ao fato. Mas ao entrar na cela, encontrou Dean ainda tremendo e soluçando, em posição fetal. Não lembrava em nada o rapaz atrevido e desafiador que trancara na cela na noite anterior. Algo dentro dele quebrara. Aquilo o deixou mais intrigado do que propriamente preocupado. Mesmo assim, resolveu chamar o irmão.

A empatia era um dos aspectos mais característicos de Baldur, como deus da verdade. Mark não precisava ser um deus para saber que algo traumatizante acontecera com o rapaz na noite anterior. Fora o responsável pelo rapaz ter sido preso naquela cela e se sentiria responsável se algo de ruim acontecesse em decorrência disso. Mas, o que podia ter acontecido? Acontecera à noite e sua memória divina só registrava o acontecia sob a luz do sol.

Mark pede a Hal que conduza Dean para o parlatório da delegacia e que o deixasse a sós com o rapaz. Dean se deixa conduzir, apático. Não mostra qualquer reação quando Mark se aproxima e coloca a mão sobre sua testa. 

Mark fecha os olhos e vê a vida de Dean, do nascimento até aquele momento, como se fosse ele mesmo a vivê-la. Seus sonhos, seus medos, seus desejos e suas dores. Mark sabia que havia um preço a pagar por se envolver tão intimamente com um humano. Mark já fizera aquilo antes, mas Dean vivera sensações mais intensas e complexas que qualquer outro humano que contatara e encontrava-se emocionalmente muito abalado. Suas emoções tumultuadas invadiram Mark e o desestabilizaram mais do que esperava que fosse acontecer. Naquele momento, Mark era o próprio Dean, com poderes divinos.

Dean tinha uma nobreza trágica e agia imbuído de uma missão. Mas uma compulsão de natureza sexual ameaçava sua auto-designada missão e sua vida. Mas, uma coisa despertou a atenção de Mark mais do que tudo. Dean tinha um nêmesis perigoso. Dean fora vítima da ação cruel de um trickster. Um maldito trickster como o odioso Loki, que levara seu irmão Hodur a matá-lo. Não ia permitir que esse trickster voltasse a explorar a vulnerabilidade de Dean para quebrá-lo psicologicamente. Ia ajudá-lo a se livrar daquele comportamento autodestrutivo.  Mas precisava do irmão.

Mark nunca teve tanta dificuldade antes para convencer o irmão a fazer algo que desejava. Hal não queria nem ouvir falar em usar seus poderes divinos para remover a compulsão de Dean. Por fim, chegaram a um acordo. Não apagariam o gosto por peças femininas da mente de Dean, somente seu componente obsessivo-compulsivo.

Essa operação não podia ser realizada na delegacia, pois não passaria despercebida dos emissários do Deus ora dominante. Precisavam se transportar e a Dean para o Valhala. Não os corpos físicos, naturalmente, pois o Valhala era uma dimensão espiritual.

Dean é tirado de sua apatia quando vê o policial Levine e o irmão, que sabia ser amigo do namorado da garota que tentara levar para a cama, entrarem juntos na sala sorrindo de forma cúmplice e vindo em sua direção. O que pretendiam fazer com ele? Mark e Hal pousam suas mãos sobre os braços de Dean e ele sente sua alma ser arrancada do corpo.  

Sam acordou e viu que a cama do irmão não fora desfeita. Dean não voltara para o motel na noite anterior. Isso nunca acontecera antes. Procurou afastar a preocupação que teimava em ocupar espaço em seus pensamentos. Dean era grandinho e sabia se cuidar.

Já passava do meio-dia quando Sam admitiu para si mesmo que estava sim preocupado com o irmão. Foi até a cidade e levantava informações com moradores quando soube que um rapaz louro, um forasteiro, fora assassinado na noite anterior ao sair de um bar.

Sam sentiu as pernas bambas e quase desabou quando escutou aquilo. Sentiu como se um punho de aço esmagasse seu coração. Sentiu dificuldade de respirar. Não era somente dor. Havia culpa. Culpa por secretamente desprezar o irmão. Por negar o contato físico quando percebia que o irmão precisava de consolo. Pelo sem número de vezes que desejou que o rapaz de olhos verdes que pintava as unhas do pé de vermelho não fosse seu irmão de verdade. Se pudesse voltar atrás.

Implorou a Deus que lhe desse uma segunda chance.

Seu coração batia descompassado quando o legista abriu a gaveta da câmara refrigerada e retirou o lençol branco que cobria o corpo inerte de um rapaz louro, que aparentava ter 22 anos. Sam respira aliviado ao descobrir que o morto não era o seu irmão. Dean estava vivo. VIVO. E ele, Sam, ia fazer de tudo, para continuar tendo o irmão ao seu lado. Não era o irmão que idealizara, mas era irmão que tinha. Só tinha ele. Não podia perdê-lo. Estava mais do que na hora de passar a agir com um verdadeiro irmão para Dean.

Gabriel sabia que não era apenas Dean que precisava de uma forte sacudidela. Sam também precisara encarar a verdade sobre seus sentimentos. E mudar suas atitudes.

Também nesta realidade não pudera evitar a morte de Mark Lawson, mas ao menos sua morte servira para reaproximar Sam do irmão.


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Notas finais do capítulo

04.07.2011

Baldur e Hodur são formas mais conhecidas dos nomes das divindades que Baldr e Hod. Estou usando formas diferentes para ressaltar diferenças entre as realidades.