Todolist escrita por AnaBorguin


Capítulo 6
Capítulo 5


Notas iniciais do capítulo

Penúltimo (ou antepenúltimo xD) capítulo da fic! o/ 



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Nervosismo. Era isso. Fiquei andando pra lá e pra cá durante um bom tempo, meu humor se assemelhando a tempestade que se formava no céu: instável. Parecia uma criança de doze anos entusiasmada com sua festinha de aniversário. Bem pudera, aquele seria um dia importante. Além de ser a última oportunidade de ver minha família toda junta, havia feito vários planos praquela noite. Tudo tinha que sair perfeito!

 Por causa dessa preocupação não conseguia parar quieto. Conferi se minha roupa estava ok. Vestia a mesma camiseta que furtara de Frank em nossa primeira noite, de alguma forma me sentia mais forte com ela.

 Ia na cozinha toda hora pra ver se Bob estava encontrando alguma dificuldade com os utensílios ultrapassados, depois checava se Kath tinha escolhido um vestido realmente bonito e na cor preferida de Bob, em seguida fui tentava ajudar Julian a dormir mais depressa e por fim convencer minha mãe a não colocar todos seus adereços de uma só vez, já que pérolas e plástico realmente não combinavam.

Lá pelas sete horas, Kath me chamou de lado, seu rosto repleto de desconfiança.

- Okay, pode dizer o que você quer. – intimou.

Lancei um olhar com falsa indignação.

- Do que você está falando? – me fiz de surpreso.

- Você chamou até o Bob para cozinhar!

- Oras! Foi ele que se ofereceu – menti – Você sabe que ele é um cara que sempre se preocupa com os outros e...

- Certo, não precisa contar... – balançou a cabeça, derrotada. -  Mas vê lá, viu! Só entendo porque são seus vinte anos – me beijou no rosto e saiu sorrindo.

Eu realmente amava Kath. Quer dizer, havia sido muito mais difícil pra ela tudo o que havíamos presenciado. Esperava que naquela noite eu pudesse começar a desenhar um futuro melhor do que havia sido nosso passado.

Às sete e meia da noite a campainha de casa foi tocada. Abri imediatamente para que Brooke entrasse. Parecia um pouco envergonhado, acho que não era seu hábito freqüentar festinhas de aniversário de pacientes terminais. Sorriu nervoso e me cumprimentou.

- Dr. Brooke! Que bom ter vindo! – Sim, eu estava especialmente simpático aquele dia.

- Dr. Brooke? – Minha mãe se surpreendeu. Ela o conhecia, naturalmente, não poderia esquecer daquele período onde fazia do hospital sua segunda casa. Foi ele quem lhe deu a noticia da morte de meu pai.

- Me chamem de Edmund, por favor! Melhor, me chamem de Ed. – quase ri quando disse isso. Não conseguia imaginar um cara tão sério quanto ele com um apelido tão comum quanto “Ed”.

Minha mãe sorriu envergonhada quando ele a cumprimentou com um inacreditável beijo nas costas da mão. Parecia tão antiquado, acho que era por isso gostava dele. Kath me lançou outro olhar desconfiado, mas só retribuí com um sorriso.

- Encontrei o Dr. Broo... Ed – corrigi, percebendo que assim ficava ainda mais estranho – no mercado, resolvi convida-lo... Já que ele teve uma importante presença em nossas vidas há alguns anos... – comentei vago. Brooke assentiu. Combinou, muito contrariado, que não tocaria no assunto de minha doença.

Após anunciar que a comida estava pronta, Bob sentou-se conosco. O jantar transcorria calmo. Mamãe um tanto impressionada com o excelente currículo de viagem do doutor, Bob retribuindo o sorriso de Kath quando elogiado pela comida... Observava tudo quieto, puxando assunto vez ou outra. Tudo saía como em meu plano. Bom, nem tudo. O último convidado não chegara, mas isto já estava incluso no planejamento.

Já me conformara com aquela idéia de noite quando o som indicou que havia alguém parado a porta. Levantei-me para atendê-la.

- Você não acha que perderia a festinha do meu irmão mais novo, não é? – Gerard ironizou, balançando os cabelos para tirar um pouco da água. A chuva começara a despencar.

Impossível descrever o quão iluminado ficou o rosto de minha mãe que correu para abraçá-lo no mesmo instante.

- Meu filhinho! – disse entre beijos pesado na bochecha dele.

- Oi mãe. – Respondeu entrando.

- Vamos! Sente-se! Está tão magro! – Okay, ser magro era uma das únicas coisas que Gerard com certeza não era. Gee foi literalmente arrastado até um lugar na mesa.

Tão indescritível era a face de minha mãe quanto era a de Kath. Havia repugnância, mágoa, ódio... Tudo assim, misturado, quando ele se sentou.

- Olá, Katherin.

- Olá, Gerard. – disse fria como um cubo de gelo.

O clima ficaria ainda mais pesado. Durante todo o tempo Kath passeava os olhos pela face de Gerard com uma expressão que beirava ao asco, depois com pena se dirigia a minha mãe que insistia em cortar a comida de meu irmão. Para mim seu olhar era de mágoa, como se eu estivesse fazendo aquilo só para obrigá-la a relembrar-se das coisas do passado. Não teria como explicar aquilo tudo. Oras, eu só queria me reaproximar dele.

- Conte-nos tudo, filho! – mamãe perguntava com muita animação, como se Gerard tivesse feito uma longa viagem e preparava-se agora para um show de fotos dos melhores momentos.

- Não há muito que contar – Gerard estava evidentemente incomodado pela minha mãe, revirando os olhos toda vez que ela lhe dirigia a palavra. Insensível, pois é. – Estou morando no centro, o Mikey vem me visitar às vezes...

- Vai é? – Kath perguntou sarcástica. – Anda freqüentando antros, Michael? – devo ter ficado um pouco vermelho. Ela nem imaginava o que eu fazia lá...

- É. – respondi, me calando rapidamente com comida.

- E ainda está com aquele viciado, Gerard? – Kath estava ácida.

- É, o Bert não pôde vir – Gerard mantinha-se calmo, como se Kath estivesse realmente perguntando porque assim desejava saber – Alias, mandou lembranças Mikey – lançou um olhar bem “peculiar” – disse que depois entrega seu “presente”.

Ótimo! Bert e sua boca enorme – literalmente! – já havia contado tudo a Gerard. Imaginando o que meu irmão estava pensando a respeito disso, abaixei o rosto, já bem vermelho.

Kath bufou. Estava com raiva. Não quis olhar. Ficamos em silencio por alguns segundos. Bob e Edmund, constrangidos, comiam em silencio.

- O importante é que você está bem agora – minha mãe filosofou aleatoriamente, como em resposta ao mau-humor de Kath.. – Pelo menos tem uma casa própria!

  Tentei ignorar aquilo, afinal, não passava de uma provocação nua e crua contra mim. Eu ignorei, mas Kath não faria o mesmo.

- Já chega! – Levantou-se e estendeu um dedo em direção a minha mãe – Sabe por que não temos casa própria? Porque toda a nossa renda vai para costear as coisas que o seu filhinho mais velho levou daqui! Porque, pelo que eu saiba, quem trabalha aqui somos somente eu e Michael! – falou tudo isso quase gritando.

Minha mãe encolheu-se assustada. Na verdade, todos se encolheram, exceto a habitual muralha sem sentimentos de Gerard. Nunca havia visto Katherin tão nervosa, mesmo que já conhecesse seu costumeiro pavio curto.

- E você não vai falar nada, Gerard?! – gritou, agora apontando para meu irmão – Não vai falar que a culpa é toda sua? – ela estava saindo de controle. Muito me espantava Julian ainda não ter acordado.

Gerard murmurou alguma coisa. Sorria.

- E você Michael? – novamente, os problemas caiam em meu colo – O que pretendia fazer hoje? Humilhar-me? Jogar tudo em minha cara? – fiquei estático. Não estava entendendo absolutamente nada. – ÓTIMO! – gritou e dirigiu-se ao quarto.

- Acho melhor você ir lá... – Bob comentou apreensivo. Era a primeira vez que se manifestava. Quase o mandei ir em meu lugar, seria tão melhor...

Sem mais alternativas, fui ao seu encontro. Entrei pela porta destrancada. Kath estava na janela, fumando um cigarro compulsivamente, enquanto tremia de nervoso.

- Pensei que você havia proibido o cigarro...

- Nunca consegui largar – completou simplesmente, sem olhar para trás.

Aproximei-me e coloquei uma mão sobre seu ombro.

- O que houve? – a forcei olhar para mim

- Como assim? – seus olhos estavam manchados. Chorava. – Por que você está fazendo isso comigo?

A fitei confuso. Juro que não estava entendo uma só palavra.

- Eu não fiz nada Kath! Não sei do que está falando. – disse com toda sinceridade que há muito tempo não praticava.

Seu olhar se modificou. Não havia mais raiva e sim uma mescla de confusão e pena.

- Não me diga que você não sabe...

- O que?

- Que você nunca soube... – caiu em choro ao notar minha incompreensão.

- Que raios eu deveria saber, Katherin?! –a chacoalhei pelos ombros. Aquilo já estava me deixando desesperado.

- Por tanto tempo eu pensei que você sabia... Que só fingia não saber por que... Por que... Eu não sei, por que preferia assim.

Já me preparava para obrigá-la a dizer o que quer que fosse, quando percebi que tomava coragem. Queria lhe dizer que podia contar sem se preocupar, que nesta altura da vida, tendo uma doença incurável, descobrindo um pai pedófilo e mantendo um relacionamento com outro homem, nada mais me surpreenderia...

- Michael – controlou o choro – Julian não é seu filho...

Ou sim.

- Julian é filho de Gerard...

Não me movi.

- Quando ficamos, já estava grávida de um mês.

Mexi a boca sem emitir som por umas três vezes.

- Você sabia disso...?

- Sim. Eu sabia que estava grávida, eu...

- Gerard sabia?

Ela respirou fundo, parecendo se arrepender de ter começado.

- Sim. Eu o havia procurado logo que descobri. Mas ele não se importou... Só se importava com seus grandes amores: Aquele viado e a cocaína.

- E então você me...

- Estava desesperada! Meus pais haviam me expulsado de casa! E você era tão diferente do seu irmão... eu...

- Não. – tentei controlar a respiração, dizendo frio – Não sou diferente dele.

- Claro que é! Você nunca me deixaria como Gerard me deixou. Não me trocaria por um cara qualquer e meia dúzia de sensações provocadas artificialmente.

Quis rir na cara dela. Acho que devo ter rido. Ou pelo menos sorrido.

- Você não faz idéia de como somos iguais.

Kath me olhou com estranhamento, como se quisesse entender o que se passava.

- O que me valeu a vida inteira ter sido o “Santo Michael”? Hein? – não respondeu. – Eu era apenas um adolescente com uma criança no colo! Uma criança com outra criança!

- Michael... eu...

- Você estragou a minha vida! Você me jogou uma responsabilidade que não era minha! Mais uma vez o meu irmão foi feliz por cima de mim!

Tentou falar, mas eu não deixaria. Não naquele momento.

- Você sabia que aquela foi a minha primeira festa? Sabia que você foi minha primeira garota? – eram perguntas que não esperasse que respondesse – Sabia que eu sonhava ser músico?

- Eu...

- Você me usou! – e eu nunca imaginaria usar uma frase tão clichê como aquela – Você estragou os meus planos! Mas eu te apoiei, e todo esse tempo você amava Gerard!

- Eu te amo, Michael! – Gritou – Não te trocaria por ninguém! Ninguém! – apertou meus braços.

Parei e a olhei. O cabelo bem penteado estava um tanto embaraçado, a maquiagem se misturava as lagrimas.

- Você está errada – constatei – quando diz que sou diferente de meu irmão.

- Por... que?

- Por que eu estou te deixando – seu rosto ficou lívido – para ficar com um viado.

  E assim saí do quarto. Não me lembro dos rostos e suas expressões. Não parei quando Bob pediu. Eu tinha que ir. Sai de casa e corri. Corri como se minha vida dependesse de chegar rápido ao fim da rua.

  Todas as minhas verdades haviam morrido. Há meses atrás eu era Michael James Way, um jovem de dezenove anos que tinha uma saúde perfeita, um pai-herói morto, uma jovem esposa, um filho pequeno e dependente. Nada parecido com Mikey de vinte anos de agora. Enganado e sozinho.

   Acho que quase fui atropelado umas cinco vezes. Não notei. O barulho das buzinas, a chuva cada vez mais forte, a cor vermelha do semáforo, eu não ligava para nada. Tinha que chegar a meu porto seguro. Era só ali que seria feliz. Que poderia esquecer e fingir que tudo estava perfeito. Era minha única verdade.

  Ignorei o porteiro e seu olhar de espanto em relação ao meu estado. Um morador se incomodou com minhas roupas molhadas. Eu realmente não me importava mais.

O número 56 nunca esteve tão longe. Meu dedo trêmulo tocou a campainha e Frank atendeu. A visão de seu corpo coberto apenas de uma toalha presa na cintura era a personificação perfeita de um anjo.

- O... o que aconteceu? – Frank se espantou.

- Fran...Frank... deixe-me entrar... Preciso falar com você... – disse ofegante - Quero contar tudo...

- Frank! – foi a voz de uma terceira pessoa que vinha de algum cômodo, o banheiro, supus. – Quem é?

Meus olhos se chocaram contra os de Frank, que desviou imediatamente.

- Tem alguém aí? – indaguei.

Não respondeu. Por que não respondia?

- Frankie... – novamente a voz. E então eu percebi.

Não precisei ver para saber exatamente quem era. Aquela voz esganiçada e zombeteira. A mesma voz que já gemera tantas obscenidades em meu ouvido.

- Mikey? – Bert chegou até a porta. Também tinha apenas toalha presa à cintura, mas sua visão não era nada angelical. Era demoníaca. – Mikey, o que faz aqui? – sorriu - Aliás, ficou muito bem com minha camiseta!

Olhei para baixo para constatar o que estava vestido. A mesma roupa daquela mesma noite.

 Frank parecia confuso com o encontro. Ele me perguntou alguma coisa, mas eu não entendi. O ar estava faltando, minha cabeça começara a rodar. Bert está falando algo para ele que eu não escutava. Ele tinha que calar a boca! Não podia falar! Não podia! E por que estavam de toalha? Eu precisava vomitar! Por que isso estava acontecendo? Eu estava enjoado, minha cabeça doía cada vez mais. Eu realmente precisava de ar. As coisas ficavam pretas assim? Não deveria haver uma tal luz...? Talvez aquilo fosse a morte.

Ou talvez fosse só minha última verdade morrendo.



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