In Between escrita por dearcamzie


Capítulo 4
Chapter II




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Planeta C-53 — Terra.

Faz-se desnecessário relatar que o trajeto percorrido por Carol Danvers durou alguns minutos. A análise da física clássica aponta que, o tempo decorrido em uma trajetória retilínea e uniforme, posto que a aceleração só ocorreu nos instantes inicial e final, se determina pela razão entre a variação do espaço percorrido pela velocidade média. Adotando a velocidade média como a maior já registrada, e levando em consideração o tempo, pode-se ter uma breve noção do quão longe ela estava. Sua mente funcionava como uma máquina incansável, inúmeras possibilidades lhe ocorrendo em uma enxurrada que a irritou. 'Pare de pensar o pior, Carol', a mulher repetia a si mesma. 

Adentrando a atmosfera terrestre, ela se permitiu aumentar sua intensidade de desaceleração, direcionando seu olhar para o dispositivo em seu braço para que soubesse exatamente onde deveria ir. Seu equipamento a conduziu a uma espécie de complexo, o local estava repleto de pessoas, mas ela era furtiva o suficiente para entrar sem atrair muita atenção.

     — Olá, senhorita Danvers. - Ao menos pensou que era, até ouvir aquela voz que, aparentemente, vinha do nada. — Não se preocupe, sua chegada foi previamente avisada por Nicholas Fury, todas as defesas foram desativadas assim que reconheci sua assinatura corporal.

A loira estreitou os olhos, buscando de onde saíam aquelas informações, seu olhar percorrendo a sala onde estava.

       — Perdão, sou Sexta-Feira, uma inteligência artificial criada por Tony Stark.

     — Onde está Fury? - Indagou Carol.

     — Ele e os Vingadores saíram em uma missão há aproximadamente 20 minutos. - Informou.

     — Relatório?

     — Um novo planeta se materializou em nosso sistema solar, e as leituras indicaram mais de cem naves hostis de cunho militar adentrando a atmosfera terrestre.

Conforme Sexta-Feira lhe apresentava as informações, hologramas surgiam em frente a loira, permitindo-a acessar imagens antigas e ao vivo. Chicago era o epicentro do evento, havia uma mulher, e por seus muitos anos em trabalho diplomático interplanetário, Carol pôde pressupor que fosse uma rainha. Sua presença imponente e liderança evidente não davam margens para qualquer dúvida, sem contar no adorno em suas vestimentas. Para além disto, a ruiva mantinha uma escolta de defesa ao seu redor enquanto, guiados por suas ordenanças, um pequeno grupo especializado abateu Thor. 

Carol sentiu a energia fluindo por seus poros, como pequenos formigamentos na ponta de seus dedos. Fury não estava ali, ao menos não de forma visível, mas quando um porta aviões de dimensões imensuráveis se corporificou no desenrolar da cena, ela soube que ele era o responsável. Girando seu corpo no próprio eixo, seus passos a guiaram até a janela mais próxima.

     — Senhorita Danvers, uma nova anomalia surgiu.

A informação fez seu corpo retesar, e virando-se, ela pôde ver que havia uma nova garota na equipe que estava segurando as pontas com um fluir vermelho. Não sabia o que era, aparentemente magia? Não havia como afirmar ou negar. Contudo, ela havia sido a responsável por destroçar uma das naves hostis, e agora ajudava Thor.

      — Relatório da anomalia, Sexta-Feira.

Consciente de que seu trabalho em equipe muitas vezes se desdobrava em compartimentos, ela enfrentava a realidade de não poder estar simultaneamente em todos os lugares, envolvida em todas as batalhas. Uma nova situação emergiu, clamando por sua atenção, enquanto os Vingadores já estavam imersos em suas próprias demandas. Em meio a dinâmica de nossas rotinas, nem sempre somos presenteados com escolhas claras ou até mesmo com opções, mas quando estas surgem, apresentam-se de maneira tão esdrúxula que, muitas vezes, apenas uma delas se revela plausível.

     — Acabei de receber dados de um novo país, Kaznia.

     — Um novo país?

     — Sim, como se existisse desde antes.

      — Onde se localiza?

      — Europa Oriental, nas proximidades de Rússia e Sokovia. O país possui um governo caótico, está passando por uma espécie de guerra civil, os militares assumiram o comando há aproximadamente três anos, mas os conflitos permanecem intensos. Opositores revolucionários tentam manter os confrontos ativos, porém a crise humanitária dificulta o processo. Há relatos de deslocamento populacional, e alguns refugiados foram encontrados na Rússia.

Como uma IA de alto desempenho, Sexta-Feira fornecia à Danvers todos os dados citados, imagens, documentos, vídeos e muito mais. Carol se encontrava em um emaranhado insano, como aquele país que havia surgido naquele instante possuía tantas informações, inclusive com relação à organizações supranacionais? Como pessoas daquele país estavam refugiadas em outro, com seus registros ativos, se a toda a população havia acabado de se manifestar? As respostas se perdiam naquela avalanche de dúvidas e confusões. Era intangível para sua compreensão, como uma anomalia pôde, tão facilmente, se conectar com relações pré-existentes na Terra? O caos em Chicago agora era como um borrão enquanto os olhos de âmbar passeavam pela enxurrada de informações recém chegadas. 

     — Encontrei uma atividade suspeita na base militar central de Kaznia, senhorita Danvers. Gostaria de se informar a esse respeito?

     — Sim, por favor.

     — Análises de vídeo me forneceram dados de um treinamento de alto rendimento com uma espécie de metahumano.

     — Preciso de mais do que isso, Sexta-Feira.

     — Um instante, checando as documentações. A base militar não possui computadores, todos os dados estão manuscritos ou datilografados.

     — Há algo a ser escondido.

     — Certamente, ainda processando as imagens registradas pelas câmeras de segurança, senhorita Danvers. Temo que leve alguns segundos, a qualidade é baixa.

Aproveitando aqueles instantes de espera, a mulher deslizou suavemente a mão entre os fios sedosos de seus cabelos, sentindo a textura macia escapar por entre seus dedos. Um suspiro longo escapou de seus lábios, como se tentasse expulsar a confusão que pairava no interior de sua mente. Insanidade. Era a palavra que ecoava em sua cabeça, repetindo-se como um mantra incessante. Tudo ao seu redor parecia mergulhado nessa insanidade inexplicável, e ela ansiava desvendar os costurados fios que teciam a trama surreal daquela realidade na qual, agora, ela se encontrava imersa.

O latejar pulsante na altura da nuca, uma dor aguda e persistente, fez a mulher erguer delicadamente a mão até essa região. O contato revelando-se como uma tentativa de acalmar a pulsação frenética que ecoava em sincronia com os acontecimentos ao seu redor. A dor, no entanto, não era apenas física, era uma manifestação palpável do turbilhão de questões que assombravam seus pensamentos. Os olhos se apertaram com força, uma busca estúpida e visivelmente ineficiente de escapar de tudo que lhe ocorria.

     — Kara Zor-El, uma doppelganger da Supergirl. Encontrada ao aleatório, desprovida de memórias, foi testada e aprimorada, instruída a aprender a língua materna de Kaznia, e conter suas demonstrações de poder.

     — Quem diabos é Supergirl? - Carol parecia prestes a gritar, sua voz balançando em um esganiçar.

     — Não tenho registros para essa citação, continuarei a investigar. Kara não possui DNA humano, seus poderes incluem: superforça, voo, visão de calor, superaudição, invulnerabilidade, supervelocidade, sopro congelante, sentidos aprimorados, rápida regeneração e visão de raio-x. Ao menos são todos os que estão listados nos documentos referentes a ela.

     — Você só pode estar brincando...

     — Não poderia, senhorita Danvers, sou programaticamente incapacitada de reger brincadeiras deste cunho. - A sobrancelha de Carol se ergueu, a cabeça tombando suavemente em um manear de exasperação. — As pesquisas, testes e treinamentos estão sendo liderados por um homem chamado Alexander Joseph Luthor.

     — Mostre. - Solicitou.

À medida que as cenas dos treinamentos apareciam diante da loira, ela ficava cada vez mais envolvida no espetáculo visual de habilidades extraordinárias. Inicialmente, sua reação era de mero espanto ao contemplar a magnitude dos poderes da jovem em cena. Sim, era apenas uma garota. No entanto, conforme as imagens avançavam, revelavam não somente a amplitude dos dons sobrenaturais, mas também os absurdos sofridos por essa garota.

A loira testemunhou, através dos hologramas projetados, as táticas manipuladoras de quem pressupôs ser o Luthor, que utilizava habilmente as palavras para esculpir a identidade da jovem de uma maneira que beirava o estado doentio. Cada interação era um jogo psicológico bem articulado, uma dança de dominação que deixava Carol atônita perante a frieza calculada do homem. Não que ela fosse leiga neste assunto, lembrava-se bem de todas as vezes que Yon-Rogg teceu palavras para a manipular igualmente. 

Carol absorveu cada momento em que a garota era punida implacavelmente com armamentos de choque. As cenas se repetiam, destacando a incapacidade dela de conter seus próprios poderes, uma manifestação descontrolada que sempre resultava em dor e sofrimento. Cada punição se tornaria-se uma cicatriz emocional na psique da jovem loira, e Carol, embasbacada diante daquele cenário doloroso, sentia seu próprio coração se contorcer em simpatia e repulsa.

     — Sexta-Feira, preciso das coordenadas. - Seu tom fora grave e determinado.

     — Senhorita Danvers, este não é o curso de ação mais prudente. Gostaria de reforçar a necessidade de se evitar um acidente diplomático.

     — Não me interessa a diplomacia, estão torturando a garota! Isso não é correto, e se eu não posso salvar alguém por medo de acidentes diplomáticos, que tipo de pessoa eu sou?

     — Não contenho uma resposta precisa ao seu questionamento. Contudo, sou condicionada a servir todos os Vingadores que atuam neste complexo. Os dados da localização da base militar estão sendo enviados neste instante.

     — Obrigada, Sexta-Feira. - Sua atenção agora já se dirigia aos números que apareceram em seu dispositivo, indicando as coordenadas cartográficas.

     — De nada, senhorita Danvers.

O próximo momento surgiu diante da loira, que agora já estava imersa na vastidão do céu que se estendia à sua volta enquanto cortava os ares como a Capitã Marvel. Uma experiência que a nostalgia lhe trouxe após tantos anos, voar na Terra, uma lembrança distante que ressurgia como uma suave melodia do passado. No entanto, era excluso reforçar que sua memória não era um terreno firme.

Os Krees, com sua interferência, haviam distorcido e desconfigurado fragmentos de sua história pessoal. Cada lembrança era um quebra-cabeça desordenado, uma narrativa fragmentada que ela tentava reconstruir nas horas silenciosas da noite. A tarefa de recordar quem era e de onde veio tornou-se uma batalha diária, uma luta constante contra a amnésia imposta por aqueles que ela julgou serem seu povo. A incerteza sussurrava em seus ouvidos, e ela mal podia respirar sob o peso da falta de informações, mesmo as poucas que tinham pareciam peças espaçadas e sem ligação. A busca por respostas era como uma busca pela própria essência perdida, uma jornada em que cada revelação em potencial era esperada com uma mistura de esperança e temor.

Possivelmente, foi exatamente por esse motivo que uma onda de compaixão a envolveu tão intensamente diante da garota. Kara. Era um bom nome. Será que ela tinha consciência de seu próprio nome, ou fora-lhe imposto um rótulo que não condizia com sua verdadeira identidade? Essas eram incógnitas que Carol sentia uma urgência irresistível em desvendar, a parte consciente de sua mente não alcançava a proporção desta necessidade, mas em seu íntimo, tudo era devidamente claro.

 Ajudaria a garota, como gostaria de ter sido ajudada desde o início. Libertaria-a deste emaranhado de mentiras que a aprisionava, mentiras habilmente tecidas para manipular e esculpir vidas em armas de guerra. A sensação de ter sido, ela mesma, moldada por essas enganações era uma cicatriz em sua memória, uma ferida que Carol estava determinada a evitar que Kara compartilhasse.

Voando pelos céus, sentia o peso da responsabilidade em seus ombros, a sensação lhe era estranha, ela não era capaz de explicar, mas era real e palpável em seu interior. Havia uma promessa silenciosa, direcionada a ninguém em específico, mas que arrebatou-a em um compromisso que nem ela mesma sabia que poderia sentir. Uma promessa, talvez a si mesma, de que não permitiria que outra alma fosse consumida pelo mesmo destino cruel que ela havia enfrentado, não permitiria que a usassem para tirar vidas inocentes. 

Quando a paisagem opaca de Kaznia invadiu seu campo de visão, ela pousou. Uma cratera se formou, e o pouco de terra amontoada sobre o asfalto voou. Não poderia se importar menos. Recepcionada por uma comitiva armada, inspecionou como entraria.

     — O caminho mais rápido é a entrada principal, senhorita Danvers.

     — Sexta-Feira? - Sua surpresa sincera somou-se à suas feições.

     — Tomei a liberdade de vir auxiliá-la.

     — Eu... agradeço?!

     — Os militares estão propensos a atirar. Após sua entrada haverá um grupo de 20 homens. Kara Zor-El está localizada no subnível 5, 15 metros abaixo do solo.

     — Podemos resolver isso facilmente. Pode me guiar lá dentro?

     — Sem dúvidas, senhorita Danvers.

Com um sorriso de canto, Carol inclinou a cabeça em resposta ao desafio. Os soldados iniciaram uma salva de tiros assim que ela ousou dar um passo à frente. Estrategicamente posicionados em compartimentos de munição ao redor da base, os militares se tornaram alvos da imparável torrente de rajadas fotônicas emanadas por ela. A vantagem de ser parcialmente indestrutível e capaz de absorver energia revelou-se fundamental. A cada investida dos soldados, seus poderes cresciam, alimentando-se da energia mecânica desferida contra ela. Era uma equação simples e eficaz.

Um a um, os soldados foram incapacitados pela destreza da Capitã. O choque fotônico que ela emanava tornava-os impotentes, deixando-os caídos, e na maior parte das vezes, inconscientes. A energia pulsante que fluía de suas mãos não apenas a livrava dos inimigos, mas também desafiava a própria arquitetura da base militar. Muros cediam perante seus socos energizados, e portas se materializavam onde antes não havia passagem visível. A aura de poder que a envolvia transformava cada obstáculo em uma mera formalidade diante de seu óbvio poder.

      — À esquerda, senhorita Danvers.

Refreando seus passos, ela virou na direção instruída, encontrando com as escadarias. Após abrir uma das portas, foi recebida com mais alguns projéteis voando em direção a seu rosto.

     — Sério, Sexta-Feira?

     — Perdão, senhorita, eles acabaram de adentrar as escadarias.

Revirando os olhos de forma teatral, seguiu incapacitando um a um. Quando alcançou o subnível 4, se deparou com mais uma delegação composta por 10 soldados.

     — Rapazes, vocês deveriam ser mais receptivos com as visitas, não acham? - Sua expressão era divertida, os lábios dobrados em um crispar.  — Eu realmente não queria lutar, mas já que vocês estão com toda essa disposição. - Um muxoxo se uniu ao movimento de seus ombros.

Ela livrou-se deles também, seus movimentos coordenados e precisos, graças ao seu treinamento militar na Terra e em Hala. Suas mãos derretiam os armamentos, os deixando aos pés de seus portadores, enquanto seus socos serviam para levar seus inimigos ao chão. A força dos golpes diretos era medida, sua intenção jamais sendo a de abater, apenas incapacitar e conter. Ela precisava chegar à garota e estava ciente que os homens ali presentes, ao menos em sua maioria, eram apenas marionetes controladas, servindo ao propósito ordenado por seus superiores, mesmo que não soubessem exatamente o que faziam. Descendo o último lance, havia um enorme corredor a ser percorrido.

     — Sexta-Feira?

     — Kara Zor-El está em uma cápsula.

Abrindo a porta de supetão, ela pôde ver mais seis homens fortemente armados. Grunhindo em irritação, encarou seu dispositivo como se pudesse sacudir a IA pela falta de informação sobre os homens, mais uma vez.

      — Vocês não acabam nunca?

Foram precisos mais alguns segundos até que ela pudesse por fim se focar no compartimento a sua frente. Sexta-Feira se responsabilizou por abaixar as paredes hexagonais, permitindo a Carol o vislumbre da garota que parecia assustada ao cair no chão, para trás. Suas sobrancelhas se ergueram em análise, e pacientemente, estudou os traços alheios, permitindo que a mesma tomasse seu tempo para se adequar a situação. Carol não pôde evitar o sorriso de canto que enfeitou seus lábios ao ter os olhos cerúleos sobre os seus.

     — Oi, Kara! - Arriscou o nome, e pela reação da garota, ela sabia que se chamava assim. — O que está fazendo ainda no chão? Vem, precisamos ir!

     — Senhorita Danvers, os guardas estão se aproximando.

Ela havia ouvido, o burburinho crescente e as armas sendo empunhadas. Uma em específico parece ter gerado uma reação na garota, o armamento de choque. Estendendo sua mão, Carol tentou mais uma vez.

     — Vamos sair daqui.

Ofertando novamente, ela a assistiu ponderar. Certamente não seria fácil, afinal de contas, quanto tempo Luthor havia tido com ela para costurar sua mente ao seu bel-prazer? Mesmo que não houvesse tido tempo suficiente, a Capitã sabia que ainda era a desconhecida que a propunha sair do único local que ela conhecia. 

     — Alex...

     — Ei, Alex não pode vir conosco agora. Se você escolher ficar, eles vão continuar te machucando, Kara. Não quero que façam isso com você. Por favor.

Usando estratégias mentais, ela tentou da melhor maneira que podia, baseando-se no que viu ser a personalidade da garota naqueles poucos vídeos.

     — Senhorita Danvers, estão no subnível 3.

Quando Kara aceitou sua mão, Carol sentiu uma onda de calor inexplicável percorrer seu corpo. A vontade de comemorar quase transbordou, refletida em um sorriso que se alargou em seus lábios em gratidão. Nos olhos surpresos da garota, ela percebeu a expressão se tornar intrigada no momento que suas mãos se uniram. A curiosidade contida em Carol era palpável, e ela mal podia esperar para descobrir o motivo pelo qual a garota parecia reagir à ela. Por hora, no entanto, havia uma jornada à frente, e as mãos unidas simbolizavam uma espécie de aliança, a jovem estava confiando nela, e Danvers esperava arcar com tal responsabilidade. As perguntas podiam esperar, pois o momento pedia avanço.

      — Sei que você pode voar, mas será mais rápido se eu te transportar comigo. Confia em mim?

Aquelas palavras, proferidas como enigmas, ecoavam na mente de Kara, provocando uma reflexão sobre o significado subjacente da confiança. Era um conceito que parecia escapar-lhe, uma complexidade que desafiava sua compreensão. Apesar do olhar refletir a falta de entendimento, como um espelho da alma confusa, Kara tomou uma decisão silenciosa. O aperto que sua mão exercia, antes firme, intensificou-se, tornando-se uma resposta silenciosa que Carol soube ler. Trazendo o corpo contra o seu, o braço apossou-se da cintura alheia, e de maneira firme, ela a segurou.

     — Subnível 4 e descendo as escadas.

A informação lhe fez pensar, não arriscaria enfrentar os militares, não com a garota ao seu lado. Por mais que soubesse que ela possuía poderes que incluíam a invulnerabilidade, não quis testar a amplitude destes. Sua destra alcançou os cabelos loiros escuros e ela gentilmente guiou o rosto contra seu ombro, o corpo brilhando em energia, fazendo com que seus pés saíssem do chão. Quando ela irrompeu pelo teto, os guardas chegaram à sala onde anteriormente estavam. Seus projéteis sendo disparados em direção aos dois corpos, mal alcançaram a proximidade do êxito. Seu corpo continuou a destruir as paredes grossas de concreto enquanto sua energia, que criara um campo estático servindo como uma redoma, se responsabilizava por manter os destroços longe das duas. 

• • • 

À medida que os minutos se desenrolavam, uma crescente preocupação começou a atingir Carol. A garota, imóvel, mantinha uma postura rígida, mãos meticulosamente dispostas sobre os joelhos, enquanto seu olhar parecia perdido em algum horizonte inalcançável. Era como se o tempo tivesse estagnado ao seu redor, e Carol, em uma ansiedade inquietante, começou a questionar se algo além da compreensão visual estava afetando a jovem, sua mente girando em especulações. Teria a garota sido quebrada? Algum fragmento de concreto, teria atingido sua cabeça, deixando-a em um estado catatônico? 

A mente de Kara, no entanto, era um contraponto ímpar aos pensamentos de Carol. O caos progressivo e gradual era o que sugava suas energias. Se sentia fisicamente doente de tanto pensar. Sequer sabia onde estava agora, quem era aquela mulher que a tirara de Kaznia, e por qual motivo havia aceitado sair com ela. Bem, claro, havia a questão dos choques. Seus pelos arrepiavam-se apenas com aquela sórdida memória. 

Estaria Alex bravo com ela? Ele sumira desde que a colocara na cápsula. Este pensamento erguia mais uma quantidade imensurável de outros: por que não havia mais kryptonita no ar? Por que Alex sumira e não viera em seu auxílio? Os questionamentos se amontoavam em seu já aflito âmago, os dígitos se apertando ao redor de seus joelhos em um clássico sinal de pânico. Seu corpo começou a se mover sozinho, tombando para frente e em seguida para trás.

     — Ei, Kara... - Sua imersão fora tão bruscamente interrompida por aquela voz que a fez sobressaltar. — Perdão, eu não quis te assustar.

A mulher agora não estava mais com sua roupa colada e chamativa, suas vestes na verdade a fizeram pensar na mulher que costumava acompanhar Alex. Uma calça jeans, coturnos pretos e uma regata justa. Embora a quantidade fosse perceptivelmente menor, o que a levou a imaginar que este clima não era tão frio quanto o de Kaznia.

     — A-Alex... Alex ficará bravo com Kara, com... comigo?! - Seu inglês era péssimo, ela pôde notar porque mal conseguia formular aquela frase sem se enrolar e carregar consigo um sotaque evidente.

Carol, no entanto, se encontrava encantada com a situação. A expressividade da menina a sua frente tornava tudo ainda mais interessante. Não que ela estivesse zombando de sua dificuldade de fala, longe disso, mas era adorável o contorcer de seu rosto naquela curta frase.  

     — Posso falar em russo com você. É mais fácil? - Sua inteligência a habilitava a inúmeros feitos, entretanto, o saber desta língua se devia ao tradutor universal em seu dispositivo que replicava perfeitamente sua voz. Assistindo-a olhá-la com interesse e o ensaio do que ela supôs ser um sorriso, percebeu tudo isso se desmanchar em uma carranca, como se um pequeno gatilho a empurrasse novamente para a indiferença. — Kara?

     — Não. Preciso treinar meu inglês. Alex ficará bravo se não souber o suficiente.

Como se os muros se reerguessem ao seu redor, a mais nova se fechou mais uma vez. Essa oscilação intrigava Carol, e a fez querer entender melhor o que acontecia em sua frente.

     — Me chamo Carol Danvers.

     — Kara. Mas você já sabe disso.

     — Tem razão.

     — Como me encontrou?

     — Sexta-Feira. - Chamou.

     — Sim, senhorita Danvers. - A IA respondeu de imediato, fazendo a garota se surpreender.

     — Poderia mostrar à Kara como a descobrimos? Os detalhes de Kaznia, por favor.

Quando as imagens holográficas surgiram pela sala, Carol poderia jurar que a garota se fundiria ao tecido acolchoado do sofá onde estava. Era um hábito estudar os seres, mas em todos esses anos, ela nunca encontrara um tão transparente e turvo ao mesmo tempo. Seus pensamentos foram tirados quando ouviu o silvo de agonia proveniente da figura a sua frente, percebendo que os vídeos eram de sua tortura.

     — É o suficiente, Sexta-Feira. - Quando as imagens sumiram, ela ainda tinha dificuldade para respirar. Lufadas pesadas e ruidosas lhe escapavam e Carol se projetou para frente em sua poltrona, alcançando as mãos alheias. — Eu sinto muito por tudo que passou, Kara.

Afastando as mãos, ela se levantou em um movimento fluido e rápido. Muito rápido. A palma apoiando a testa, antes de deslizar por seus fios grossos.

     — Kara - Eu! Eu preciso voltar para Kaznia. Alex ficará furioso por ter fugido, e então... então haverá mais castigos. Por favor, voltar para Kaznia. - Seus passos a levavam de um lado a outro, tonteando a mais velha.

     — Ei, ei! Está tudo bem. Você não precisa voltar para Kaznia. - A garota lhe encarou como se ela fosse louca, enquanto seu corpo se posicionava a sua frente, impedindo-a de prosseguir com seus movimentos repetitivos. — Kara, escute, isso que faziam com você, não é correto.

     — Não, não! Alex se importar, se importar comigo. O nome, é a única coisa de que me lembro. Precisar de respostas e só Alex tem!  Por que não me lembrar de nada? Quem eu sou?

     — Se ele permite e incentiva que você seja maltratada, as respostas dele não serão as corretas.

     — Carol mente. - Seus olhos brilharam em lágrimas, haviam tantas emoções naquele momento. Carol se reconheceu ali, reconheceu o sentimento de quando descobriu que tudo que vivera com os Krees não passaram de uma rede de mentiras.

     — "Não, Kara, eu não minto. Você sabe que o que fazem com você é doloroso, sente bem no fundo, no seu coração. Se ele te conhecesse e fosse bom de verdade para você, acha que doeria?" - Sua voz soou em um russo perfeito.

Os lábios da menina tremeram, e seus olhos, inundados, não puderam mais conter a voracidade das lágrimas grossas que lhe escaparam. O dorso de sua canhota se comprometeu com a limpeza de sua face, varrendo a umidade que manchava suas bochechas para longe. Desviando o olhar, buscou esconder seu rosto, porque mais e mais lágrimas chegavam e ela não poderia se mostrar tão fraca.

     — Pode eu ir para o quarto? Cansada. - Novamente sua voz soou em um inglês confuso e embolado, fazendo Carol suspirar.

Já havia exigido demais, sabia que era o suficiente por hora. No seu momento, tivera Maria Rambeau para auxilia-la com aquela enxurrada de informações que a desnortearam, um rosto familiar que a conhecia melhor que todos. Kara, por sua vez, não tinha ninguém. O único que acreditara ter, era na verdade, o seu pior inimigo.

       — Claro, Kara. Sexta-Feira, pode guiar Kara até um quarto disponível?

       — Certamente, senhorita Danvers. 

      — É uma inteligência artificial, não sei se sabe o que é isso, mas... apenas siga as instruções dela.

A loira concordou com um aceno breve e brusco, seu desejo de estar só para reorganizar os pensamentos era maior do que tentar compreender o que era uma inteligência artificial e como a voz dela saia pelas paredes.


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