O Anjo na Gaiola escrita por Autora Juvi


Capítulo 2
II




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Sair do quarto era raro. Mas, por mais que quisesse conhecer outros lugares além daquele cubículo, Sephiroth odiava quando o levavam para perto daquele homem.

Os sorrisos dele eram estranhos. O modo como ele movia os dedos era estranho. Até mesmo o par de óculos de lentes redondas que ele usava era esquisito, como se fosse errado que estivessem ali, na cara dele, e não na de outra pessoa mais agradável.

No entanto, agora Sephiroth só tinha certeza de três coisas: que o estavam levando para aquele homem de novo, que seu corpo todo ardia em febre, e que a coceira de antes se tornara uma dor insuportável.

Transitando entre o acordado e o inconsciente, ouvia o ruído irritante das rodinhas da maca onde o colocaram deitado de bruços, coberto com um lençol branco somente da cintura para baixo.

Com a cabeça virada de lado, via vultos dos cenários ao redor. Poderia jurar que havia braços enormes por toda parte, com um único dedo afiado, todos voltados na sua direção, como se quisessem perfurá-lo.

Sephiroth murmurou algo, talvez um pedido de socorro, mas seus pensamentos estavam tão embaralhados, tão voltados para a dor, que ele nem sequer conseguia acompanhar a própria linha de raciocínio — se é que existia alguma no momento.

As rodinhas pararam de fazer barulho. O cenário também ficou só um pouco mais nítido, mais iluminado também. Era tudo branco, como se o tivessem levado para dentro da luz no teto de seu quarto, que deixava manchas coloridas em suas vistas sempre que ficava a encarando por tempo demais.

Ouviu passos apressados e murmúrios, depois sentiu uma mão quente sobre suas costas, e então sobre a cabeça, como que verificando algo; talvez essa pessoa queria ter certeza de que a febre não havia baixado.

— Continua acordado — disse alguém que estava perto. Não soube dizer se era homem ou mulher. Mas a verdade era que Sephiroth nem sequer se lembrava de já ter escutado qualquer voz feminina que não saísse da telinha onde lhe deixavam assistir Mog, o Moogle Feliz. — Acredito que a pele e a musculatura dele são muito duras, e que não estão permitindo passagem para esse… hum… membro, então pensamos que…

— Que isso é muito mais sério do que um bebê com as gengivas doloridas, e por isso é sensato quebrar a minha concentração e me tirar da minha sala? — rosnou aquele homem. Com certeza era aquele homem. Sephiroth estremeceu. — Você é patético. Todos vocês são! Isso se resolve com um bisturi. Até uma faca esterilizada serviria, na falta dos equipamentos certos! Ah, por favor…

— Mas… Professor, não seria melhor administrar uma dose de anestesia antes?

— O que é isso, uma convenção de diplomas comprados? — Aquele homem suspirou alto. — Eu preciso mesmo confirmar o óbvio?

— Não, senhor… 

— Então o que estão esperando? Querem que eu segure suas mãos também e mostre qual o jeito certo de abrir a pele de uma criança sem matá-la? Todos sabíamos que, mais cedo ou mais tarde, isso aconteceria. As células estão se desenvolvendo, evoluindo, se reunindo. Não precisava desse estardalhaço todo.

A pessoa que conversava com aquele homem parou de responder.

Aquele homem suspirou de novo. 

— Saiam daqui — disse. — Me deixem sozinho com o menino. Já percebi que, se não for eu a fazer isso, vocês irão aleijá-lo. E se qualquer um de vocês deixar qualquer cicatriz neste espécime, qualquer mínimo arranhão, vocês serão as próximas iscas para a minha lista de testes práticos de hoje.

De novo, ninguém respondeu.

— Vamos, saiam! — Aquele homem gritou, e Sephiroth estremeceu outra vez.

De repente, uma tontura absurda se mesclou à dor e fez com que Sephiroth tivesse a sensação de estar afundando na maca, ou em água, ou na escuridão densa de sua própria mente.

Mas, ainda durante a queda no abismo que se abriu abaixo dele, a voz daquele homem o alcançou, como um sussurro ao pé do ouvido. Talvez fosse mesmo.

— Aguente, garoto — disse ele. O tom daquele homem era contente, e a sensação gelada dos dedos enluvados dele sobre seu ombro era terrivelmente nítida. — Essa dor não é nada, é só mais uma prova do quanto você é especial. Ah, sim… Você é muito, muito especial.

Depois disso, Sephiroth não soube mais identificar frases inteiras, nem qualquer outro som, pois sua consciência mergulhou em um limbo silencioso quando a dor se tornou impossível de suportar acordado.


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