O Anjo na Gaiola escrita por Autora Juvi


Capítulo 1
I




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— Coceira chata — murmurou o menino, se contorcendo e esticando os braços para trás na tentativa vã de alcançar um ponto específico no ombro direito. — Aaah, não para nunca!

Decidiu tirar a roupa branca, cujas mangas estavam ficando curtas para seus braços, e esfregou as costas no colchão da cama, como fazia um dos personagens do desenho animado que os médicos que o visitavam diariamente permitiam que ele assistisse através de uma telinha pequena o suficiente para caber na palma da mão; o celular, como eles chamavam.

Em Mog, o Moogle Feliz, o bichinho de nariz vermelho costumava esfregar as costas num tronco de árvore para se livrar da coceira. Por isso, pensou que funcionaria, mas de nada adiantou.

Há dias, um estranho caroço aparecera naquela parte de seu ombro. Isso resultou em mais daqueles exames entediantes onde encostavam uma coisa redonda e gelada em seu peito para ouvir os batimentos do coração, ou amarravam uma borracha amarela em seu braço e depois usavam uma agulha fina para tirar pequenas quantidades de seu sangue.

Antes, ele tinha muito medo das agulhas. Eram longas e brilhantes. Às vezes, elas só tiravam. Porém, às vezes, também injetavam líquidos roxos e verdes em seu corpo.

A dor era facilmente ignorável, nada mais do que uma picadinha seguida de uma sensação de queimação. Mas doía mesmo assim, e ele odiava sentir dor.

Agora, descobrira que também odiava sentir coceira.

Bufando em desistência, soprando os cabelos fininhos da franja prateada, o menino esticou todos os membros do corpo sobre o colchão e encarou o teto de metal reforçado acima dele, tão cinza quanto as paredes e o chão ao seu redor. Essa era a única cor que ele ignorava na caixinha de gizes de cera que, certa vez, recebera como presente de um homem barbudo e bastante simpático.

— Espero que isso não seja mais uma daquelas doenças que eles tanto falam — murmurou de novo, tentando preencher a mente com mais imagens de Mog, o Moogle Feliz, desejando que isso pudesse distraí-lo daquela coceira insuportável. — Acho que tenho umas vinte, ou trinta, ou cem… ou um milhão.

Suspirou alto e fechou os olhinhos felinos, franzindo o nariz e torcendo a boca numa careta engraçada ao lembrar-se da última etapa daquele monte de exames aos quais fora submetido naquela manhã: o raio-x.

Ele podia ter perdido o medo das agulhas, mas a máquina de raio-x ainda o assustava um pouco. Não fazia barulho e nem sequer encostava nele, mas era grande e podia tirar fotos esquisitas de seus ossos.

Desde então, o menino estava esperando, pois o médico responsável por ele naquele dia ainda não voltara com notícias sobre o que poderia ser a coisa que crescia debaixo de sua pele.

De repente, um pensamento ruim lhe ocorreu e o menino virou de lado, encolhido e agarrado à roupa branca que despira minutos atrás.

— Será que é um… monstro?

Cortando aquela linha de raciocínio, que provavelmente lhe daria pesadelos horríveis quando chegasse a hora de dormir, um ruído conhecido chamou sua atenção.

Num movimento rápido, sentou-se no colchão, o olhar vidrado na porta de metal.

Um beep, um clank, e o led vermelho sobre a fechadura ficou verde. A porta se recolheu para o canto esquerdo num piscar de olhos, revelando a pessoa no outro lado — seu médico da vez, usando jaleco branco e segurando uma prancheta.

A porta fechou-se de novo assim que o homem entrou. O led ficou vermelho novamente, indicando que o quarto fora trancado, como sempre.

O homem de cabelos castanhos franziu o cenho ao erguer os olhos escuros na direção do menino.

— Sephiroth, por que você está só de cueca? — perguntou ao erguer uma sobrancelha, mas não esperou pela resposta do menino. — Vista-se ou vai desenvolver uma pneumonia. O ar-condicionado hoje está infernal.

Sephiroth piscou os olhos algumas vezes, encarando o doutor, que tinha um sorriso abobalhado no rosto e um olhar cheio de expectativa.

Infernal, entendeu? Porque o ar-condicionado é gelado, mas o conceito de inferno conta que… — Vendo a expressão confusa do menino, o homem deu de ombros. — Enfim, esqueça isso e vista a sua roupa, sim?

Obediente, Sephiroth colocou a roupa no corpo outra vez, fácil e rápido, por estar acostumado a tirá-la e botá-la repetidas vezes num mesmo dia, uma vez que essas peças tão parecidas com vestidos eram o único tipo de roupa que lhe davam para usar.

— É que 'tava coçando muito… — explicou-se, enfim. — Tentei esfregar as costas no colchão e… 

— Não há motivo para se preocupar com esse caroço, Sephiroth — cortou o homem, dando duas batidinhas com o dedo sobre a prancheta. — Ele está aí por um bom motivo. Já era esperado e é a prova de que você está evoluindo. Logo descobrirá o que sairá daí. Vai ser legal. Prometo.

As pupilas verticais do menino dilataram muito, a ponto de o verde e do azul em suas íris anti-naturais quase desaparecerem.

— Então não é um monstro que vai sair daqui?

— Monstro? — O homem riu nervosamente. — De onde tirou isso, menino? Não, não. É uma coisa que provavelmente será muito útil para você no futuro. 

— E o que é? — Sephiroth insistiu. — Conta, por favor!

— Não faz diferença dizer. — Riu de novo, agora mais divertido. — Mas, cá entre nós, talvez seja a hora de encomendarmos ração de passarinho.

— Hã?

— Hoje minha criatividade ‘tá no auge, né?

Sem entender nada — e, ao mesmo tempo, acreditando que um passarinho sairia do caroço em suas costas —, Sephiroth decidiu não fazer mais perguntas. Ele sabia que, mais cedo ou mais tarde, o doutor iria se cansar de respondê-lo e pediria que ficasse quieto. Então, a fim de evitar ficar chateado por, mais uma vez, exigirem seu silêncio quando ele queria conversar, Sephiroth permaneceu calado pelo resto do dia.

— Agora, volte para a cama e puxe a manga do braço direito — disse o doutor ao sentar-se na única cadeira disponível naquele minúsculo quarto, bem em frente ao computador e às máquinas estranhas que Sephiroth nunca entendeu para quê serviam. — É hora de dar os seus remédios.


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