Os Sem Nome escrita por Trashcan Bin


Capítulo 5
Hikari




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Japão, 1º de setembro de 1978

 

Hikari tinha sentimentos mistos em relação à senhorita Kido. Elas tinham 7 anos de diferença. Hoje, no aniversário de 5 anos da menina, ela tinha 12. Mesmo assim, ainda pediam para ela brincar com a menina, porque “seria melhor para a senhorita brincar com uma menina próxima da idade dela”. Não era bem o tipo de brincadeira de boneca que ela gostava, mas às vezes era como se estivesse brincando com uma prima pequena sua.

Ultimamente, parece que estavam pedindo para o Takeshi também brincar, afinal, apesar de ser um menino, eles eram mais próximos em idade. O Hideki também fazia as suas vezes. Uma vez Hikari leu qualquer coisa sobre trabalho infantil, e ficou na dúvida se era isso que eles faziam.

Toda festa de aniversário da menina era um luxo. Além dos convidados da alta sociedade, era montado um cenário, um palco, com apresentações de pessoas ou bandas famosas. O senhor Kido contratava profissionais para idealizarem o evento, mas, claro, a montagem ficava com empregados da casa, assim como praticamente todas as tarefas no dia da festa.

Para as crianças era diferente. O senhor Kido deixava eles participarem da festa, como convidados. Eles não se misturavam muito, mas havia uma pessoa que Hikari sempre ficava feliz por poder encontrar nessas festas. Mas naquela ela não queria ver ninguém.

Estava sentada num degrau em um canto, tentando não olhar para uma certa direção. Uma parte dela sabia que Sayaka Fujiwara era alguém que estava “em outro nível” e que elas nunca teriam uma convivência muito além do tempo que passavam juntas nas festas dos Kido. Fujiwara nunca nem se importou em como se comunicar com ela de outro modo. Mas a última conversa das duas ainda doía, ao mesmo tempo que era difícil não olhar na direção dela e do menino que não saia do lado dela.

 

— Ei, Hikari, o que um “noivo”? — de repente, a própria aniversariante tirou-a de seus pensamentos, chegando por trás dela.

 

— Quem te falou disso?

 

— Um dos amigos do vovô me apresentou o neto dele e disse que se nos dermos bem, quem sabe logo viremos “noivos”.

 

Hikari ficou estática olhando para ela, em um misto de choque e incredulidade. A vida dos ricos era realmente um mundo à parte.

 

— É… acho que você é muito nova pra saber disso - falou como se a primeira vez que tivesse buscado essa palavra no dicionário não fosse há algumas semanas — É tipo um meio-termo entre ser solteiro e casado. Quando você decide que vai casar com alguém, aí fica noivo.

 

— Ué, não é mais fácil só casar?

 

— Às vezes ainda é muito cedo para casar… não sei.

 

Saori parou um pouco, e fez uma cara como se estivesse pensativa e um pouco preocupada.

 

— Eu preciso noivar com ele?

 

Hikari olhou para ela por alguns segundos, e sentiu uma espécie de aperto no peito. Ela estava sentada olhando para Saori, que estava em pé, mas como a aniversariante era ainda pequena, elas ficavam quase na mesma altura.

 

— Só se você quiser, senhorita. Você não precisa escolher isso agora, pode esperar. Você não precisa fazer nada se não quiser — Hikari dizia de uma forma meio atropelada e enfática, e não sabia se sua resposta era ao olhar melancólico da menina, ao sentimento que teve de algo estava errado ou se essas eram as palavras que ela tinha vontade de dizer à Sayaka Fujiwara — Essa é uma escolha muito séria, e você é muito nova, não é algo pra ser decidido assim. Ele não pode te forçar a nada.

 

— Tá. Vou falar pra ele que não sei. Quem sabe assim aquele menino chato não para de tentar ficar na minha cola! - e depois disso a menina foi embora.

 

Hikari voltou a olhar na direção de Fujiwara, que também tinha alguém que não parecia querer sair da cola dela.

 

— Nós também somos jovens, né? - ela disse para si mesma.

 

Sabia já há muito tempo que era diferente das outras garotas. 

 

Ah, Hikari, é que agora eu estou noiva… meu pai quer que eu case com o filho mais velho dos Yamaha.

 

Ela nunca ligou muito para os garotos, e isso a preocupava às vezes. Perguntava-se se alguém percebia. Resolveu tentar parar de se preocupar com isso, e procurar o Hideki.

Hikari não sabia dizer se gostava daquelas festas. Podia ser divertido, mas via depois todos os empregados, incluindo sua mãe, cansados. Também reparava que os convidados do senhor Kido por vezes não eram muito agradáveis com eles, como um parecia fazer com Ayumi agora.

 

— Desgraçado — olhou para trás e viu Hideki.

— Eu vi também — respondeu.

— Aquele velho com certeza sabe e nunca faz nada.

— Shh, vai que o Tokumaru tá por aqui.

— Que se dane, ele também não faz nada. Se fosse com aquela garota, aí seria um absurdo.

— Ela tem cinco anos, Hideki.

— E vai ficar igualzinha esses daí. Já fica querendo mandar na gente.

— Ah, vai, não é tão ruim assim. Ela é meio chatinha às vezes, mas não é tanto assim.

— Esse homem não cuida da neta dele, aí coloca a minha mãe e a sua mãe pra cuidar, e aí ele deixa essas coisas acontecerem com elas. Isso sem falar que a gente também fica de babá brincando de chá da tarde e não sei mais o que com ela.

— É isso ou vão as nossas mãe e a gente pra rua.

— Não sei porque minha mãe prefere ficar aqui do que no Brasil.

— Além disso, já foi muito pior. Minha mãe, sua mãe, e muitas outras antigamente voltavam chorando. Você não deve lembrar porque era pequeno.

 

Hideki olhou pra ela num misto de curiosidade e incredulidade.

 

— Voltavam chorando por quê?

— Não sei. Nunca me falaram. Mas minha mãe sempre disse pra ficar longe do senhor Mitsumasa.

— É sempre esse velho.

— Mas xiu. Não fala nada. Vai brincar.

— E cadê aquela sua amiga lá? Que você fica com ela?

— Ela tá hoje com o noivo dela.

— Noivo?

— É. Aquele Yamaha. Daquela família que sempre fica paparicando o Kido — disse revirando os olhos.

— Qual delas? — Hideki soltou um sorriso maroto — A sua amiga é a única que não finge que a gente não existe, pelo menos quando a gente não fica perto da Saori.

Hikari e Hideki riram juntos. Era trágico, mas era verdade. Se eles estavam brincando com a Saori, as outras crianças brincavam também. Se não, quase ninguém falava com eles. Os adultos também olhavam esquisito, cochichavam entre si, mas Hikari não lembrava de nenhuma vez que tivessem falado algo para eles. Mas ela tinha medo, talvez por isso não gostasse de tentar se enturmar muito, até porque não sabia qual seria a reação de Mitsumasa caso alguém falasse algo… ou pior, achava que sabia: não muito diferente do que acontecia com a mãe dela.

Hikari olhou de novo na direção onde estava Sayaka. Não viu em nenhum momento a menina olhando na direção dela. Mas Sayaka não parecia se divertir na festa. Resolveu que não deixaria que o mesmo garoto acabasse com a festa de duas pessoas.

 

— Vem, vamos brincar — puxou Hideki e foi.


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Notas finais do capítulo

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