Dor.

Foi a primeira coisa que senti ao acordar. Meu corpo protestava, como se eu tivesse sido pisoteado por uma multidão.

Olhei ao redor, atordoado.

Toquei o local da mordida, sentindo o curativo. Minha mão também estava enfaixada.

Os sons dos pássaros do lado de fora traziam uma calmaria que contrastava com as últimas emoções que me lembrava de viver.

Como se soubesse a hora certa de aparecer, senhora Tsunade entrou no quarto, abrindo as cortinas para que o sol entrasse. Entendia por que ela se mudou para lá. Além de mais paz para viver com o irmão, era um lugar encantador.

— Enfim acordou.

— Senhora Tsunade. — cumprimentei-a, tentando me sentar.

— Sinceramente...  — ela me encarou. — Não acreditei quando ligou perguntando sandices. Resolvi conferir por precaução. Onde estava com a cabeça?

— O que aconteceu?

— Você não se protegeu com sal. Aquele espírito vingativo o mataria se eu atrasasse um minuto.

— As coisas fugiram do controle, mas segui suas instruções.

— Cometeu um erro gravíssimo.

Meu coração acelerou.

Essa é a última coisa que se deseja ouvir após realizar um feitiço tão perigoso quanto o que eu fizera. A mera possibilidade de algo ter dado errado fez uma pontada de dor correr por todo meu corpo, arrancando-me um gemido de dor.

 — Eles estão bem?

Deu um suspiro indecifrável antes de retomar a fala.

— Depois de sua ligação, fiquei receosa que metesse os pés pelas mãos, então fui até o local do acidente. Sei que disse que daria conta disso sozinho, porém parecia precisar urgente de ajuda. E estava certa. Cheguei a tempo de ver o Homem Cobra te atacando. Sorte sua que não atingiu nenhuma artéria ou seria fatal.

Não é como se eu não esperasse um sermão.

Ela suspirou.

— Era um andarilho que consumia almas em busca da imortalidade, como um ritual que precisa sempre ser refeito para conseguir anos mais de vida. Não sei muitos detalhes, contudo acho que foi a causa do acidente fatal. Pense bem: como conseguir sacrifícios sem levantar muitas suspeitas? Na estrada sempre há viajantes. Diria que é uma ideia bem engenhosa.

— Então ele pretendia roubar as almas de Sasuke e Naruto? Não faz sentido. Para fazer um ritual para imortalidade, é preciso estar vivo.

— Creio que seu plano fosse provocar comoção, talvez pedindo ajuda, uma carona. Contudo, algo deu errado. Suponho que Naruto atropelou-o quando perdeu o controle do carro por conta da pista molhada. Por isso, estavam fadados a reviver esse momento. Ele queria a imortalidade e acabou morto por uma de suas supostas vítimas. Os gritos durante a noite na floresta era uma corrida por sobrevivência. Ele torturava-os como vingança.

— Mas... Isso poderia dilacerar as almas deles, não?! — indaguei.

— Sim. Quanto mais tempo Sasuke e Naruto fossem torturados, menos de sua alma existiria. Isso os tornaria cada vez menos humanos, até que virassem espíritos atormentados ou até vingativos. A longo prazo, o feitiço se tornaria inviável, pois exigiria que cedesse um pedaço da sua alma muito maior para trazê-los de volta e ainda corria risco de retornarem com cicatrizes dessa tortura. Itachi, eu demorei 10 anos para conseguir salvar meu irmão. Eu senti os prejuízos que isso causa. Por isso resisti em te ensinar o feitiço e apenas cedi porque a morte de Sasuke tinha sido relativamente recente. Sei que seu irmão sofreu por apenas três anos, mas dividir sua alma em três era assumir o peso em dobro.

— Como estão Sasuke e Naruto? A senhora não respondeu ainda.

Senhora Tsunade suspirou, como se estivesse lidando com os caprichos de uma criança.

— Terminei seu feitiço e selei-o. Sorte sua que aquela menina, Izumi, apareceu aqui de madrugada e trouxe as novas cascas, senão talvez nenhum dos três sobrevivesse graças a sua estripulia. Na verdade, fiquei surpresa que tenha contado sobre o feitiço para mais alguém. Bom, Sasuke e Naruto poderão viver bem ainda que dividam a alma. Entretanto, sabe as consequências disso? Suas vidas jamais serão as mesmas.

— Muito obrigado.

Apesar de tudo, sorri, sentindo meu corpo estranhamente mais leve, ainda que muitos pensamentos inundassem minha mente.

Após o almoço, arrisquei-me anda. Tomei banho e liguei para casa, garantindo que estava tudo bem e logo voltaria. Izumi tinha mil e uma perguntas. Eu conseguia sentir sua ansiedade, todavia parecia satisfeita em saber que eu estava vivo. Teríamos tempo para conversarmos depois. Agora ela deveria seguir com o planejamento e acompanhar minha mãe até sua antiga casa, um local seguro para levar Sasuke e Naruto sem causar histeria.

Tão logo terminei, fui surpreendido por um abraço apertado do meu irmão, o qual retribui imediatamente.

Era seu rosto, seu sorriso, seu cabelo. Até mesmo o cheiro. Era Sasuke em meus braços, vivo.

Foda-se as consequências desse feitiço. Eu tinha meu irmão de volta.

— Você está bem? Aquela senhora disse que sofremos um acidente na estrada por causa da chuva.

— Estou bem. — sorri e dei um beijo em sua testa. — Explicarei tudo, mas fique tranquilo. Deu tudo certo.

Senti-o relaxar. Apesar da pouca lembrança, acredito que Sasuke ainda lembrava sobre a notícia que viu sobre o acidente no notebook.

Levantei o olhar e Naruto nos observava, encostado no batente da porta. Parecia um tanto constrangido por ter sido flagrado assistindo a um momento íntimo. Apenas fiz sinal para que se aproximasse e o puxei para o abraço.

Os dois estavam vivos e pareciam muito bem.

— Preparem-se! Temos que ir para casa. Mamãe está esperando vocês chegarem há anos.

— Exagerado como sempre. — Sasuke revirou os olhos.

Apenas sorri e baguncei seu cabelo.

Dona Mikoto com certeza esperava há anos e teria uma surpresa enorme. Todos teriam. Não seria nada fácil, porém não me arrependia. Torcia somente para que o coração de mamãe aguentasse a emoção. Dela e dos pais de Naruto, posteriormente.

Naruto e Sasuke discutiam sobre quem se sentaria no carona, enquanto Tsunade repetia as orientações, lembrando-me que um ritual com sacrifício possuía efeitos colaterais.

1 – Ambos não se lembravam do acidente, logo teria que atualizá-los de tudo. Entretanto, havia a possibilidade deles terem pesadelos referentes ao tempo presos no looping.

2 – Suas vidas estariam conectadas para sempre a minha.

3 – Jamais envelheceriam.

4 – Apenas duas formas de morrer: destruindo o boneco de barro com seu cerne ou devido à morte do progenitor da alma. No caso, eu.

Devido à batida, Naruto pensou que seu carro tinha sido rebocado e aceitou sem mais questionamentos a carona que eu ofereci. Admito que senti um tanto de pena. Ele estava bastante confuso por não lembrar o acidente e possivelmente sentindo-se culpado.

Ainda assim, o gênio forte e implicante de Sasuke parecia deixá-lo confortável. Sem dúvidas, ele também gostava do meu irmão. Estava estampado em seu rosto.

— Acho que é isso. Encerramos aqui nossa aventura. Fico feliz que as coisas tenham dado certo para vocês, Itachi. Na medida do possível, ao menos. Se futuramente precisar de algo, pode procurar-me. Não garanto que saberei ajudar, mas posso tentar.

Dei um sorriso ladino, cumprimentando-a.

— Espero que essa seja a última vez. Nossos encontros não foram os mais amigáveis no começo.

Ela riu, puxando-me para um abraço.

— Pode deixar. Agora já sei que você é um bom garoto. Não me importaria em ajudá-lo outra vez.

— Desde que não seja por culpa de novo.